Ele
é acusado de ter liderado um suposto plano de
golpe de Estado após ter perdido a eleição de 2022 para o
presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT). O ex-presidente nega.
Bolsonaro está inelegível até 2030 após duas condenações por crimes eleitorais em 2023.
Ainda
assim, bolsonaristas e o próprio ex-presidente não deixam de colocar seu nome
como uma
candidatura possível e viável para as próximas eleições. E aliados buscam
abrir caminhos
para anistiar Bolsonaro no Congresso Nacional.
Mas
especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que a denúncia da PGR,
somada à sua inelegibilidade, sela a inviabilidade do ex-presidente na disputa
presidencial de 2026.
A
PGR pede que Bolsonaro responda pelos crimes de golpe de Estado, abolição
violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano
qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e
deterioração de patrimônio tombado.
Ainda
que um movimento pró-anistia tente alimentar a expectativas da base
bolsonarista em trazer seu líder de volta ao jogo político, a denúncia criminal
reforça a gravidade da situação jurídica do ex-presidente, diz a cientista
política Luciana Santana, professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
"Havia
um movimento muito forte para dar esperança ao eleitorado bolsonarista de que
Bolsonaro poderia se livrar desse processo, ganhar a anistia e disputar a
eleição", diz a professora.
"Mas,
agora, com a denúncia, há uma concretude muito maior para os fatos que envolvem
o presidente na tentativa de golpe. Antes se falava muito em indícios, mas,
quando chega uma denúncia, com este volume de informações, dificilmente os
planos de Bolsonaro para 2026 vão vingar."
A
Primeira Turma do Superior Tribunal Federal (STF), formada por cinco membros da
Corte, vai analisar se aceita a denúncia e abre um processo contra o
ex-presidente — mas não há um prazo para essa decisão.
Integram
essa turma os ministros Alexandre de Moraes (relator do caso), Cármen Lúcia,
Luiz Fux, Cristiano Zanin e Flávio Dino.
O
vácuo de poder que pode ser deixado por Bolsonaro impulsiona uma disputa por
sua sucessão no campo político à direita.
Nomes
como o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), o
governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil) e até figuras
consideradas outsiders da política, como o coach Pablo
Marçal, tentam se projetar como líderes desse campo.
Santana
avalia que o desdobramento da denúncia contra o ex-presidente pode encorajar o
surgimento de novos nomes na direita para a disputa em 2026.
"Esse
episódio agora — e a depender da resposta que a defesa vai apresentar ao STF e
se a corte vai acatar a denúncia integralmente ou não — vai nos dar elementos
mais precisos sobre esse novo contexto", afirma a cientista política.
"Também
pode encorajar mais esses pré-candidatos ou nomes alternativos a Bolsonaro a se
apresentarem efetivamente."
'Condenação de Bolsonaro é praticamente certa'
O cientista político Claudio Couto avalia que a inelegibilidade do ex-presidente e uma possível condenação antes das eleições devem forçar seu grupo político a buscar alternativas para a disputa.
"Se
já contávamos com esse processo de denúncia, que sabíamos que iria começar, a
situação de Bolsonaro permanece praticamente a mesma: inelegível e, muito
provavelmente, preso antes de 2026,
o que o deixaria fora da disputa", afirma Couto.
A
principal questão, segundo Couto, é como Bolsonaro e seu grupo irão conduzir
esse processo sem que ele possa concorrer.
O
cientista político traça um paralelo com a estratégia adotada por Lula em 2018
na disputa com o próprio Bolsonaro.
Antes
de sua prisão, Lula prolongou sua candidatura ao máximo antes de ser
substituído por Fernando Haddad (PT).
"Ele
tentou transferir seu prestígio eleitoral para Haddad, o que conseguiu, mas não
o suficiente para vencer a eleição", analisa Couto.
Bolsonaro,
diz o cientista político, tem duas possibilidades: a primeira seria seguir o
mesmo caminho de Lula e esticar a corda até onde for possível para tentar se
manter como um nome viável.
Mas
isso vai "bagunçar o campo da direita", na avaliação de Couto.
