Segundo
a lei brasileira, a prisão preventiva só pode ser decretada sob algumas
condições, como nas hipóteses de o suspeito continuar cometendo crimes, estar
tentando fugir da Justiça ou atuar para atrapalhar as investigações.
A
prisão de Braga Netto, por exemplo, foi determinada pelo ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes sob a justificativa de que ele teria
tentado interferir nas investigações, ao buscar obter dados sigilosos do acordo
de colaboração de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
As
acusações contra Braga Netto, no entanto, não passam automaticamente para
Bolsonaro, ainda que ambos fossem próximos, ressalta Mauricio Dieter, professor
da Universidade de São Paulo (USP).
O
general foi candidato a vice na chapa de Bolsonaro à Presidência pelo PL em
2022 e ministro da Casa Civil e da Defesa do ex-presidente.
"Para
que seja decretada uma prisão sem trânsito em julgado, os investigados têm que
tomar atitudes concretas que impeçam a aplicação da lei penal. Não temos
notícia de que Bolsonaro está tentando embaraçar as investigações, suprimir
evidências ou fugir do país", nota o professor da USP.
Ele
ressalta que outras medidas podem ser adotadas para restringir a liberdade de
investigados antes da prisão, o que já ocorreu no caso de Bolsonaro, que teve
seu passaporte aprendido e foi proibido de se comunicar com outros suspeitos,
como o presidente do PL, Valdemar Costa Neto.
"A
prisão antes de uma condenação é uma medida extrema. A regra deve ser a
liberdade. A pessoa tem o direito de responder em liberdade, principalmente
porque uma pessoa que está presa tem menos condições concretas de se defender.
Vai ter mais dificuldade de pagar um advogado, por exemplo", acrescenta
Dieter.
Considerando
o que se sabe das investigações, o advogado João Pedro Pádua, professor de
direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), também não vê elementos que
justifiquem a prisão preventiva de Bolsonaro no momento.
"Pelo
conteúdo da decisão [que determinou a prisão de Braga Netto], nada indica que
estejam se aproximando da figura de Bolsonaro", disse.
Para
Pádua, eventual prisão preventiva do ex-presidente pode ocorrer se novos
elementos apurados na investigação apontarem alguma atuação para tentar fugir
ou interferir nas investigações, por exemplo. Ele nota que Polícia Federal
ainda está analisando o material apreendido na operação que prendeu Braga Netto
e teve também como alvo o coronel Flávio Botelho Peregrino, militar da reserva
e ex-assessor do general.
Bolsonaro
foi indiciado pela Polícia Federal com mais 36 investigados em novembro,
acusado de tramar um golpe de Estado para impedir a posse do presidente Luíz
Inácio Lula da Silva e seu vice, Geraldo Alckmin.
Segundo
as investigações, o plano autoritário envolveria até a intenção de matar Lula,
Alckmin e Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
Bolsonaro
nega as acusações. Ele reconhece que discutiu com o comando das Forças Armadas
a possibilidade de instaurar Estado de Sítio no país depois que sua tentativa
de questionar a validade das eleições de 2022 foi rejeitada no TSE, mas alegou
que isso estaria dentro das regras constitucionais.
Questionamentos
à prisão de Braga Netto
Apesar
de a prisão de Braga Netto ter sido fundamentada na sua suposta interferência
nas investigações, o que é um motivo legal para a preventiva, a decisão está
sendo questionada pelo campo bolsonarista.
O
próprio ex-presidente criticou na rede social X (o antigo Twitter) o fato de
Braga Netto ter sido preso sob acusação de atrapalhar investigações que já
estariam concluídas, quando a Polícia Federal indiciou 37 pessoas por tentativa
de golpe de Estado em novembro, incluindo Bolsonaro e Braga Netto.
"Como
alguém, hoje, pode ser preso por obstruir investigações já concluídas?",
questionou Bolsonaro.
A
PF, porém, ainda tem investigações em curso. Inclusive, houve o indiciamento de
mais três pessoas na quarta-feira (11/12), elevando o total para 40.
Mauricio
Dieter, da USP, diz não ver ilegalidade na prisão do general.
