terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Bolsonaro é o próximo? O que prisão de Braga Netto indica sobre futuro do ex-presidente

A prisão do general da reserva Walter Braga Netto, homem forte do governo de Jair Bolsonaro (PL), reacendeu as especulações sobre uma possível prisão do ex-presidente, apontado pela Polícia Federal como o líder da organização criminosa que planejou um golpe de Estado para mantê-lo no poder após a derrota nas eleições de 2022.

Apesar da sensação de que há um cerco da Justiça se fechando sobre Bolsonaro, criminalistas ouvidos pela BBC News Brasil dizem que, até o momento, não há elementos que justifiquem sua prisão preventiva — ou seja, uma prisão por medida cautelar, antes de um eventual processo criminal com condenação e trânsito em julgado (quando não cabem mais recursos).

Segundo a lei brasileira, a prisão preventiva só pode ser decretada sob algumas condições, como nas hipóteses de o suspeito continuar cometendo crimes, estar tentando fugir da Justiça ou atuar para atrapalhar as investigações.

A prisão de Braga Netto, por exemplo, foi determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes sob a justificativa de que ele teria tentado interferir nas investigações, ao buscar obter dados sigilosos do acordo de colaboração de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

As acusações contra Braga Netto, no entanto, não passam automaticamente para Bolsonaro, ainda que ambos fossem próximos, ressalta Mauricio Dieter, professor da Universidade de São Paulo (USP).

O general foi candidato a vice na chapa de Bolsonaro à Presidência pelo PL em 2022 e ministro da Casa Civil e da Defesa do ex-presidente.

"Para que seja decretada uma prisão sem trânsito em julgado, os investigados têm que tomar atitudes concretas que impeçam a aplicação da lei penal. Não temos notícia de que Bolsonaro está tentando embaraçar as investigações, suprimir evidências ou fugir do país",  nota o professor da USP.

Ele ressalta que outras medidas podem ser adotadas para restringir a liberdade de investigados antes da prisão, o que já ocorreu no caso de Bolsonaro, que teve seu passaporte aprendido e foi proibido de se comunicar com outros suspeitos, como o presidente do PL, Valdemar Costa Neto.

"A prisão antes de uma condenação é uma medida extrema. A regra deve ser a liberdade. A pessoa tem o direito de responder em liberdade, principalmente porque uma pessoa que está presa tem menos condições concretas de se defender. Vai ter mais dificuldade de pagar um advogado, por exemplo", acrescenta Dieter.

Considerando o que se sabe das investigações, o advogado João Pedro Pádua, professor de direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), também não vê elementos que justifiquem a prisão preventiva de Bolsonaro no momento.

"Pelo conteúdo da decisão [que determinou a prisão de Braga Netto], nada indica que estejam se aproximando da figura de Bolsonaro", disse.

Para Pádua, eventual prisão preventiva do ex-presidente pode ocorrer se novos elementos apurados na investigação apontarem alguma atuação para tentar fugir ou interferir nas investigações, por exemplo. Ele nota que Polícia Federal ainda está analisando o material apreendido na operação que prendeu Braga Netto e teve também como alvo o coronel Flávio Botelho Peregrino, militar da reserva e ex-assessor do general.

Bolsonaro foi indiciado pela Polícia Federal com mais 36 investigados em novembro, acusado de tramar um golpe de Estado para impedir a posse do presidente Luíz Inácio Lula da Silva e seu vice, Geraldo Alckmin.

Segundo as investigações, o plano autoritário envolveria até a intenção de matar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

Bolsonaro nega as acusações. Ele reconhece que discutiu com o comando das Forças Armadas a possibilidade de instaurar Estado de Sítio no país depois que sua tentativa de questionar a validade das eleições de 2022 foi rejeitada no TSE, mas alegou que isso estaria dentro das regras constitucionais.

Questionamentos à prisão de Braga Netto

Apesar de a prisão de Braga Netto ter sido fundamentada na sua suposta interferência nas investigações, o que é um motivo legal para a preventiva, a decisão está sendo questionada pelo campo bolsonarista.

O próprio ex-presidente criticou na rede social X (o antigo Twitter) o fato de Braga Netto ter sido preso sob acusação de atrapalhar investigações que já estariam concluídas, quando a Polícia Federal indiciou 37 pessoas por tentativa de golpe de Estado em novembro, incluindo Bolsonaro e Braga Netto.

"Como alguém, hoje, pode ser preso por obstruir investigações já concluídas?", questionou Bolsonaro.