"Se
ele seguir a lógica do Lula, ele embola o meio de campo, porque é um nome
inviável eleitoralmente, mas muitos eleitores vão continuar acreditando que
podem votar nele, pelo menos em um primeiro turno", diz o analista.
"Para
os demais candidatos, não é interessante que ele se mantenha como o único nome
possível porque isso gera confusão e incerteza, o que vai prejudicar a direita
e beneficiar o campo adversário."
Outra
alternativa, diz Couto, seria começar a construir uma alternativa tão logo seja
condenado.
"Caso
isso ocorra ainda em 2025, faria sentido para esse setor iniciar 2026 já com um
nome de substituto", diz Couto, ressaltando que esta é uma alternativa
mais provável, embora seja difícil prever os movimentos do ex-presidente.
"Não
acredito que ele vá tentar emular o Lula, mas é uma aposta, até porque
Bolsonaro tem um pouco da psicologia do jogador inveterado, ele tenta, arrisca,
age intuitivamente para ver se dá certo", prossegue.
"Ele
não obedece uma estratégia completamente racional o tempo todo, por isso tem um
certo grau de imprevisibilidade."
Para
Couto, não é realista acreditar que Bolsonaro conseguirá recuperar seus
direitos políticos judicialmente.
"Ele
aposta em uma anistia no Congresso, mas, no âmbito judicial, isso não vai
acontecer", afirma o cientista político.
"Se
alguém imagina que o Supremo vai mudar essa decisão e permitir que ele
concorra, precisa rever seus cálculos. A condenação é praticamente certa."
Ele
também avalia que o impacto político de seu julgamento, em relação à tentativa
de golpe de Estado, pode dificultar a tentativa de aprovação de uma anistia.
"A
tendência é que o julgamento seja transmitido, assim como ocorreu no
mensalão", diz Couto, em referência ao escândalo de corrupção envolvendo a
compra de apoio político no Congresso no primeiro governo Lula.
"Isso
tem um impacto político muito grande e pode reduzir o apoio à anistia entre
parlamentares que hoje flertam com essa ideia."
Quem
substituiria Bolsonaro?
Diante
desse cenário, Couto acredita que Bolsonaro deve indicar um substituto dentro
do próprio grupo familiar.
"O
bolsonarismo é um empreendimento político-familiar. Se ele tiver que abençoar
um substituto, seria Eduardo Bolsonaro, que é seu filho mais articulado
internacionalmente e tem um perfil político semelhante ao do pai", avalia.
Eduardo
Bolsonaro é atualmente deputado federal por São Paulo. Seu irmão, Flávio
Bolsonaro, é senador pelo Rio de Janeiro. E Carlos Bolsonaro é vereador no Rio
de Janeiro. Os três são filiados ao mesmo partido de Bolsonaro, o PL.
"Acho
muito pouco provável que seja qualquer um dos outros. O Flávio é muito mais um
operador. E o Carlos opera, eu diria, em outra dimensão."
No
entanto, a decisão deve envolver outros cálculos, como a viabilidade eleitoral.
"Não
se trata apenas de quem Bolsonaro prefere, mas de quem tem mais chances de
vencer. As pesquisas precisarão ser analisadas", diz Couto.
"
O Tarcísio de Freitas, por exemplo, é um nome mais forte que Ronaldo Caiado,
mas não se pode descartar que ambos concorram."
Tarcísio
teria afirmado a aliados, segundo apurou o jornal Folha de S. Paulo junto a
pessoas próximas do governador paulista, que aceitaria disputar a Presidência
caso Bolsonaro chancelasse sua candidatura, embora preferisse tentar se
reeleger ao governo de São Paulo.
Mas
Tarcísio negou publicamente essa possibilidade após o jornal publicar a
reportagem a respeito: "Não sou candidato, não tenho interesse".
Depois
da denúncia de Bolsonaro pela PGR, o governador manifestou apoio ao
ex-presidente em suas redes sociais.
Tarcísio
disse que Bolsonaro é a "principal liderança política do Brasil" e
que Bolsonaro "jamais compactou com qualquer movimento que visasse a
desconstrução do estado democrático de direito".
Luciana
Santana também observa que, enquanto a direita bolsonarista mais fiel aguarda
os desdobramentos da denúncia, nomes mais ao centro já começam a se movimentar
de forma mais independente.
