Para alguns candidatos, talvez seja melhor assim.
Um levantamento feito pela BBC News Brasil mostra que ao menos 2,8 mil políticos que disputam cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador nas eleições deste ano já foram autuados por infrações ambientais ao menos uma vez.
Mesmo
assim, alguns ainda prometem defender o meio
ambiente em seus planos de governo. Há ainda os que apresentam planos
de governo que prometem afrouxar a
legislação ambiental local.
Em
alguns casos, as infrações acontecem até mesmo em outros Estados, longe da
atenção de suas bases eleitorais.
É
possível que este número de autuados seja ainda maior. Para chegar aos nomes, a
BBC News Brasil cruzou dados de filiação partidária e CPF dos candidatos, mas
nem todos estavam disponíveis publicamente.
Neste
ano, pela primeira vez, o Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) removeu essas informações de suas bases de dados.
As
infrações incluem, por exemplo, garimpo dentro
de unidades de conservação, desmatamento ilegal,
criação e comércio de gado dentro de áreas proibidas, descumprimento de
embargos, dentre outros.
Uma
infração administrativa não representa uma condenação. Os autuados podem
recorrer tanto dentro do próprio processo administrativo como na Justiça.
Muitos casos correm por anos até que haja uma decisão final.
São
mais de R$ 500 milhões em multas, ao todo, somando as infrações aplicadas
pelo Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Não
foram consideradas multas aplicadas por órgãos estaduais ou municipais.
Uma
reportagem da Agência Pública mostrou que parte desses autuados já ocupam
cargos na administração pública e buscam a reeleição.
Os
autos aparecem em todas as regiões do país. Os Estados com mais casos são Minas
Gerais (624), Pará (409) e Mato Grosso (287).
No Rio Grande do Sul,
que em 2024 enfrentou a maior tragédia climática de sua história, com quase
200 pessoas mortas e 400 municípios engolidos pela chuva, ao menos 103
candidatos foram multados pelo Ibama, com infrações que incluem destruição de
vegetação nativa em área preservada e pesca ilegal.
André
Carvalho, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da
Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP) e Pesquisador do Centro de Estudos em
Sustentabilidade (GVces), diz que as infrações não afetam necessariamente a
popularidade de um candidato.
Podem,
inclusive, fortalecer um determinado tipo de discurso, diz Carvalho.
"É
uma espécie de efeito Ricardo Salles [ex-ministro do Meio Ambiente durante o
governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), cuja gestão foi marcada por afrouxar
regras ambientais], quando o político fala que alguma coisa do ordenamento
ambiental é obsoleta e acaba virando uma alternativa de voto para pessoas que
pensam da mesma forma pela agenda antiambiental”, aponta Carvalho.
O
professor faz referência à fala de Salles durante uma reunião ministerial em
2020 durante a pandemia, quando defendeu: "Precisa ter um esforço nosso
aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de
imprensa, porque só fala de covid e ir passando a boiada e
mudando todo o regramento e simplificando normas".
O
ex-ministro se elegeu deputado federal pelo PL em 2022 como o quarto mais
votado em São Paulo.
No
ano passado, ao comentar a declaração, Salles disse que sua fala foi
"propositalmente manipulada" por algumas pessoas e afirmou que
defendeu desburocratizar o governo, o que "infelizmente" não
conseguiu fazer.
Candidatos
recordistas de multas nas cidades com mais queimadas
As
cidades com mais autuados são aquelas já historicamente afetadas por uma grande
quantidade de crimes ambientais e que figuram entre as que mais registram episódios de
queimadas.
O
ex-prefeito de Apuí (AM) e candidato ao mesmo cargo na cidade, Antonio Marcos
Maciel Fernandes, o Marquinhos Maciel (MDB), lidera essa lista com ao menos 22
multas, que somam mais de R$ 26 milhões.
Os
casos se distribuem em uma longa série histórica — a primeira multa foi em 1999
e a mais recente, em 2021, e quase todas dizem respeito a desmatamento.
O
plano de governo do candidato e ex-prefeito, na área específica de meio
ambiente, destaca a implementação de "projetos de reflorestamento e
recuperação de áreas degradadas, promovendo a conservação das florestas e dos
recursos naturais."
Maciel
diz à BBC News Brasil que o Ibama "errou demais" em apontar as
infrações: "Fui, ao contrário do que se poderia imaginar, o prefeito que
mais investiu em preservação".
O
candidato afirma também que, desde 2005, não se envolve diretamente com
pecuária.
"O
que falta em nossa região é legalização fundiária, isso traria segurança
jurídica, estabilidade e recuperação ambiental com adequação do que é área
produtiva e área de preservação", diz Maciel.
Apuí
é uma cidade com pouco mais de 20 mil habitantes, localizada no interior
do Amazonas,
e figura entre os dez municípios com mais focos de queimadas no país (mais de 4
mil somente em 2024), segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe).
