Uma
dessas experiências destinada à educação eleitoral é o Projeto Plenarinho,
da Câmara dos Deputados, que completou 20 anos neste mês de agosto. A
coordenadora da equipe de Educação para a Democracia da Escola da Câmara dos
Deputados, Corina Castro, explica que o projeto foi criado para ensinar
crianças e adolescentes sobre política e democracia, “tudo isso de um jeito
divertido e fácil de entender”.
“Lá
você pode encontrar jogos, histórias em quadrinhos, vídeos, atividades que
mostram como as leis são feitas e como é que funciona o governo”.
De
acordo com ela, os conteúdos são direcionados tanto para o público de 9 a 12
anos como para professores que desejem tratar do tema em sala de aula. Entre os
projetos, estão o Câmara Mirim, no qual grupos de crianças criam e votam
projetos de lei; e o Eleitor Mirim, que ensina as crianças a votar em
candidatos fictícios.
Para
a coordenadora, é importante que crianças se envolvam com as eleições para
entender e exercitar a cidadania desde cedo.
“A
gente trata isso para as crianças como uma oportunidade de aprender a escolher
bem, lembrando que escolher bem tem a perspectiva, tem o lugar de fala, tem o
lugar que essa pessoa se encontra, o contexto dela. Então, aprender a escolher
bem é escolher de acordo com os interesses da sua comunidade”.
Corina
destaca que, como “cidadãs do futuro”, as crianças devem compreender as
escolhas que são feitas no presente e que vão interferir nesse futuro.
“Muitas
coisas que são feitas hoje não são benéficas para o futuro. É o caso, por
exemplo, das mudanças climáticas, da maneira como a gente vem trabalhando, vem
fazendo as coisas, talvez não seja interessante para o futuro. E as eleições
são uma oportunidade de crescer sabendo que as suas opiniões são importantes e
que elas podem fazer a diferença. Mas não é só a opinião, é entender como foi a
experiência para chegar na opinião”.
Crianças
eleitoras
No
Rio de Janeiro, o Colégio Pedro II, instituição federal que conta com 15 campi na
capital e Região Metropolitana, com cerca de 12 mil estudantes da educação
infantil ao ensino médio, trabalha com a prática da eleição em sala de aula
desde o quinto ano, última série da primeira fase do ensino fundamental, que
envolve crianças de 10 e 11 anos.
A
orientadora pedagógica do Campus São Cristóvão I, Flávia Assis, explica que
cada turma escolhe o seu representante de classe, que irá, entre outras coisas,
participar do Conselho de Classe (COC) junto com os professores.
“Todo
ano tem [essa eleição], e eles são convidados a se candidatar. Nós conversamos
com eles sobre o que significa essa representação. O que significa lançar-se ao
coletivo, representar um coletivo, porque não é uma questão de falar sobre si
mesmo, né? Em geral, a gente traz alguma literatura que os envolva nesse
sentido. Aí abre o período eleitoral, a gente apresenta o calendário eleitoral,
as chapas se apresentam, fazem as campanhas, apresentam seus programas. E aí
tem as eleições”.
De
acordo com ela, as representações têm autonomia para atuar em conjunto com a
turma.
“Tem
anos, por exemplo, que os representantes organizam a formatura. Tem anos que os
representantes escrevem cartas para vir aqui na direção fazer solicitações de
melhorias nos aspectos físicos da escola. Às vezes são temas que envolvem
eventos, então varia muito do engajamento da turma. Mas o que a gente quer com
isso é que eles, como um todo, se sintam como um corpo coletivo e que entendam
que os representantes têm um papel de levar a voz daquele coletivo para fora,
então que eles se organizem politicamente nas suas pautas, essa é a intenção
mesmo”.
A
eleição é coordenada pelo Setor de Orientação Educacional e Pedagógica (Seop).
A pedagoga Manuela Monteiro, responsável pelo Seop do Campus São Cristóvão I,
explica que todas as turmas recebem orientação sobre a representação de classe
e também o acompanhamento sobre os momentos de interação dele com os setores do
colégio.
“A
gente faz uma reunião de equipe, monta um cronograma, pensando no tempo hábil
para cada passo desse processo de votação, da participação nas assembleias e da
atuação dos alunos representantes no conselho de classe. Cada cronograma é
pensado a cada trimestre, porque, por exemplo, no primeiro trimestre acontece a
votação do aluno representante. Nos outros trimestres, é somente a questão das
assembleias, porque já tem os alunos representantes eleitos”.
Candidatos
e candidatas
A
reportagem conversou com alguns dos candidatos e candidatas. Ana Júlia Diniz
Cassiano, de 10 anos, diz que quer ser representante para ajudar a turma, a
professora e organizar o recreio, além de ter e oportunidade de falar no
Conselho de Classe. “Representante de turma, ele representa a turma toda, os
alunos vão dando uma ideia pro representante e ele leva pro COC.”
Em
sua campanha, Conrado Senas, de 10 anos, diz que pretende colocar mais ordem na
turma e evitar conflitos. “Eu quero resolver o problema de ficar xingando os
outros, que não pode falar palavrão, né? E tem que respeitar os amiguinhos, não
pode rabiscar a mesa, não pode rabiscar a parede. Não fazer besteira, tipo, não
sujar banheiro, não ficar fazendo xixi no chão, porque a tia da limpeza fica
muito triste”.