"No
campo da centro-direita, a gente já vê candidaturas sendo apresentadas de forma
mais natural e independente. É o caso do Caiado. Para mim, é o exemplo mais
ilustrativo de todos", afirma a cientista política.
"Claro
que essa definição mais real de nomes não vai acontecer agora. Haverá um
momento de testar a opinião pública e ver quem tem mais chances de mexer com o
jogo eleitoral em 2026."
Sobre
a possibilidade de um outsider, como o cantor Gusttavo Lima, que
colocou o próprio nome à disposição para concorrer à Presidência da República,
Santana vê a movimentação mais como um teste do que uma candidatura
presidencial viável.
"O
nome dele surgiu mais como uma dobradinha, uma articulação nesse campo que está
desenhado por Ronaldo Caiado", diz Santana.
Após
as declarações do cantor, o governador de Goiás convidou Lima a se filiar a seu
partido, o União Brasil.
"É
muito mais um teste, talvez não para a Presidência, mas, a depender da adesão,
ele pode ser um candidato ao Senado e um cabo eleitoral importante."
A
cientista política Carolina Botelho, pesquisadora do Laboratório de Estudos
Eleitorais, de Comunicação Política e de Opinião Pública da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (Uerj), avalia que para ocupar o espaço deixado por
Bolsonaro é necessário um candidato alinhado à direita radical.
"Podemos
ter vários níveis neste espectro, desde que seja alguém que aceite fazer algum
tipo de política um pouco mais diplomática", explica Botelho.
Na
sua visão, uma nova liderança pode emergir, mas ela precisará ter habilidade
política.
"Pode
emergir um Pablo Marçal, mas ele também tem problemas sérios na Justiça e não
sei se tem estofo e vigor político para liderar uma campanha à
Presidência", avalia Botelho.
Para
ela, o bolsonarismo se divide em dois segmentos: um núcleo radical e uma base
mais pragmática dentro dos partidos.
"O
bolsonarismo base é diferente dos partidos e dos políticos, que até agora
seguraram na mão dele, mas estão no Congresso votando outras pautas e querem
ficar no poder", avalia.
E
a centro-esquerda?
Para
o governo Lula, a denúncia da PGR representa um alívio, diz Claudio Couto.
"Tira
um pouco o foco do momento difícil que
o governo enfrenta e coloca a atenção nos problemas do
adversário", analisa o cientista político.
Além
disso, a crise no campo bolsonarista pode abrir espaço para o governo
reconstruir sua imagem e focar na entrega de políticas públicas, diz Couto.
"A
política é feita de contrastes. Se o outro lado está muito mal, o governo tende
a ser visto de maneira mais positiva", diz Couto.
Botelho
afirma que Lula segue como a principal liderança para a centro-esquerda.
No
entanto, há desafios, como a idade do presidente e o busca por um sucessor à
altura.
"Ainda
não está sendo construído um nome que tenha a liderança que ele mantém",
pondera Botelho.
Santana
também enxerga Lula, neste momento, como o único nome com força eleitoral no
campo da centro-esquerda.
"Fala-se
de nomes dentro do próprio PT, como o Fernando Haddad, mas sem a mesma adesão —
até pela posição que ele ocupa e pelo desgaste da imagem devido ao cargo",
diz Santana.
"Mesmo
governadores ou ministros que têm protagonismo, como Camilo Santana [do Ceará]
e Renan Filho [de Alagoas], ainda são nomes muito localizados e não ganharam
dimensão nacional para disputar uma eleição presidencial."
Para
Santana, o desgaste do governo Lula não ameaça sua posição de favorito no
pleito de 2026 no momento.
"Se
a eleição fosse hoje, o cenário seria conturbado, porque ele vem sofrendo
desgaste por várias decisões e fatos recentes. Mas, mesmo com todas as críticas
e problemas, ele ainda é o nome que não seria batido, pelo menos não no
primeiro turno."
Mas
ela reforça que ainda há muitas peças a serem encaixadas para 2026.
"A
eleição está perto, mas, ao mesmo tempo, longe. Ainda é preciso mais
definições. Os candidatos precisam se apresentar de fato como candidatos."
(Fonte:
BBC)
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