Esse contexto é apontado como um dos fatores que
acelerou a
escalada do dólar no Brasil — a moeda americana
bateu patamares recordes nas últimas semanas, chegando a superar R$
6,30.
O governo, porém, argumenta que as mudanças
propostas no IR terão impacto neutro na arrecadação, ou seja, não vão nem
aumentar nem reduzir o valor total recolhido hoje pela Receita Federal.
Segundo Haddad, o compromisso firmado com o
Congresso é de que a isenção até R$ 5 mil só será aprovada em conjunto com o
aumento da tributação para os que ganham mais de R$ 50 mil por mês.
Críticos da proposta temem que isso não seja
cumprido e que o Parlamento autorize a perda de receitas sem aprovar juntos o
imposto mais alto sobre os mais ricos, o que agravaria a crise fiscal.
Já as estimativas do Sindifisco apontam que, se as
medidas foram de fato implementadas conjuntamente, pode até haver ganho de
arrecadação (entenda os números ao longo da reportagem).
Para o presidente do sindicato, auditor-fiscal Isac
Falcão, a proposta do governo vai na direção certa ao reduzir as distorções no
IR brasileiro. Hoje, pessoas de menor renda pagam proporcionalmente mais
imposto que os mais ricos, pois uma parcela relevante dos ganhos da elite é
isenta, como os lucros e dividendos distribuídos por empresas para seus
acionistas.
Essa diferença fica clara ao se analisar a alíquota
efetiva média — proporção da renda total efetivamente paga em IR — de
diferentes categorias e grupos de renda.
Dados da Receita Federal analisados pelo Sindifisco
mostram que professores universitários, por exemplo, pagam, em média, uma
alíquota efetiva de 12,8%. Já contribuintes com renda anual acima de R$ 2,7
milhões pagam, em média, menos de 6% de IR.
Para Falcão, a implementação conjunta do aumento da
isenção com a taxação maior sobre os ricos vai reduzir essas distorções, além
de impactar positivamente o crescimento da economia.
"A reação negativa à proposta do governo se
explica mais pela resistência dos mais ricos em pagar mais imposto",
acredita.
"Os efeitos econômicos tendem a ser altamente
positivos, porque os recursos liberados com a isenção até R$ 5 mil
provavelmente retornarão para a economia, com a compra de produtos e serviços
[pelos contribuintes beneficiados]. Já a tributação sobre altas rendas não gera
retração econômica, porque essas pessoas já têm suas necessidades de consumo
satisfeitas", argumenta ainda.
Entenda melhor a proposta e as estimativas de
impacto
Os detalhes das mudanças do IR pretendidas pelo
governo só serão conhecidos em 2025, com o envio das propostas ao Congresso, a
partir fevereiro, quando acaba o recesso parlamentar.
No entanto, com base no que foi anunciado até o
momento, espera-se que o governo proponha um mecanismo tributário — a chamada
dedução simplificada — para isentar rendas de até R$ 5 mil e uma redução do IR
para quem ganha acima desse patamar até o limite de R$ 7 mil.
Atualmente pelo mecanismo de dedução simplificada,
quem ganha até dois salários mínimos (R$ 2.824), não paga imposto de renda.
As pessoas que ganham mais do que isso tem um
patamar menor de isenção, hoje em R$ 2.259. Ou seja, quem ganha, por exemplo,
R$ 15 mil, paga IR sobre R$ 12.741.
A princípio, esse patamar geral de isenção não vai
mudar com a proposta do governo que vai acabar com o IR de quem ganha até R$ 5
mil.
E quem ganha de R$ 5 mil a R$ 7 mil terá uma redução
ainda não especificada pelo governo.
O mecanismo de dedução simplificada permite ao
governo beneficiar os grupos de menor renda, sem adotar uma isenção ampla, o
que reduziria demais a arrecadação.
Caso seja aprovada uma proposta nesses termos,
aliada a uma redução do IR de quem ganha acima de R$ 5 mil até R$ 7 mil, o
Sindifisco estima que a mudança beneficiará 16,1 milhões de contribuintes,
somando cerca de R$ 35,5 bilhões em renúncia fiscal para o governo.
Por outro lado, Haddad anunciou que as perdas serão
compensadas com a criação de uma taxa mínima de até 10% sobre a renda de quem
ganha mais de R$ 50 mil por mês.
Hoje, é comum que milionários brasileiros paguem
menos de 10% de IR sobre sua renda total porque uma parcela importante dos seus
ganhos não é tributada, como no caso de lucros e dividendos.