"Não
vejo ilegalidade flagrante porque, de fato, ele fez mais de um contato tentando
se apropriar das declarações do Mauro Cid para, em função delas, produzir uma
outra versão, inclusive com alguma esfera de influência sobre o próprio Mauro
Cid por meio do pai dele", afirma Mauricio Dieter, da USP.
"Essa
tentativa de interferência em evidências já produzidas pela autoridade pública
é um dos pressupostos que autoriza a prisão preventiva", reforçou.
João
Pedro Pádua, da UFF, diz que, ao contrário do que alega Bolsonaro, é possível
um suspeito tentar interferir após a conclusão das investigações, já que o
inquérito ainda pode dar origem a uma ação penal, em que serão colhidos novos
depoimentos dos investigados pelo Ministério Público.
Ele
ressalta, porém, que as acusações de interferência contra Braga Netto
referem-se a fatos mais antigos, de que ele teria entrado em contato com o pai
do Mauro Cid no segundo semestre do ano passado, quando a delação premiada
estava sendo negociada. O fato mais recente citado na decisão de Moraes é um
documento encontrado em fevereiro deste ano na sede do PL, sob a mesa de
Peregrino, ex-assessor de Braga Netto, com supostas respostas obtidas de Cid
sobre a colaboração premiada.
Por
causa disso, o professor questiona o timing (momento) da
prisão.
"É
possível que, entre o inquérito policial e uma ação penal, o acusado, ou alguém
a seu mando, ameace testemunhas ou interfira com a potencial produção de provas
durante o processo. Porém, nesse caso concreto, a julgar pela fundamentação que
o ministro Alexandre de Morais utilizou para decretar a prisão do general Braga
Netto, isso não está em questão", afirmou.
Braga
Netto nega as acusações de que é alvo no inquérito. A defesa do militar
divulgou nota oficial após a prisão dele no sábado, afirmando que "se
manifestará nos autos após ter plena ciência dos fatos" e que acredita que
terá "oportunidade de comprovar que não houve qualquer obstrução às
investigações".
As
acusações para a prisão de Braga Netto
No
pedido de prisão apresentado pela PF ao STF, os investigadores afirmam que
Braga Netto teria atuado, "de forma reiterada e destacada", para
impedir a completa identificação dos fatos investigados.
As
primeiras provas de tais ações, segundo a Polícia, teriam sido encontradas no
celular do pai de Mauro Cid, Mauro César Lorena Cid.
Uma
perícia realizada no celular mostra que as mensagens trocadas com Braga Netto
foram apagadas em 8 de agosto de 2023, três dias antes da operação "Lucas
12:2", que apurou a tentativa de uma organização criminosa de vender joias
que Bolsonaro recebeu em razão do cargo de presidente da República.
A
perícia conseguiu, porém, identificar que, no dia 7 de agosto, Braga Netto e o
pai de Mauro Cid tiveram duas interações pelo WhatsApp e conversaram por
telefone em uma chamada que durou pouco mais de 3 minutos. O teor das
mensagens, no entanto, não pode ser identificado.
Já a
análise do celular de Mário Fernandes — general preso em novembro sob suspeita
de participar dos planos para matar Lula, Alckmin e Moraes — apontou que, em
setembro de 2023, ele comentou com outro militar, o coronel reformado Jorge
Kormann, que os pais de Cid teriam conversado com Braga Netto sobre a delação
do filho.
Segundo
a PF, os contatos de Braga Netto para buscar informações sobre o acordo de
delação foram confirmados em novos depoimentos de Mauro Cid, no último dia 5 de
dezembro, e por seu pai, no dia seguinte.
Para
a Polícia Federal, a tentativa de interferência teria dado resultado, já que
Cid preservou inicialmente Braga Netto em sua delação, deixando de citar
detalhes importantes de sua suposta atuação na operação Punhal Verde e Amarelo,
que visava matar Lula, Alckmin e Moraes.
Quando
mudou o conteúdo de sua delação, em novembro deste ano, o delator disse, por
exemplo, que o ex-ministro da Defesa obteve e entregou recursos para essa
operação.
Segundo
esse novo depoimento de Mauro Cid à PF, Braga Netto teria repassado dinheiro em
"uma sacola de vinho" ao então major Rafael de Oliveira, integrante
dos chamados "kids pretos" preso na Operação Contragolpe, em novembro
deste ano.
(Fonte:
BBC)
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