"Quando não há um homem em minha vida, eu me sinto vazia e indigna de ser amada, não aprecio quase nada. Quando me aproximo de um homem, me sinto asfixiada."
Luepnitz relata esta experiência no
livro Os Porcos-Espinhos de Schopenhauer (Ed. José Olympio,
2006). Ela teve a ideia de contar à paciente a parábola que inspirou o nome de
seu livro – o dilema do porco-espinho.
Ela e outros pacientes que recorreram à
psicóloga com problemas similares acharam a parábola "reconfortante".
O que é curioso, já que o autor do dilema, estava longe de ter sua obra vista
como "reconfortante".
Pensador jovem e radical na Alemanha do início do
século 19, ele atacava as ideias dominantes, criticando o eminente filósofo
Georg Hegel (1770-1831) como sendo um charlatão pomposo e reagindo ao seu
idealismo absoluto.
A ideia central de Schopenhauer era que tudo
no mundo é impulsionado pela vontade ou, em termos gerais, pelo desejo
incessante de viver.
Mas ele não considerava isso como algo
positivo. Ele não se referia à vontade como algo que podemos controlar, mas
como algo que nos escraviza — uma exigência infinita que nunca é satisfeita.
Schopenhauer defendia que, com isso, ficamos
oscilando inutilmente entre o sofrimento e o tédio. Para ele, a única
escapatória para a tirania da vontade se encontra na arte, particularmente na
música.
O dilema
O dilema do porco-espinho surgiu em 1851, na
coleção de ensaios filosóficos curtos de Schopenhauer, intitulada Parerga
e Paralipomena (Ed. Zouk, 2016) — em grego, "apêndices e
omissões".
Esta foi sua última obra e a primeira a
trazer o reconhecimento filosófico que ele aguardava por tanto tempo.
Schopenhauer destacou, satisfeito, que aquele
livro foi "incomparavelmente mais popular" do que toda a sua obra
anterior.
Seus outros livros tiveram, até então, pouca
repercussão. Não havia nada que previsse o impacto que ele teria no futuro
sobre a filosofia ocidental, influenciando obras de artistas e escritores como
Richard Wagner, Marcel Proust, Albert Camus e Sigmund Freud.
A parábola diz o seguinte:
"Em um dia gelado de inverno, diversos
porcos-espinhos se amontoaram muito próximos para evitar que congelassem,
graças ao calor mútuo. Eles logo sentiram a dor causada pelos espinhos dos
demais, o que fez com que eles se separassem novamente. Mas a necessidade de
calor voltou a uni-los e o recuo dos porcos-espinhos se repetiu, de forma que
eles ficaram presos entre dois males, até descobrirem a distância adequada na
qual poderiam se tolerar melhor, uns aos outros."
Parece um conto infantil, mas ele resume a
complexa natureza das relações humanas. E, como costuma ocorrer com
Schopenhauer, seu final não é muito feliz.
Ele conta que a vulnerabilidade é necessária
para que as relações sejam mais transcendentes e satisfatórias, mas ela aumenta
o risco de uma dor mais profunda.
E mostra como vivemos presos entre dois
males: o isolamento e o risco de nos ferirmos mutuamente.
"A necessidade de sociedade, que surge
do vazio e da monotonia da vida das pessoas, as une; mas suas muitas qualidades
desagradáveis e repulsivas, além de seus inconvenientes insuportáveis, mais uma
vez as afastam", prossegue Schopenhauer.
"A distância média que eles finalmente
descobrem e lhes permite suportar ficar juntos são a cortesia e os bons modos.
Em virtude disso, o fato é que a necessidade de calor mútuo só será satisfeita
de forma imperfeita, mas, por outro lado, eles não sentirão a espetada dos
espinhos."
Segundo o autor, portanto, estaríamos
condenados a nunca satisfazer totalmente o desejo de termos relações sociais
positivas, que é uma das necessidades humanas mais básicas e universais.
A distância prudente
Apesar do pessimismo, a genialidade da
parábola reverbera com as pessoas que estudam os desafios da intimidade.
O pai da psicanálise, Sigmund Freud
(1856-1939), popularizou a parábola em 1921, no seu livro Psicologia
das Massas e Análise do Eu (Ed. Cia. das Letras, 2011).
Ele discute a "ambivalência dos
sentimentos", inerente aos relacionamentos de longo prazo.
Para Freud, o afeto puro não existe. No amor,
existe ódio; e, no ódio, existe amor.