Maciel
foi eleito na cidade em 2008, com 3,3 mil votos, mas não se reelegeu.
A
cidade foi citada em uma operação da Polícia Federal (PF) que investiga um
esquema de fraudes fundiárias, que resultaram na apropriação ilegal de mais de
500 mil hectares de terras públicas.
As
autoridades identificaram que criminosos usavam emissão de certidões
ideologicamente falsas emitidas por servidores públicos no Estado.
As
atividades ilegais incluíam exploração florestal e pecuária em áreas
protegidas, venda ilegal de madeira, dentre outros.
Em
São Felix do Xingu (PA), cidade que mais registra focos de queimada do país,
quatro dos cinco candidatos à Prefeitura foram multados — incluindo o próprio
prefeito, João Cleber de Souza Torres, que disputa a reeleição.
Entre
2014 e 2024, Torres já recebeu mais de R$ 9 milhões em sanções relacionadas à
destruição de mata nativa e descumprimento de embargos.
Os
outros candidatos somam mais de R$ 14 milhões por infrações semelhantes.
Torres
esteve em evidência no noticiário nacional quando, em outubro de 2023, o
governo federal anunciou uma operação para expulsar invasores da Terra Indígena
Apyterewa, na região da cidade administrada por ele.
Torres,
segundo o Ministério Público Federal do Pará, publicou vídeo nas redes sociais
incentivando a população a "resistir" à reintegração de posse na
área.
O
órgão chegou a pedir o afastamento de Torres, afirmando que a própria
Prefeitura tentou apoiar a ocupação irregular da terra indígena.
A
BBC News Brasil tentou entrar em contato com o prefeito pelos meios indicados
no site oficial da Prefeitura, sem sucesso.
O
procurador-geral do município, Walter Wendell, disse à reportagem que não
poderia comentar a situação de Torres.
Candidatos
receberam multas longe da base eleitoral
As
irregularidades ambientais apontadas pelos órgãos não aconteceram,
necessariamente, na mesma cidade ou nem mesmo no mesmo Estado em que os
candidatos disputam a eleição.
A
BBC News Brasil identificou mais de 400 multas em Estados diferentes daqueles
onde o político autuado é candidato.
Um
desses casos é de Romero Jatobá Cavalcanti Neto, o Romerinho Jatobá, do PSB,
mesmo partido do prefeito de Recife, João Campos.
Jatobá
é candidato à reeleição como vereador em Recife e atual presidente da Câmara
Municipal.
Somadas,
as multas do candidato passam de R$ 17 milhões, um dos valores mais altos da
lista apurada pela reportagem, e dizem respeito a casos que aconteceram em
2020, quando, segundo o Ibama, ele teria impedido a regeneração de vegetações
com a criação de gado, além de descumprir embargos impostos pelas autoridades.
Os
casos aconteceram em Altamira, no Pará. O
candidato não declarou nenhuma propriedade no Estado ao TSE, mas os servidores
do Ibama dizem haver evidências de que a fazenda onde foi autuada a infração é
dele e de sua família.
A
BBC News Brasil teve acesso a um dos processos contra o político, que afirma
que a fazenda seria gerenciada pelo vereador e por seu pai, Romero Jatobá
Cavalcanti Filho.
Foram
anexadas ao processo imagens de animais com marcações de ferro com as iniciais
RR, que, segundo o Ibama, "associam aos nomes Romero, pai, e Romerinho,
filho", bem como RF, de Romero Filho.
Havia
também marcas com as iniciais SM, que seriam associadas ao nome da mãe do
candidato, Maura de Sá, segundo os fiscais.
Os
servidores do Ibama também entrevistaram funcionários no local quando houve a
fiscalização em busca de informações sobre os proprietários.
A
defesa de Jatobá nega que ele tenha qualquer relação com o imóvel rural
envolvido no processo em questão.
Em
nota para a BBC News Brasil, diz que houve erro do Ibama fruto de uma pesquisa
equivocada no Google em busca do dono da fazenda.
Afirma
ainda que o vereador jamais foi proprietário da terra ou do gado lá encontrado
e que já tomou medidas para anular as multas mencionadas.
Candidatos na cidade do 'Dia do Fogo' prometem legalizar garimpo
O
município de Novo Progresso, no Pará, cidade que recebeu
atenção nacional no episódio do "Dia do Fogo" em 2019, tem
somente dois candidatos a prefeito: Gelson Dill, do MDB, e Juscelino Alves, do
Podemos.
O
plano de governo de ambos prevê, em alguma medida, facilitar e
"legalizar" atividades de garimpo na região.
O "Dia do Fogo" é
como ficou conhecido uma série de incêndios florestais em Novo Progresso entre
os dias 10 e 11 de agosto de 2019.
