Ao
lado, havia uma travessa de chilli crickets (grilos picantes),
a versão com inseto de um dos pratos mais amados de Cingapura (chilli crab)
— caranguejo servido com um molho denso de pimenta doce.
Parecia
um bufê como outro qualquer, exceto pelo ingrediente principal de cada prato:
grilos.
Na
fila, havia uma mulher que colocava cuidadosamente noodles coreano
coberto com grilo moído em seu prato, e um homem que não parava de fazer
perguntas ao jovem chef.
Era
de se esperar que os clientes se deliciassem com o banquete. Afinal de contas,
eles estavam entre os mais de 600 cientistas, empresários e ambientalistas de
todo o mundo que desembarcaram em Cingapura como parte de uma missão para
tornar os insetos saborosos.
O nome da conferência já dizia tudo: "Insetos para Alimentar o
Mundo".
E
ainda mais pessoas foram atraídas para o bufê ao lado do banquete repleto de
insetos. Alguns teriam argumentado que era o de sempre: peixe selvagem com
infusão de capim-limão e limão, lombo grelhado com geleia de cebola, curry de
legumes com leite de coco.
Cerca
de dois bilhões de pessoas, aproximadamente um quarto da população mundial, já
consomem insetos como parte de sua alimentação diária,
segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).
Mais
gente deveria se juntar a elas, de acordo com um grupo cada vez maior de
ativistas dos insetos, que defendem estes animais invertebrados como uma escolha saudável e
sustentável.
Mas
será que a perspectiva de salvar o planeta é suficiente para fazer com que as
pessoas experimentem estes bichinhos, capazes de provocar arrepios?
À
la insetos
"Temos
que nos concentrar em torná-los deliciosos", afirmou o chef Joseph Yoon,
de Nova York, que elaborou o cardápio com grilos para a conferência, em
parceria com o chef de Cingapura Nicholas Low. O evento teve permissão para
usar apenas grilos.
Segundo
ele, "a ideia de que os insetos são sustentáveis, ricos em nutrientes,
podem resolver a questão da segurança alimentar e
assim por diante" não é suficiente para torná-los palatáveis, muito menos
apetitosos.
Estudos
mostram que os grilos são ricos em proteínas. E criá-los exige menos água e
terra, em comparação com o gado.
Alguns
países deram um empurrãozinho para as dietas à base de insetos. Cingapura
aprovou recentemente 16 tipos de insetos — incluindo grilos, bichos-da-seda,
gafanhotos e abelhas — como alimento.
A
nação está entre um grupo de países, incluindo União Europeia, Austrália, Nova
Zelândia, Coreia do Sul e Tailândia, que estão regulamentando o que ainda é uma
indústria incipiente de insetos comestíveis — com valor estimado entre US$ 400
milhões e US$ 1,4 bilhão (R$ 2,2 bilhões e R$ 7,8 bilhões).
Chefs como Nicholas Low tiveram que encontrar maneiras de "fragmentar" os insetos para cozinhar com eles, uma vez que as pessoas nem sempre estão dispostas a experimentá-los "em sua forma original".
Para
a conferência, Low reinventou a famosa laksa quando substituiu
o habitual bolinho de peixe por hambúrgueres feitos de grilo moído.
Ele
contou que também deu um certo trabalho mascarar o cheiro de terra dos insetos.
Pratos com "sabores fortes", como a laksa, eram ideais
porque as iguarias da receita original distraíam as pessoas dos insetos
triturados.
Low
disse que os grilos deixavam pouco espaço para ele fazer experimentos.
Normalmente fritos para obter uma crocância satisfatória, ou moídos até virar
um pó fino, eles não são versáteis como as carnes, que podem ser preparadas de
diferentes maneiras — desde ensopados a churrascos.
Ele
não consegue imaginar cozinhar com grilos diariamente.
"É
mais provável que eu os prepare como um prato especial que faz parte de um
cardápio mais amplo."
Desde
que Cingapura aprovou cozinhar com insetos, alguns restaurantes têm tentado a
sorte. Um estabelecimento de frutos do mar começou a polvilhar grilos em
seus satays (espetinhos) e massas com tinta de lula, ou
servi-los como acompanhamento de cabeça de peixe ao curry.
É
claro que há outros que estão mais comprometidos com o desafio. O Takeo Cafe,
com sede em Tóquio, no Japão, tem servido insetos aos clientes nos últimos 10
anos.
O
cardápio inclui uma salada com duas baratas-de-madagascar aninhadas sobre uma
camada de folhas e tomate-cereja; uma generosa bola de sorvete com três
pequenos gafanhotos em cima; e até mesmo um coquetel com bebidas feitas a
partir dos excrementos do bicho-da-seda.
