A afirmação foi feita ao Brasil de Fato RS pela
poetisa e escritora gaúcha premiada, Eliane Marques sobre o episódio
ocorrido durante o evento de condecorações do Prêmio Literário 2024 da Academia
Rio-Grandense de Letras (ARL), nesta quinta-feira (12). Na ocasião o presidente
da entidade, Airton Ortiz, fez uma fala que causou indignação de alguns presentes
ao ter dito que que a força da academia se deveria qual o Rio Grande do Sul
seria tão pródigo em seu cenário literário, ele disse que seria “provavelmente
por causa da imigração e da colaboração italiana e alemã”. E de que no resto do
país não teria sido do mesmo jeito por conta da "imigração
escrava".
A fala gerou indignação e declarações de
solidariedade tanto no momento da premiação como posterior. A escritora Eliane
Marques, premiada pelo romance Louças de família, subiu ao palco
para contestar a fala de Ortiz.
“A fala não foi dirigida, especialmente a Eliane
Marques. Ela foi dirigida a uma sociedade, que se quer uma sociedade
democrática, que se quer uma sociedade igualitária. Ela atingiu especialmente a
pessoas negras. Mas também atingiu as pessoas brancas que querem que esse
racismo fique às margens da história”, afirmou a escritora
Ortiz teria pedido desculpas logo depois do protesto
de Eliane. “Não soube expressar, me expressei mal. Eu quis falar que a
imigração italiana e alemã que veio para o Rio Grande do Sul, eles tiveram
muito mais condições de desenvolver seu trabalho, de desenvolver sua
tecnologia, do que a imigração escrava. Quis dizer exatamente o contrário do
que acabei dizendo, por não ter sabido colocar em palavras”, afirmou.
Veja relato de Eliane Marques ao Brasil de
Fato RS:
“Eu e outras escritoras e escritores, fomos
agraciados/agraciadas com o prêmio. Então o senhor presidente, segundo o
protocolo da instituição, foi fazer a sua fala de encerramento e destacou nessa
fala o que ele chama de pioneirismo da Academia Rio Grandense de Letras. Em vez
de destacar o feito dos pioneiros, ele atribuiu esse fato à imigração italiana
e a imigração alemã. E mencionou que isso não teria ocorrido no restante do
país de predominância escrava.
Quer dizer, um feito ou um defeito está atribuído a
raça, a essa raça que chamamos agora social. Esse pensamento é característico
do Rio Grande do Sul, mas também do Brasil, de que aquilo que é bom, de que
aquilo que é pioneiro é apenas europeu, é algo absolutamente ultrapassado do
ponto de vista teórico, do ponto de vista da sociedade que se quer. Mas é algo
muito presente no pensamento, quer consciente, quer inconsciente daquilo que se
considera a elite.
E na medida em que ele falava, em que ele trouxe
isso, eu interrompi, tentando ser o mais educada possível. Porque uma mulher
negra é sempre considerada a barraqueira, não é isso? A aquela que não teve
educação?. Eu interrompi dizendo que não era aquilo, que ele estava equivocado,
que estava sendo racista. Ele ouviu e continuou. Nenhum acadêmico,
nenhuma acadêmica, nenhuma outra pessoa branca interrompeu pra dizer,
olha, senhor presidente, temos que ponderar isso. Ninguém. Então houve um
silêncio absoluto da branquitude acolhendo aquela fala.
Ao fim, o senhor presidente terminou e eu pedi a
palavra e eu estava em dúvida, eu falo ou não falo? Mas algo em mim diz não,
vai lá e fala. Até porque havia outras escritoras no entorno, escritoras
brancas, que disseram, nós vamos contigo. Eu fui. Não foi algo pensado. Eu
estava tomada por uma emoção. A fala não foi dirigida, especialmente a Eliane
Marques. Ela Foi dirigida a uma sociedade, que se quer uma sociedade
democrática, que se quer uma sociedade igualitária. Ela atingiu especialmente a
pessoas negras. Mas também atingiu as pessoas brancas que querem que esse
racismo fique as margens da história.
