A
nova data de votação do relatório final pela comissão temporária que analisa a
proposta foi definida na última quinta-feira (28), quando o relator do projeto,
o senador Eduardo Gomes (PL-TO), apresentou nova versão do texto.
Se aprovado pelo colegiado, o PL pode ser levado a plenário nesta semana. De
acordo com Gomes, o novo texto traz equilíbrio entre a preservação de direitos
fundamentais e a garantia de condições para o desenvolvimento tecnológico.
Inicialmente prevista para julho deste
ano, a votação foi adiada por decisão do presidente da
Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial (CTIA), o senador
Carlos Viana (Podemos-MG). De autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), o projeto estabelece normas nacionais para o desenvolvimento e uso de
sistemas de IA. O texto ainda seguirá para votação na Câmara dos Deputados caso
seja aprovado pelos senadores.
Modelo
racista de reconhecimento facial
A
proposta tem estimulado debates que vão além do aspecto técnico, envolvendo
questões sociais e políticas. Diretor do Instituto de Pesquisa em Direito e
Tecnologia do Recife e integrante da Coalizão Direitos na Rede, André Fernandes
ressalta avanços no texto, mas aponta lacunas em áreas críticas.
Exemplo
de questões críticas seria o risco do reconhecimento facial por meio de
sistemas de identificação biométrica à distância. Para Fernandes, o uso dessa
tecnologia na segurança pública é especialmente perigoso para as populações
negras e periféricas, visto que o modelo teria por base dados historicamente
enviesados sob uma perspectiva racista.
“Esse
modelo é treinado com base em dados com pouca representação, e a própria
tentativa de criar um banco de dados mais diverso – que poderia atenuar esses
vieses raciais – é muito custosa e muito demorada. Para se ter uma ideia, dados
de sistemas de reconhecimento facial atuais foram coletados na década de 1970
ou antes ainda”, ressalta. Para Fernandes, a aplicação de ferramentas como o
reconhecimento facial deve se restringir a casos autorizados judicialmente e
com fundamentação legal.
Também
gera preocupação o uso de inteligência artificial em investigações criminais e
na segurança pública. Fernandes critica a lógica punitivista que norteia essas
aplicações e aponta os riscos de sistemas que ranqueiam pessoas com base em
pontuações de risco.
“Usar
inteligência artificial para avaliar risco de crime é um desastre. O conjunto
de códigos que estrutura esse sistema de IA não necessariamente entrega os
elementos técnicos necessários para a gente ter certeza [sobre o que está sendo
investigado]”.
Fernandes
cita como exemplo as falhas cometidas pelo Compas,
uma ferramenta digital que foi usada no estado americano de Wisconsin para
quantificar o suposto grau de periculosidade de alguém a partir das respostas
dadas por essa pessoa. Em 2013, por exemplo, um juiz daquele estado usou a
pontuação de risco gerada pelo Compas para impor prisão de seis anos
a Eric Loomis, um homem negro, por ele ter fugido de uma abordagem
policial.
Governança
da inteligência artificial
Outro
ponto destacado por Fernandes é a governança da IA e a concentração econômica
no setor. Embora o projeto de lei traga diretrizes iniciais para segurança da
informação, ele flexibiliza aspectos importantes, transformando em “boas
práticas” o que deveriam ser normas obrigatórias.
“Os
mecanismos de controle [presentes no projeto de lei] são parcialmente
suficientes. Eles foram flexibilizados, muita coisa saiu do campo do ‘alto
risco’, e muita coisa saiu do campo da ‘regra’ para as ‘boas práticas’. Ter
boas práticas é importante, mas a gente tem muitos casos de danos que
necessitam de uma governança mais robusta”, defende.
Quanto
ao campo jornalístico, o pesquisador destaca que projeto de lei traz diretrizes
iniciais, mas considera que o texto não chega a atacar o problema na raiz. “Ele
[projeto de lei] traz as orientações de segurança da informação para a garantia
da liberdade de expressão, o que nos dá um campo de trabalho para pensar
políticas públicas”, avalia.
(Brasil
de Fato)
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