Dados
divulgados no Dia Internacional da Mulher pelo Instituto Sou da Paz mostram
que, em 2023, foram registradas 4,3 mil ocorrências de violência armada não
letal contra mulheres. O número significa aumento
superior a 20% em relação ao ano anterior. Os dados gerais apontam a
ocorrência de mais de 440 mil casos, 212 de violência física e 100 mil
agressões psicológicas.
Há
mais de vinte anos, o poder público brasileiro já tem estabelecida a percepção
de que esse é um problema de saúde pública. Desde 2001, com a homologação da
Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências
(PNRMAV), o Sistema Único de Saúde (SUS) é colocado como agente essencial na
implementação de ações de combate e prevenção.
A
política trata de diversas frentes e inclui o enfrentamento a diferentes tipos
de violência – como casos contra idosos, crianças e outros públicos
vulnerabilizados. Mas um estudo avaliativo recente sobre a implementação da
PNRMAV aponta que os resultados mais positivos se mostraram no combate
à violência de gênero.
Uma
das coordenadoras da pesquisa, a especialista Edinilsa Ramos de Souza – da
Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz – falou
sobre o assunto em entrevista ao podcast Repórter SUS.
Segundo ela, apesar dos resultados positivos no que diz respeito ao
enfrentamento das agressões contra mulheres, ainda há muito o que avançar,
principalmente em formação e financiamento.
“Nós
descobrimos que vários serviços foram criados para esse atendimento
especificamente. Mas acontece que, quando reforçamos o combate e o
enfrentamento da violência de gênero, o outro lado também se sente mais
ameaçado. Nós vemos o crescimento desses números de vitimização de mulheres em
paralelo à criação de instâncias de proteção, de apoio e de atendimento”.
O
estudo também observou o papel essencial da Atenção Primária à Saúde no combate
à violência, inclusive para a prevenção. É nesse nível de atenção que muitas
vezes ocorre a primeira escuta qualificada e o início do encaminhamento das
mulheres em situação de violência para outros serviços da rede.
Apesar
dos avanços observados ao longo de mais de duas décadas desde o estabelecimento
da política, a pesquisa aponta a necessidade urgente de mais treinamento e
sensibilização das equipes profissionais do SUS. A alta rotatividade de
profissionais e a falta de um acompanhamento permanente dificultam a
consolidação do conhecimento necessário para lidar com a complexidade dos casos
de violência.
“A
violência não é um evento em que basta simplesmente cuidar do ferimento e
mandar para casa. É preciso pensar o que é possível fazer ali naquele
atendimento, que orientações dar e que encaminhamentos você pode fazer. Como
podemos ajudar aquela vítima, seja ela mulher, idoso, criança, adolescente ou
algum outro grupo populacional vulnerabilizado”, pontuou Edinilsa Ramos de
Souza na conversa com o Repórter SUS.
Segundo
ela, a questão da formação foi uma das principais reclamações das equipes de
saúde. “Esse é um problema que temos no SUS, onde ocorre uma alta rotatividade
desses profissionais. Você vai a um serviço, capacita aquela equipe e, um mês
depois, já não é mais aquela equipe. Precisamos de um processo de educação
permanente desses profissionais, o tempo inteiro”.
A
pesquisadora ressaltou que os diversos tipos de violência estão entre as
principais causas de óbitos no país, mas ainda assim, a rede de combate a esse
problema precisa disputar recursos. A falta de investimentos impacta
diretamente a capacidade de implementação das ações e a sustentabilidade
dos serviços.
“No
último governo nós tivemos um abandono total e completo a essas questões. Não
se podia falar de violência. Lamentavelmente – embora as violências e os
acidentes estejam entre a segunda e terceira maior causa de morte na população
em geral e primeira na população jovem – essa política não tem a prioridade de
outras políticas”.
As
ferramentas do SUS
O
trabalho do Sistema Único de Saúde é baseado em diretrizes da Organização
Mundial de Saúde (OMS). Além de abordar a violência como um problema de saúde
pública, ela indica a necessidade de uma estrutura para o cuidado que não se
limita ao tratamento imediato das lesões.
No
caso da PNRMAV foram estabelecidas algumas diretrizes essenciais. Elas englobam
a promoção da saúde e a prevenção dos eventos violentos, a assistência integral
em todos os níveis de atenção, a capacitação de profissionais, o apoio a
estudos e pesquisas, e o monitoramento da ocorrência de acidentes e violências.
Entre
os serviços oferecidos para pessoas vitimizadas, a atenção primária é
considerada um ponto focal. Ela abre as portas para os primeiros atendimentos
psicológicos, sociais e médicos, além de informar as vítimas sobre seus
direitos e realizar os encaminhamentos necessários para outros serviços.
A
notificação de casos de violência é compulsória. Inicialmente focada em
mulheres, crianças e adolescentes vítimas de violência, a obrigatoriedade se
expandiu para incluir outras situações e grupos vulneráveis, como idosos,
pessoas com deficiência e, em certos contextos, a população LGBTQIA+.
Esse
processo é considerado essencial para o monitoramento das ocorrências, para a
qualificação da informação em saúde e para o planejamento de ações de
enfrentamento. Apesar da obrigatoriedade e dos esforços para melhorar a
qualidade da informação, a subnotificação ainda é um desafio persistente no
país.
Já a
atenção pré-hospitalar e hospitalar é onde ocorrem tratamentos das lesões e
traumas, seguindo protocolos específicos para diferentes tipos de violência. No
caso da violência sexual, por exemplo, existe a garantia de atendimento
imediato conforme a lei do minuto seguinte.
Em
todos os níveis, está prevista a assistência interdisciplinar e intersetorial,
com profissionais como psicólogos, médicos e assistentes sociais, para um
acompanhamento completo. O SUS também oferece atendimento voltado à recuperação
e à reabilitação.
O
Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Escola
Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Novos programas são lançados toda semana. Ouça aqui os
episódios anteriores.
(Brasil
de Fato)
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