Em
2021, basicamente cumpri meu objetivo de fazer uma sessão diária de 20 minutos
de treinamento de
alta intensidade, mas fracassei completamente com meu objetivo de sair das
redes sociais.
Segundo
meus relatórios semanais de tempo gasto na frente das
telas, ainda passo duas a três horas por dia com meu telefone celular,
lendo más notícias em grande parte do tempo.
Estou
longe de estar sozinho na minha determinação de iniciar cada novo ano com um
plano de autoaprimoramento.
Pelo
menos um quarto das pessoas faz pelo menos uma resolução de Ano Novo e grande
parte dessas boas intenções termina em decepção.
Para
quem não segue essa tradição, o próprio ato de criar uma resolução de Ano Novo
pode parecer ilógico.
Racionalmente
falando, o dia 1° de janeiro não deveria ser melhor que nenhum outro dia do ano
para fazer uma mudança de vida.
Qual
seria então o motivo dessa pressão desnecessária para aprimorar a nossa vida
sempre que abrimos um novo calendário?
Pesquisas
psicológicas recentes indicam que existem muitas razões para aproveitar o
primeiro dia do Ano Novo para começar um novo regime, por exemplo. E, ao
compreender e fazer uso desses mecanismos, é possível aumentar as
possibilidades de cumprir com nossos objetivos para 2025.
O
efeito do novo começo
É
difícil definir exatamente quando começou a nossa tradição de fazer resoluções
de Ano Novo.
Anna
Katharina Schaffner, historiadora cultural e autora do livro The Art of
Self-Improvement ("A Arte da Automelhoria", em tradução
livre), indica referências literárias sobre a automelhoria que remontam a
séculos atrás - até à China antiga e aos estoicos romanos, por exemplo.
A
prática de estabelecer objetivos em uma data específica do calendário já era
comum nos anos 1860, como se pode ver em uma das cartas de Mark Twain.
"Ontem,
todos fumaram seu último charuto, tomaram sua última bebida e fizeram seu
último juramento", escreveu Twain em 1° de janeiro de 1863.
"Hoje,
somos uma comunidade piedosa e exemplar. Daqui a 30 dias, teremos abandonado
nossa reforma aos ventos e saído para retomar nossas antigas imperfeições muito
mais cedo que das outras vezes. Também relembraremos alegremente como fizemos o
mesmo na mesma época, no ano passado", acrescentou.
Na
opinião de Schaffner, não é coincidência que muitos de nós sejamos tão
propensos a fazer mudanças positivas após um prazeroso final de ano.
"Nós
nos permitimos muitas coisas e agora é o momento da purificação", afirma
ela, acrescentando que é significativo que muitas resoluções concentrem-se na
abstinência — abandonar maus hábitos para limpar o nosso corpo e a nossa alma.
O
"princípio da purificação" não consegue explicar totalmente a nossa
inclinação para resoluções de Ano Novo.
Afinal,
muitos de nós podemos fazer promessas após ter festividades relativamente
sóbrias. E muitos dos nossos objetivos são relacionados ao trabalho ou buscas
pessoais que nada têm a ver com expiações físicas ou espirituais.
Existe
então alguma coisa especial sobre essa data que motive qualquer tipo de mudança
pessoal? Podemos encontrar algumas indicações na forma em que o cérebro
organiza suas memórias.
Os
psicólogos descobriram que, em vez de observar nossa vida como algo contínuo,
nós tendemos a elaborar uma narrativa dividida em "capítulos"
separados que marcam as diferentes etapas da vida.
Esses
capítulos podem caracterizar eventos importantes da vida, como entrar na
universidade, casar-se ou o nascimento do seu primeiro filho.
Mas
a nossa mente sempre pode dividir esses capítulos importantes em seções
menores, de forma que a entrada de um novo ano pode representar uma interrupção
da narrativa.
"As
pessoas tendem a pensar na própria vida como se fossem personagens de um
livro", segundo Katy Milkman, professora de psicologia da Escola Wharton
da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, e autora do livro How
to Change ("Como Mudar", em tradução livre).
"Sempre
que você tem um momento que parece ser um marco divisório de tempo, a sua mente
cria a sensação de que você começou de novo", afirma Milkman. "Você
está virando a página e surge uma folha em branco, é um novo começo."
Isso
ajuda a criar distância psicológica dos fracassos do passado, segundo ela,
fazendo com que você sinta que eventuais erros são o "antigo você" e
agora você fará melhor.
Em
1° de janeiro, posso achar que todo o tempo que perdi no Twitter era o
"David de 2024", mas o "David de 2025" terá o foco e a
dedicação de Zadie Smith — autora, entre outros, do livro O Caçador de
Autógrafos —, que se afasta, de alguma forma, das redes sociais (e, na
verdade, de qualquer distração online) para escrever seus best-sellers.
Milkman
trabalhou com Jason Riis, da Universidade Harvard, e sua aluna de doutorado
Hengchen Dai, hoje professora da Faculdade de Administração da Universidade da
Califórnia em Los Angeles (UCLA) — ambas nos Estados Unidos — para investigar o
"efeito do novo começo" em diversos ambientes.
