Mas, com o dólar nas alturas e a perspectiva de continuidade da alta do preço dos alimentos este ano, não deve haver aumento do poder de compra do brasileiro em relação ao preço da cesta básica, aponta estudo da consultoria LCA 4intelligence.
E o cenário não
muda em 2026, quando o poder de compra dos brasileiros seguirá estagnado e
abaixo do nível pré-pandemia.
Isso ajuda a
explicar o mau
humor dos brasileiros com a economia, mesmo num cenário de desemprego na
mínima histórica e renda em alta, dizem analistas.
Na terça-feira
passada (31/12), uma pesquisa Datafolha mostrou que 61% dos brasileiros
acreditam que a economia do país está no caminho errado, ante 32% que
consideram a trajetória econômica positiva e 6% que não souberam responder.
O quadro também
impõe um desafio ao projeto de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) em 2026, num cenário inflacionário que tem penalizado outros
mandatários nas urnas — em países como Estados Unidos, Reino Unido, Coreia do Sul, Portugal e Uruguai,
partidos de oposição de diferentes ideologias chegaram ao poder ou conquistaram
maioria no Congresso no ano passado.
Procurado para
comentar a tendência de estagnação do poder de compra mostrada pelo estudo, o
Ministério da Fazenda não respondeu até a publicação desta reportagem.
'Não voltaremos ao
poder de compra pré-pandemia'
Para realizar o
estudo, o economista Bruno Imaizumi, da LCA 4intelligence, usou a série
histórica do valor da cesta básica na cidade de São Paulo produzida pelo
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e
o salário mínimo vigente.
Ele então projetou
as duas séries à frente, a partir da estimativa da LCA para inflação de
alimentos em domicílio em 2025 e 2026 e para o reajuste do salário
mínimo segundo a nova regra.
Desde 2023, o
salário mínimo é corrigido pela soma da inflação medida pelo Índice Nacional de
Preços ao Consumidor (INPC) em 12 meses até novembro e do crescimento do
Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos anteriores.
A diferença é que
agora há um teto de reajuste de 2,5% acima da inflação, a fim de adequar o
crescimento do salário mínimo aos limites de gastos públicos definidos
pelo novo
arcabouço fiscal.
Desde 1998, início
a série histórica da cesta básica do Dieese em São Paulo, até 2010, houve um
ganho no poder de compra do brasileiro, mostram os dados.
Passando de um
pouco mais de uma cesta básica por salário mínimo para 2,2 cestas básicas em
janeiro de 2010.
No período entre
2010 e 2019, melhor momento para o poder de compra do brasileiro, o salário
mínimo comprou em média 2,1 cestas básicas.
"O que o
estudo mostra é que perdemos poder de compra a partir de 2020, quando entra a
pandemia e os preços de alimentos ficam muito caros", observa Imaizumi.
A partir de 2022,
há a guerra
entre Rússia e Ucrânia, com forte impacto sobre o preço global dos grãos,
além de uma série
de episódios climáticos cada vez mais extremos,3 que reduzem a oferta
de alimentos, elevando preços mundialmente.
Com isso, o poder
de compra do salário mínimo caiu para 1,5 cesta básica em abril de 2022.
Desde então, se
recuperou ligeiramente, para 1,7 em novembro de 2024, mas sem retomar o nível
anterior à pandemia.
"Os níveis de
preços permaneceram muito elevados e, olhando para as nossas projeções, que
estendem para frente as métricas de poder de compra, vemos que não há uma
recuperação [nos próximos dois anos]", diz o economista da LCA.
"Não
voltaremos a patamares [de poder de compra] pré-pandemia, então o brasileiro
ainda se sente lesado. Ele não consegue comprar o mesmo que comprava antes da
pandemia, porque os níveis de preços permanecem muito altos."
Imaizumi observa
que, mesmo considerando a regra antiga de cálculo de reajuste do salário
mínimo, o cenário pouco mudaria.
"O que pode
ajudar para que haja uma recuperação um pouco mais contundente do poder de
compra é uma valorização
do real", avalia o economista.
"Para isso, o
governo vai precisar mostrar que está comprometido com a questão do ajuste
fiscal, porque a trajetória das contas públicas brasileiras no médio e longo
prazo é preocupante, o que afeta expectativas de investimento, consumo e
crescimento a longo prazo do país."