O Sindifisco simulou quanto pode ser arrecadado caso
seja implementada uma alíquota mínima progressiva, que partiria de 0% para
ganhos anuais de R$ 600 mil (média de R$ 50 mil por mês) e subiria
gradativamente até 10% para ganhos que superem R$ 1,2 milhão ao ano (cerca de
R$ 100 mil por mês).
A expectativa é que isso elevaria a arrecadação em
R$ 41,06 bilhões, superando as perdas projetadas de R$ 35,5 bilhões com o
aumento da isenção até R$ 5 mil e a menor tributação até R$ 7 mil.
Para o Sindifisco, essa margem extra de arrecadação
é importante para manter o impacto neutro das medidas porque os grupos mais
ricos costumam ter estratégias de planejamento tributário que, na prática,
reduzem o valor recolhido em IR. Essas estratégias usam brechas das regras
tributárias para pagar menos impostos.
Parcela pequena dos contribuintes pagaria mais, diz
Sindifisco
De acordo com os dados da Receita Federal analisados
pelos Sindifisco, cerca de 400 mil pessoas ganham mais de R$ 600 mil ao ano no
país, o que representa cerca de 1% do total de contribuintes. No entanto,
segundo a simulação do sindicato, apenas cerca de 160 mil de fato seriam
afetados e pagariam mais impostos com a medida.
Isso porque parte dos que ganham acima de R$ 600 mil
ao ano já paga alíquota efetiva acima dos patamares mínimos propostas na
simulação e, por isso, não teriam acréscimo de tributação.
Por exemplo, a simulação do Sindifisco projeta que a
alíquota mínima para contribuintes que ganham cerca de R$ 1 milhão ao ano
ficaria em 7,5%. Esse grupo, no entanto, paga em média uma alíquota efetiva de
8,11%, o que significa que boa parte não teria que pagar nada a mais, caso a
proposta passe no Congresso.
Na visão do Sindifisco, poderiam ser adotadas
alíquotas mínimas ainda maiores do que as que o governo está propondo. A
instituição fez uma segunda simulação, em que a alíquota mínima chegaria a até
12,8%, a mesma paga em média por professores universitários, em vez dos 10%
propostos pelo governo.
Nesse cenário, haveria uma arrecadação extra de R$
35,5 bilhões em comparação à primeira simulação.
"Para se ter uma ideia, o valor corresponde ao
gasto com segurança pública realizado em 2023 por todos os Estados do Nordeste
e Centro-Oeste juntos, segundo informações do Anuário Brasileiro de Segurança
Pública", afirma o Sindifisco, no estudo.
Reforma mais ampla do IR foi adiada
A expectativa era de que o governo enviaria ao
Congresso, em algum momento, uma ampla reforma do IR, para simplificar e
corrigir distorções tanto da tributação de renda das pessoas físicas como de
empresa.
A proposta do governo de criar uma alíquota efetiva
mínima sobre os mais ricos foi uma forma mais simples de enfrentar essas
distorções.
Na prática, isso vai permitir a taxar ao menos parte
dos lucros e dividendos, que hoje são isentos, sem realizar uma reforma mais
ampla.
Isso porque alguns economistas defendem que a
taxação direta da renda distribuída aos acionistas só deveria ser implementada
junto com a revisão da tributação dos lucros das empresas.
Em entrevista à BBC News Brasil no início de
dezembro, o
economista Samuel Pessôa, pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de
Economia da Fundação Getulio Vargas), criticou a opção do governo pela solução
mais simples, de criar um imposto mínimo.
"Eu acho que o esforço de mudar a legislação
brasileira, tributando mais os ricos, é positivo. Há sinais de que as altas
rendas no Brasil pagam pouco imposto. Mas essa medida é um esparadrapo, vai
pegar um monte de coisa diferente", disse Pessôa.
"A questão é que há vários regimes tributários.
Tem gente que pagou na Pessoa Jurídica 34% e outros que pagaram na Pessoa
Jurídica 5%. Se na Pessoa Física ambos pagarem menos do que 10% da renda
declarada, eles serão cobrados pela diferença até atingir 10% de alíquota média
efetiva [segundo a nova proposta do governo], sem considerar que pagaram
valores diferentes na jurídica", disse ainda.
O Sindifisco, por sua vez, tem visão diferente.
"A gente precisa sim enfrentar [as distorções]
do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas. Esse é um problema importante que o
Brasil tem que resolver. Mas isso não é condição para se tributar as pessoas
físicas mais ricas", afirma Falcão.
"Quando a gente vai amarrando muitos problemas
difíceis de resolver todos juntos, e decide que só pode resolver se for
resolver todos eles conjuntamente, o que acontece, na prática, é que você não
resolve problema nenhum", ressalta.
(Fonte: BBC)
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