Em
um estudo, eles analisaram dados do stickK, um aplicativo e website popular de
definição de objetivos, destinado a ajudar as pessoas em seu
autodesenvolvimento.
Dai
e Milkman concluíram que as pessoas não são propensas a definir novos objetivos
apenas no Ano Novo - como seria esperado - mas também depois de qualquer
período de férias.
Elas
encontraram até uma leve aceleração às segundas-feiras, com as pessoas tentando
reiniciar com a nova semana, e no primeiro dia de cada mês.
Para
obter mais evidências, Milkman, Riis e Dai testaram se poderiam provocar
artificialmente o efeito de novo começo.
Para
isso, os pesquisadores primeiramente convidaram os participantes a inscrever-se
para receber um lembrete dos seus objetivos por e-mail - com diferenças sutis
na forma de mencionar a data.
Considere,
por exemplo, um lembrete enviado em 20 de março. Para alguns alunos, a data era
marcada simplesmente como "a terceira quinta-feira de março" - o que
dificilmente seria um marco temporal significativo. Para outros, a referência
dizia "o primeiro dia da primavera" — que supostamente provocaria uma
sensação de novo começo.
A
estratégia funcionou conforme o esperado. Os alunos que haviam sido
incentivados a pensar em um "novo começo", com base em uma marca
temporal, foram mais propensos a iniciar um novo hábito de ginástica, melhorar
a higiene do sono ou passar menos tempo nas redes sociais, em comparação com
aqueles que não haviam sido levados a considerar a data como uma divisão clara
e significativa da linha do tempo.
Naturalmente,
o Ano Novo é um ponto de partida muito atraente, em comparação com outros
eventos. "É uma grande quebra de capítulo para a maioria das
pessoas", afirma Milkman.
Do
fracasso ao sucesso
Os
céticos podem ainda imaginar se essa prática vale a pena. Certamente, a maioria
das pessoas está apenas a caminho do fracasso — ou não? Os dados disponíveis
ainda demonstram que a taxa de sucesso geral é mais alta do que muitos podem
pensar.
Segundo
uma pesquisa da empresa britânica YouGov, 35% das pessoas que fizeram
resoluções de Ano Novo conseguiram atingir todos os seus objetivos, enquanto
50% das pessoas conseguiram manter algumas das suas resoluções.
Ou
seja, existem muitas pessoas que estão fazendo pelo menos algumas mudanças
positivas nas suas vidas — mesmo tendo também falhado em parte dos seus
objetivos.
A
forma como você expressa suas resoluções pode fazer uma grande diferença. Per
Carlbring, da Universidade de Estocolmo, na Suécia, rastreou o progresso de
1.066 pessoas que fizeram resoluções de Ano Novo no final de 2017.
Ele
dividiu as intenções em duas categorias. Alguns eram "objetivos de
evasão" - que, como o nome sugere, envolviam abandonar algo como doces,
álcool ou redes sociais. Os demais eram "objetivos de aproximação" —
que envolviam adotar um novo hábito, como nadar duas vezes por semana ou tocar
violão à noite.
Em
média, os participantes estavam 25% mais propensos a atingir seus objetivos de
aproximação que os de evasão. Por isso, "em vez de parar de fazer coisas,
você deve começar a fazer algo", conclui ele.
Pude
observar claramente esse efeito nas minhas resoluções para 2021. Cumpri em
grande parte minha resolução de manter uma sessão diária de treinamento de alta
intensidade (objetivo de aproximação), mas falhei completamente na minha
tentativa de sair das redes sociais (objetivo de evasão).
Felizmente,
Carlbring afirma que muitas vezes podemos transformar um objetivo de evasão em
um objetivo de aproximação, para maximizar nossas chances de sucesso.
Suponha
que você queira perder peso, por exemplo. "Em vez de dizer que quer parar
de comer doces todos os dias, diga que você quer começar a comer cenouras todas
as tardes", aconselha ele. "Isso aumentará o nível de açúcar no
sangue e você não terá vontade de comer outra coisa."
Da
mesma forma, se eu quero reduzir meu uso de redes sociais, poderei estabelecer
o objetivo de ler 10 páginas de um e-book sempre que tiver algum tempo livre ou
como distração no meu telefone - é uma atividade produtiva que, espero, irá me
afastar da minha leitura habitual de más notícias.
É
claro que você ainda precisará de perseverança. Mas Milkman e Carlbring
argumentam que devemos perdoar os fracassos inesperados. "Se você
enfrentar um revés, poderá pensar que nunca será capaz de atingir seu
objetivo", segundo Carlbring. "Mas você pode tentar ver isso como uma
lição a ser aprendida."
Ao
enfrentar um forte bloqueio, você sempre pode tentar buscar outro marco
temporal para fazer um novo começo. Se você começar a fracassar em fevereiro,
por exemplo, poderá fazer um compromisso de começar novamente no início de
março - um pequeno ato de reajuste que renovará em você o incentivo do novo
começo.
Qualquer
jornada que valha a pena ser percorrida incluirá alguns solavancos ao longo do
caminho. Mas, compreendendo a psicologia das mudanças pessoais, você pode
aumentar em muito as chances de atingir seus objetivos.
(Fonte:
BBC)
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