A PF, porém, ainda tem investigações em curso. Inclusive, houve o indiciamento de mais três pessoas na quarta-feira (11/12), elevando o total para 40.

Mauricio Dieter, da USP, diz não ver ilegalidade na prisão do general.

"Não vejo ilegalidade flagrante porque, de fato, ele fez mais de um contato tentando se apropriar das declarações do Mauro Cid para, em função delas, produzir uma outra versão, inclusive com alguma esfera de influência sobre o próprio Mauro Cid por meio do pai dele", afirma Mauricio Dieter, da USP.

"Essa tentativa de interferência em evidências já produzidas pela autoridade pública é um dos pressupostos que autoriza a prisão preventiva", reforçou.

João Pedro Pádua, da UFF, diz que, ao contrário do que alega Bolsonaro, é possível um suspeito tentar interferir após a conclusão das investigações, já que o inquérito ainda pode dar origem a uma ação penal, em que serão colhidos novos depoimentos dos investigados pelo Ministério Público.

Ele ressalta, porém, que as acusações de interferência contra Braga Netto referem-se a fatos mais antigos, de que ele teria entrado em contato com o pai do Mauro Cid no segundo semestre do ano passado, quando a delação premiada estava sendo negociada. O fato mais recente citado na decisão de Moraes é um documento encontrado em fevereiro deste ano na sede do PL, sob a mesa de Peregrino, ex-assessor de Braga Netto, com supostas respostas obtidas de Cid sobre a colaboração premiada.

Por causa disso, o professor questiona o timing (momento) da prisão.

"É possível que, entre o inquérito policial e uma ação penal, o acusado, ou alguém a seu mando, ameace testemunhas ou interfira com a potencial produção de provas durante o processo. Porém, nesse caso concreto, a julgar pela fundamentação que o ministro Alexandre de Morais utilizou para decretar a prisão do general Braga Netto, isso não está em questão", afirmou.

Braga Netto nega as acusações de que é alvo no inquérito. A defesa do militar divulgou nota oficial após a prisão dele no sábado, afirmando que "se manifestará nos autos após ter plena ciência dos fatos" e que acredita que terá "oportunidade de comprovar que não houve qualquer obstrução às investigações".

As acusações para a prisão de Braga Netto

No pedido de prisão apresentado pela PF ao STF, os investigadores afirmam que Braga Netto teria atuado, "de forma reiterada e destacada", para impedir a completa identificação dos fatos investigados.

As primeiras provas de tais ações, segundo a Polícia, teriam sido encontradas no celular do pai de Mauro Cid, Mauro César Lorena Cid.

Uma perícia realizada no celular mostra que as mensagens trocadas com Braga Netto foram apagadas em 8 de agosto de 2023, três dias antes da operação "Lucas 12:2", que apurou a tentativa de uma organização criminosa de vender joias que Bolsonaro recebeu em razão do cargo de presidente da República.

A perícia conseguiu, porém, identificar que, no dia 7 de agosto, Braga Netto e o pai de Mauro Cid tiveram duas interações pelo WhatsApp e conversaram por telefone em uma chamada que durou pouco mais de 3 minutos. O teor das mensagens, no entanto, não pode ser identificado.

Já a análise do celular de Mário Fernandes — general preso em novembro sob suspeita de participar dos planos para matar Lula, Alckmin e Moraes — apontou que, em setembro de 2023, ele comentou com outro militar, o coronel reformado Jorge Kormann, que os pais de Cid teriam conversado com Braga Netto sobre a delação do filho.

Segundo a PF, os contatos de Braga Netto para buscar informações sobre o acordo de delação foram confirmados em novos depoimentos de Mauro Cid, no último dia 5 de dezembro, e por seu pai, no dia seguinte.

Para a Polícia Federal, a tentativa de interferência teria dado resultado, já que Cid preservou inicialmente Braga Netto em sua delação, deixando de citar detalhes importantes de sua suposta atuação na operação Punhal Verde e Amarelo, que visava matar Lula, Alckmin e Moraes.

Quando mudou o conteúdo de sua delação, em novembro deste ano, o delator disse, por exemplo, que o ex-ministro da Defesa obteve e entregou recursos para essa operação.

Segundo esse novo depoimento de Mauro Cid à PF, Braga Netto teria repassado dinheiro em "uma sacola de vinho" ao então major Rafael de Oliveira, integrante dos chamados "kids pretos" preso na Operação Contragolpe, em novembro deste ano.

(Fonte: BBC)

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