"O
mais importante é a curiosidade [do cliente]", afirma Saeki Shinjiro,
diretor de sustentabilidade do Takeo Cafe.
E
quanto ao meio ambiente? "Os clientes não estão tão preocupados", ele
diz.
Pelo
sim, pelo não, o Takeo Cafe também tem um cardápio sem insetos.
"Ao
elaborar o menu, temos em mente não discriminar pessoas que não comem
insetos... Alguns clientes estão aqui apenas para acompanhar os amigos",
explica Shinjiro.
"Não
queremos que essas pessoas se sintam desconfortáveis. Não há necessidade de
comer insetos à força."
Relação
com a comida
Mas
nem sempre foi assim. Durante séculos, os insetos foram uma fonte valiosa de
alimento em diferentes partes do mundo.
No
Japão, gafanhotos, bichos-da-seda e vespas eram tradicionalmente consumidos em
áreas sem litoral, onde a carne e o peixe eram escassos.
A
prática ressurgiu durante a escassez de alimentos na Segunda Guerra Mundial,
afirmou a gerente do Takeo Cafe, Michiko Miura.
Hoje
em dia, grilos e bichos-da-seda são comumente vendidos como petiscos em
mercados noturnos na Tailândia, enquanto clientes na Cidade do México pagam
centenas de dólares por larvas de formiga, um prato que já foi considerado uma
iguaria pelos astecas, que governaram a região do século 14 ao século 16.
Mas
especialistas em insetos temem que estas tradições culinárias estejam se
desfazendo com a globalização, já que as pessoas que comem insetos agora
associam este tipo de dieta à pobreza.
Há
um "sentimento crescente de vergonha" em lugares com um longo
histórico de consumo de insetos, como a Ásia, a África e a América do Sul,
afirmou Joseph Yoon, o chef de Nova York.
"Agora
eles têm vislumbres de culturas estrangeiras pela internet, e ficam
envergonhados de comer insetos porque esta não é a prática em outros
lugares."
Em seu livro Edible Insects and Human Evolution ("Insetos Comestíveis e Evolução Humana", em tradução livre), a antropóloga Julie Lesnik argumenta que o colonialismo aprofundou o estigma de comer insetos.
Segundo
ela, Cristóvão Colombo e membros de sua expedição descreveram o consumo de
insetos pelos nativos americanos como "bestialidade... maior do que a de
qualquer animal na face da Terra".
Claro,
o comportamento das pessoas pode mudar. Afinal, delícias gourmet — como o sushi
e a lagosta — já foram um conceito estranho para a maioria das pessoas.
O
sushi começou como um prato da classe trabalhadora encontrado em barraquinhas
nas ruas. E a lagosta, conhecida como "frango de pobre", já foi
oferecida a prisioneiros e escravizados no nordeste da América por causa da sua
abundância, explicou a pesquisadora de alimentos Keri Matiwck, da Universidade
Tecnológica de Nanyang, em Cingapura.
Porém,
à medida que as redes de transporte facilitaram as viagens e o armazenamento de
alimentos melhorou, cada vez mais pessoas foram apresentadas ao crustáceo. Com
o aumento da demanda, seu preço e status também aumentaram.
De
acordo com Matwick, alimentos antes vistos como "exóticos", ou nem
sequer considerados alimentos, podem aos poucos se tornar populares.
"[Mas]
as crenças culturais levam tempo para mudar. Vai levar um tempo para mudar a
percepção de que os insetos são repugnantes e sujos."
Alguns
especialistas incentivam as pessoas a criarem os filhos para serem mais
tolerantes a alimentos incomuns, incluindo insetos, porque as gerações futuras
vão enfrentar todas as consequências da crise climática.
Os
insetos podem muito bem se tornar os "superalimentos"
do futuro, tão cobiçados quanto a quinoa e as berries (frutas
vermelhas). Eles podem ser consumidos relutantemente, e não pelo prazer que uma
picanha ou uma feijoada proporcionam.
Por
enquanto, o chef de Cingapura Nicholas Low acredita que não há nada
pressionando as pessoas a mudarem suas dietas, especialmente em lugares ricos,
onde praticamente tudo o que você deseja está a poucos cliques de distância.
Segundo
ele, os consumidores mais jovens podem estar dispostos a prová-los por
curiosidade, mas a novidade vai passar.
"Há
tantas opções que é difícil escolher. Gostamos da nossa carne como carne, e do
nosso peixe como peixe."
(Fonte
BBC)
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