O episódio de fato é trágico porque não houve reação
da branquitude. Ela esperou de novo que uma mulher negra fizesse o seu
trabalho: o trabalho da branquitude, de confrontar os seus pares, de dizer não
é mais assim.
Hoje de manhã, quando eu acordei, eu já me senti
culpada por ter falado. Porque isso é um efeito do racismo, fazer com que as
pessoas negras se sintam culpadas, fazer com que as pessoas negras tenham
dúvidas sobre aquilo que elas disseram. Mas felizmente eu tenho recebido apoio,
eu não, nós temos que falar assim: A coletividade que luta contra o
racismo e quer uma sociedade melhor, tem recebido apoio de várias pessoas. No
sentido não era isso que tinha que ser feito, porque as pessoas grandes precisam
se levantar. Quanto o racismo, não basta afirmar no post da internet somos
antirracistas. Temos que ser antirracistas qusim, quando surge uma situação
dessas, e não permanecer sentados, sentados, imantadas nas suas cadeiras de
privilégio. Não é mais possível que isso ocorra. As pessoas brancas precisam se
levantar também.”
Manifestações
“Eliane Marques escreveu um livro belíssimo que
merece todos os prêmios que já ganhou e mais. Mas ontem ela precisou
interromper um momento que deveria ser de comemoração para fazer uma fala de
repúdio à declaração racista do presidente da Associação Rio-Grandense de
Literatura”, escreveu a escritora Júlia Dantas. “Embora eu esteja
chocada (chocada, mas não surpresa) com o racismo escancarado, eu quero aqui
dizer que estou ainda mais impressionada e admirada com o grau de autocontrole,
sabedoria e lucidez que a Eliane teve ao subir no palco para rebater o
racismo”, acrescentou.
O escritor gaúcho Ronald Augusto também comentou
sobre a fala de cunha racista."Brancos, vocês não sabem o que é isso.
Vocês não imaginam o esforço que uma pessoa negra tem de fazer pra unir revolta
e razoabilidade numa resposta ao racista de plantão que, por sua vez, conta com
o silêncio cúmplice de uma audiência branca beneficiária do racismo”, destacou.
O escritor Jeferson Tenório, autor de O
Avesso da Pele, disse que "o racismo no Rio Grande do Sul não
decepciona nunca. Coube a escritora Eliane Marques, *vencedora da
categoria de narrativa longa* reunir forças, convocar os escritores a subirem
no palco, manter a calma e a paciência para reagir diante de um discurso tão
racista e estúpido".
Retratação
Na tarde da última sexta-feira (13), a Academia
lançou uma nota de retratação sobre o episódio:
“Ontem, durante a entrega do Prêmio Academia
Rio-Grandense de Letras, ao fazer um histórico do surgimento precoce das
instituições culturais no Rio Grande do Sul, falei que isso em muito se devia
aos imigrantes alemães e italianos, pois eles tinham liberdade para se reunirem
em associações, publicarem seus jornais e praticarem suas culturas. Enquanto
isso, nas regiões colonizadas por escravos, infelizmente eles não tiveram
liberdade para esse tipo de atividade. Por culpa, obviamente, de quem os
escravizava.
Dito de improviso e sem completar o raciocínio acima
exposto, minha fala teve cunho racista. Assumo a responsabilidade pelo meu
erro, pois acabei dando uma conotação distorcida do que eu queria dizer.
Reconheci tão logo me foi chamada a atenção e imediatamente pedi desculpas
diante do mesmo público que ouviu o que eu havia falado. É óbvio que eu
condeno toda e qualquer manifestação racista, tenho um histórico de vida que
comprova isso, e por isso essa retratação pessoal, que em nada envolve a Academia
Rio-Grandense de Letras’.
*Com informações do site Matinal.
(Fonte: Brasil de Fato)
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