Teodoro
Oliveria da Silva Batista, 10 anos, espera ser eleito para ajudar a turma a
manter o foco nos estudos. “Eu queria ajudar a escola em vários aspectos, mas
espero ajudar a minha turma. A gente tem que ouvir a turma, a gente conversa
muito, mas a gente é muito unido. E eu acho que a gente poderia parar de
conversar um pouco e prestar mais atenção na aula”.
Já
Ana Beatriz da Silva, 11 anos, considera que, apesar de a votação ser o meio
mais usual de escolha, o ideal seria chegar a um consenso. “De certa forma, é
injusto, eu acho que a gente deveria conversar, entrar em um consenso conjunto
e, se necessário, fazer uma votação. Porque eu acho que o que vale mesmo é uma
união, não quem tiver mais voto ganha”.
Os
pequenos também estão por dentro das eleições municipais e tem recados
importantes para quem vencer a disputa. “Eu pediria que ele desse uma condição
melhor para as pessoas, uma condição melhor financeira. Porque tem muita gente
que não tem uma condição muito boa e mora em lugares que não tem uma estrutura
suficiente para abrigar as pessoas, perto de esgoto, e quando chove transborda
tudo e pode transmitir doenças para as pessoas. Eu acho que deviam ter
melhorias para as favelas do Rio”, diz Ana Beatriz.
Isabella
Nairim Gomes de Souza, 10 anos, concorda com a colega. “Por mim, eu ia deixar
os candidatos, os eleitos, mais humildes, pra ajudar o próximo, ter compaixão”.
Francisco
Barcelos Rodrigues, 10 anos, lembra das benfeitorias que ocorrem apenas no
momento da campanha. “Lá onde eu moro, teve um cara lá que começou a ajeitar as
ruas há um tempo já. E ontem ele passou em todas as ruas soltando fogos, com
bandeira. Não é certo, porque deveria ser toda hora, ele está ajeitando tudo
agora, mas aí ele só está querendo voto para ele ganhar a eleição e depois não
fazer mais nada”.
Maria
Eduarda Rocha Campos, 10 anos, falou das promessas não cumpridas pelos
políticos. “Eu acho que tem que ter um prefeito para colocar ordem e ajeitar as
coisas, só que também não adianta ter um prefeito que promete, promete,
promete, faz um monte de propaganda e não cumpre. Tem que ser um prefeito
honesto, que vá cumprir com as coisas que ele falar, que vai fazer”
Participação
desde cedo
A
coordenadora do Plenarinho, Corina Castro, ressalta a importância da
participação no processo eleitoral desde cedo, para entender de pequeno a
importância da cidadania e da democracia.
“Mesmo
sem votar, elas podem participar aprendendo, conversando, ajudando na
comunidade, apoiando os pais, praticando cidadania. Trabalho voluntário, por
exemplo. E tem muitas oportunidades nas próprias eleições, né? Algumas
organizações aceitam crianças para entregar panfletos, para participar de atos.
Então, é uma forma de praticar a cidadania. E a gente acha que isso cria uma
base forte para as crianças serem cidadãs ativas, informadas, no futuro e hoje
mesmo”.
Outra
organização que tem trabalho voltado para a infância nestas eleições
é o Fundo das Nações Unidas pela Infância (Unicef). A entidade da ONU fez
recomendações para a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes nas
cidades brasileiras, em forma de cartilha para os candidatos, para
os jornalistas, para os adolescentes e para os eleitores.
O
coordenador do Programa de Cidadania dos Adolescentes do Unicef no Brasil,
Mario Volpi, explica que, dentre todas as demandas que exigem atenção das
autoridades e da sociedade no país, a organização identificou cinco mais
urgentes: proteção contra todas as violências, mudanças climáticas, escolas de
qualidade para todos, promoção da saúde e da nutrição e proteção social.
“Esses
cinco temas não podem esperar, então a gente tentou estabelecer um conjunto de
ações que a gente quer que o município discuta e que os candidatos a prefeito e
a vereador digam duas coisas: o que eles vão fazer e como eles vão fazer.
Porque não basta dizer o que eles vão fazer, é preciso dizer com quanto
dinheiro, com que atividades, com quais profissionais. Como que eles vão fazer
para cumprir essas promessas?”
Sobre
o envolvimento das crianças no processo eleitoral, Volpi destaca que a
participação delas na sociedade deve ser progressiva.
“Você
começa participando, opinando lá na sua família, na escola, entendendo os
problemas para daí, na adolescência, já começar a participar de algum grupo de
discussão dos direitos, para reivindicar seus direitos, o grêmio estudantil na
escola, para aos 16 anos tirar o título de eleitor e ir votar, escolher os seus
candidatos”.
Ele
destaca, ainda, a importância de que crianças e adolescentes sejam envolvidos
em conversas sobre o tema. “Porque elas é que vivem as políticas públicas, né?
Elas que estão na escola, elas que estão lá no centro de saúde sendo atendidas.
Então, a voz, a opinião e a sugestão delas no debate, na sugestão de soluções
para as questões que dizem respeito às suas próprias vidas é essencial. A gente
não vai avançar na consolidação da democracia, no desenvolvimento sustentável,
sem participação das crianças e dos adolescentes”.
Acompanhe
na Radioagência Nacional o podcast Crianças Sabidas sobre as eleições
municipais. A produção original oferece conteúdo jornalístico direcionado ao
público infantil. A série sobre as eleições terá ao todo quatro episódios,
publicados sempre às sextas-feiras. Os dois primeiros já estão no ar. Conteúdo
também disponível nos tocadores de áudio e com tradução em Libras para o
YouTube.
(Ag.
Brasil)
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