Como Freud, outros pesquisadores das relações
interpessoais estudaram a parábola. Ela serviu de ponto de partida para vários
estudos.
Um deles se chama Does Social Exclusion Motivate
Interpersonal Reconnection? Resolving the 'Porcupine Problem' ("A
exclusão social motiva a reconexão interpessoal? Resolvendo o 'problema dos
porcos-espinhos'", em tradução livre).
Nele, seus autores, Jon Maner, Nathan DeWall,
Roy Baumeister e Mark Schaller, examinam como as pessoas reagem ao ostracismo.
Em outros casos, a parábola do porco-espinho
serviu de ferramenta para confortar pacientes atormentados por sentimentos
contraditórios nas relações íntimas, como no caso que conta a psicóloga Deborah
Luepnitz.
Para ela, muitos de nós experimentamos
"a solidão como um fracasso pessoal, não como uma condição essencialmente
humana".
"A parábola normaliza um problema que
muitos de nós consideramos um defeito específico de caráter", escreveu
ela.
A parábola do porco-espinho também serviu
para ilustrar a importância dos limites, tanto físicos quanto emocionais, além
de outros aspectos das relações interpessoais.
Ela também figura na cultura popular,
especialmente na aclamada série de anime Neon Genesis Evangelion (1995),
elogiada por explorar uma série de questões filosóficas e psicológicas.
O personagem principal da série, Shinji
Ikari, é um jovem abandonado pelo pai. Ele luta contra depressão e ansiedade.
O dilema do porco-espinho é apresentado no
terceiro episódio da série e desenvolvido no episódio seguinte — que se chama
"Dilema do porco-espinho". Ele explica a tendência de Shinji de se
afastar das pessoas para evitar o risco de se machucar.
"Com o tempo, ele irá resolver",
explica Misato Katsuragi, outra personagem principal. "Parte de crescer
consiste em tentar várias vezes e, por tentativa e erro, encontrar a distância
adequada para evitar que se machuque."
Outra menção conhecida apareceu na
série This Emotional Life ("Esta vida emocional", em
tradução livre). Produzida pela TV pública americana PBS, ela trata da natureza
da felicidade, dos relacionamentos e da condição humana, na visão de Elizabeth
Gilbert, autora do livro Comer, Rezar, Amar (Ed. Objetiva,
2008).
"Os porcos-espinhos que haviam aprendido
a gerar seu próprio calor eram capazes de manter a distância mais segura dos
demais, o que não significava necessariamente viver uma vida de isolamento, mas
simplesmente não ser espetado pelos outros", explicou Gilbert.
"O caminho para isso é o segredo mais
próximo da felicidade que aprendi na vida."
O próprio Schopenhauer havia avançado um
pouco mais em relação à autogeração de calor. Seu texto sobre os
porcos-espinhos terminava dizendo:
"Quem tem muito calor interno irá
preferir se manter afastado da sociedade, para evitar dar ou receber problemas
ou aborrecimentos."
O filósofo acreditava que tudo o que
procurávamos nos demais poderia ser encontrado em uma solidão refinada pelo
desenvolvimento do nosso intelecto e pelo aprofundamento da nossa apreciação da
arte.
Para ele, se podemos mergulhar em um bom
livro ou nos elevar ouvindo uma grande obra musical, por que interagir com
seres humanos?
"Como regra geral, é possível dizer que
a sociabilidade de um homem é quase inversamente proporcional ao seu valor
intelectual", declarou ele, em outro ensaio.
E, para os muito pouco sociáveis, ele
considerava a solidão como "duplamente vantajosa".
"Em primeiro lugar, ela permite que você
esteja consigo mesmo e o impede, em segundo lugar, de estar com os demais — uma
vantagem muito importante, considerando a quantidade de restrições,
aborrecimentos até perigos existentes em qualquer relação com o mundo."
Schopenhauer conhecia esta questão por
experiência própria. Ele mesmo preferia não se arriscar a se espetar com os
espinhos dos demais. Por isso, viveu virtualmente isolado.
Depois de uma longa carreira filosófica,
Schopenhauer morreu no seu apartamento em Frankfurt, na Alemanha, em 1860. Ele
tinha 72 anos.
Nos últimos anos de vida, o filósofo recebeu
a aclamação que sempre procurou, mas nunca teve sucesso no amor — pelo menos,
entre os seres humanos, já que ele contava com o afeto dos cães que sempre o
acompanhavam, menos dispostos a mostrar os seus espinhos.
(Fonte: BBC)
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