Dill,
atual prefeito que busca a reeleição, diz em seu plano de governo que o garimpo
faz parte do desenvolvimento das atividades da região e que o poder executivo
"não ficará omisso e vai implementar políticas em prol do
desenvolvimento".
Promete
fazer parcerias com os governos federal e estadual em busca de
"regularização fundiária para o avanço do agronegócio" e a
"legalização dos garimpos e mineradores".
Ele
tem registradas em seu nome ao menos três multas do Ibama, que somam mais de R$
2,5 milhões, por destruição de vegetação nativa e dificultar regeneração em um
parque nacional, sanções dadas entre 2014 e 2022.
A
reportagem enviou e-mail à Prefeitura pedindo um posicionamento sobre o
governante, mas não obteve retorno.
Já o
outro candidato, Juscelino Alves, prevê "desburocratização e apoio na
legalização de áreas para exploração mineral do município, principalmente a
garimpeira", bem como a criação de um programa chamado "Garimpeiro
Legal".
A
BBC News Brasil tentou contatá-lo por meio de suas redes sociais, mas não
recebeu resposta.
Agenda
ambiental é menos frequente em planos de governo; saúde e educação dominam
Os
temas mais citados em planos de governo por candidatos a prefeito nas eleições
deste ano são administração, educação e saúde.
O meio ambiente aparece
em décimo segundo lugar em um ranking criado pela BBC News Brasil, em um total
de 15 temas.
A
reportagem baixou e organizou o texto dos planos de governo de candidatos em
todo o Brasil.
A
base de dados contém cerca de 15 mil planos — ficaram de fora apenas os que não
estavam no site do TSE ou casos em que o texto não era legível por máquina.
Realizou-se
então uma busca por palavras-chave que representam os temas mais comuns, como
saúde e educação. Em saúde, por exemplo, usou-se palavras como hospital, médico
ou ambulância.
Uma
pesquisa realizada em agosto pelo instituto Inteligência em Pesquisa e
Consultoria Estratégica (Ipec) já tinha mostrado que o tema ambiental é pouco
lembrado entre eleitores.
Foi
citado por 1% dos 2 mil entrevistados, número que oscila positivamente entre
mulheres (2%) e jovens de 16 a 24 anos (3%).
A análise da BBC News Brasil mostra que os candidatos também priorizam os temas de educação e saúde, os dois mais citados.
Ao
filtrar para temas mais específicos, como mudanças climáticas ou
crise climática e palavras-chave associadas ao assunto, o número de planos de
governo caiu para menos da metade — pouco mais de 6 mil em todo o país.
Cerca
de 1,6 mil planos de governo citaram enchentes, por exemplo. Só 130 citam o
termo "aquecimento
global".
No
Rio Grande do Sul, esses assuntos ganharam atenção e atá centralizam os debates
e propostas.
Na
capital gaúcha, Porto Alegre, os dois candidatos mais bem posicionados na
pesquisa Quaest divulgada em 17 de setembro, Sebastião Melo, do MDB, e Maria do
Rosário, do PT, colocam a tragédia causada pelas enchentes em destaque em seus
planos.
Melo,
atual prefeito e candidato à reeleição, apresenta em seu plano um capítulo de
nome "Reconstrução e adaptação climática", que traz feitos de sua
gestão durante os dias mais intensos da catástrofe climática e também uma
proposta para os próximos anos, que inclui um sistema de medição e alerta de
riscos para a Defesa Civil e a implementação de um centro de monitoramento e
previsão do tempo.
Já
Maria do Rosário abre seu programa citando a tragédia e destaca que ela
"foi construída pelo negacionismo e imobilismo diante das mudanças
climáticas". Prevê, em suas promessas, fortalecer sistemas de proteção,
criar estrutura pública para drenagem e proteção e desenvolver políticas
"para uma cidade esponja".
A
diretora de pesquisa do Instituto Igarapé, Melisa Risso, diz que a agenda
ambiental não deveria ser tratada de forma lateral no debate das eleições
municipais.
"É
a oportunidade que a gente não pode perder, nessas eleições, de trazer a agenda
municipal como elemento central para uma discussão sobre o enfrentamento da
emergência climática", diz Risso.
Para
ela, é necessário fazer uma "tradução" de como fenômenos climáticos
afetam a vida das pessoas na rotina das cidades, seja na zona rural ou urbana,
lembrando os exemplos das enchentes no Rio Grande do Sul e queimadas em todo o
país.
"A
gente pensa em meio ambiente como questão de floresta, que não é intrínseca à
cidade. Dadas todas as consequências que estamos vendo das mudanças climáticas,
vemos que é sim uma agenda inerente às cidades", afirma Risso.
"É
uma agenda transversal e central para pensar a cidade, com planejamento urbano
e transição ecológica. Ainda não atualizamos o discurso sobre o que significa o
meio ambiente na cidade para a realidade que se está vivendo hoje."
(Fonte:
BBC)
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