O analista lembra
que, em 2024, a inflação de alimentos ficou bem acima da alta da inflação em
geral medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Isso ocorreu em
grande medida devido ao excesso de chuvas, seca e queimadas que afetaram as
safras não só no Brasil, mas também em outros grandes países produtores
de commodities agrícolas.
Para 2025 e 2026,
Imaizumi espera que IPCA e a inflação de alimentos tenham variações mais
próximas.
"Mas os
preços de alimentos vão continuar elevados", prevê o economista.
"Por mais que
a gente tenha [em 2025] a perspectiva de uma safra próxima do recorde de 2023,
o real
desvalorizado incentiva a exportação, o que reduz a oferta de produtos
no mercado doméstico."
Além disso, diz
ele, o real desvalorizado também afeta o valor das commodities negociadas
em dólar no mercado internacional.
E as expectativas
de inflação desancoradas em meio às preocupações fiscais também acabam
influenciando a inflação de alimentos, lembra Imaizumi.
Efeito pêndulo
Para o economista,
a permanência dos preços em patamar elevado após a pandemia pode ser um dos
motivos que têm levado ao que é chamado na análise política de "efeito
pêndulo", ou a tendência de vitória da oposição em eleições recentes pelo
mundo.
"O presidente
de uma determinada ideologia se elege, mas não consegue recuperar poder de
compra ou fazer a economia crescer de maneira robusta e sustentável, então não
consegue se reeleger, mesmo com a máquina pública operando", afirma.
Creomar de Souza,
cientista político e diretor-executivo da consultoria de risco político Dharma
Politics, avalia que, se as projeções de estagnação do poder de compra na
segunda metade do mandato de Lula se confirmarem, ele pode de fato enfrentar
dificuldades nas eleições de 2026.
"Tem uma frase que diz: 'Se a geladeira está cheia, o voto é no governo. Se está vazia, o voto é na oposição'. Então o grande desafio da administração Lula na atual conjuntura é convencer as pessoas de que a economia está funcionando", diz Souza.
"E esse não é
só um desafio de comunicação. O desemprego está diminuindo, os salários estão
aumentando, mas as pessoas não estão sentindo isso no mercado. Esse é o
ponto."
Souza ressalta, no
entanto, que as causas do problema podem estar além da capacidade do governo de
remediá-lo e destaca que a inflação influenciou recentemente a eleição nos
Estados Unidos, vencida por Donald Trump.
"Ou seja, é
um problema global — os preços não voltaram ao que eram antes da pandemia aqui,
na Europa, nos Estados Unidos, em todos os lugares", diz o cientista
político.
Souza observa
ainda que a economia não é o único fator que ajuda a explicar a avaliação
negativa que parte da população faz do governo Lula — no Datafolha mais
recente, 35% dizem aprovar o governo petista, enquanto outros 34% reprovam, e
29% avaliam a gestão como regular.
O país segue
profundamente fraturado politicamente, avalia o analista.
"Uma parcela
importante da sociedade que não gosta do Lula, se o governo conseguir fazer
chover maná do céu, vai continuar não gostando do Lula", diz Souza.
"Isso gera
uma dificuldade para o país como um todo, porque vai erodindo os consensos. Há
uma dificuldade de transposição de dados positivos para a percepção de um
número grande de eleitores."
Diante desse
dilema, o governo tem dois caminhos possíveis para o fim de mandato, na visão
de Souza: tentar resolver o desafio fiscal que tem gerado uma crise de
confiança nos mercados, impactando o câmbio e as expectativas de inflação, ou
"jogar mais lenha na caldeira" e acelerar os gastos no fim do mandato
mirando a reeleição — como tentou o
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e fracassou.
"O dilema
para o governo Lula é frear as expectativas negativas, e isso passa por o
governo ser mais homogêneo, ter mais consensos e ter sinalizações muito claras
acerca do que quer fazer", diz Souza.
Lembrando da crise
de confiança durante o governo de Dilma Rousseff (PT), ele afirma que o passado
recente mostra que não é uma boa ideia ir à guerra contra as forças de mercado.
"O Congresso
e as forças políticas em Brasília sentem o cheiro de algo dando errado muito
rapidamente — de fraqueza, de desgovernança ou de falta de consenso", diz.
"À medida que
esse cheiro é sentido, as forças políticas vão tentar tirar o proveito máximo
disso, então, para cada medida que o governo precisa aprovar, o preço vai
ficando mais caro. E um governo que gasta muito recurso no processo de
negociação fica desprovido de recursos para fazer outras questões que
importam."
(Fonte: BBC)
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