A lei atual, de setembro de 2022, determina que, para fazer procedimentos de esterilização voluntária, a pessoa deve ter no mínimo 21 anos ou dois filhos vivos, além de capacidade civil plena (capacidade de cumprir de forma autônoma seus direitos e deveres como cidadão).
Porém, na prática,
muitos médicos acabam
considerando que a pessoa deve ter no mínimo 21 anos e dois filhos vivos — e
não uma condição ou outra.
A ação que está na
pauta do plenário do STF foi protocolada pelo Partido Socialista Brasileiro
(PSB), defendendo que maiores de 18 anos já possam optar pela esterilização
voluntária.
Segundo o partido,
"essas exigências [atuais] afrontam direitos fundamentais, contrariam
tratados internacionais firmados pelo Brasil, além de
divergir dos principais ordenamentos jurídicos estrangeiros".
Para a sigla, o
fato de o Estado definir as condições para que homens e mulheres decidam sobre
a própria vida reprodutiva viola princípios como a dignidade da pessoa humana,
a liberdade de escolha, a autonomia privada, liberdade de planejamento familiar
e os direitos sexuais e reprodutivos.
O julgamento no
STF começou em novembro de 2024, mas apenas dois ministros votaram na ocasião —
o relator do caso, Nunes
Marques, e Flávio Dino.
Ambos foram favoráveis à manutenção das regras atuais.
O ministro Cristiano Zanin,
que seria o terceiro a votar, pediu vista (mais tempo para análise do caso).
Por isso, ele será o primeiro a votar na retomada do julgamento.
Há algumas
exceções na lei atual: a esterilização voluntária pode ser feita por pessoas
que não cumpram os requisitos vigentes mas que tenham questões de saúde ou
genética que possam afetar sua própria vida ou de eventuais filhos.
Nos casos em
geral, é determinado um prazo mínimo de 60 dias entre a manifestação da vontade
e o ato cirúrgico.
Nesse período, é
previsto "aconselhamento por equipe multidisciplinar, com vistas a
desencorajar a esterilização precoce".
Segundo regras do
Conselho Federal de Medicina (CFM), independente da legislação, os médicos têm
autonomia para se recusar a fazer o procedimento de esterilização voluntária
caso não concordem com ele.
Para o advogado
Ricardo Calderón, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito da
Família (IBDFAM), as restrições impostas pela lei atual vão contra princípios
constitucionais que estabelecem a maioridade civil aos 18 anos.
Além disso, ele
avalia que não cabe ao Estado controlar a vontade de uma pessoa ter filhos ou
não.
"É necessário
respeitar a liberdade de escolha das pessoas e a autodeterminação delas sobre
seu corpo e direito reprodutivo. Uma pessoa com mais de 18 anos tem capacidade
de direito civil. Precisa haver o aconselhamento médico, mas a decisão de reger
sobre o próprio corpo cabe ao indivíduo e não ao Estado", pontua Calderón.
"Desaconselhar
uma mulher da decisão de não ter filhos ou ferir esse direito é um ato
patriarcal", acrescenta.
O urologista e
conselheiro federal do Conselho Federal de Medicina (CFM) José Elêrton
concorda.
"Se aos 18
anos o indivíduo pode dirigir, votar e responder criminalmente pelos seus atos,
ele já tem autonomia para decidir se quer ou não ter filhos e fazer o
procedimento", defende.
Para o médico,
para que a decisão seja tomada de forma consciente e não seja impulsiva, é
importante o aconselhamento ao paciente — para que prós e contras sejam
esclarecidos, mas sempre respeitando a opinião da pessoa.
Por outro lado,
alguns especialistas apontam que a irreversibilidade da laqueadura e a possível
irreversibilidade da vasectomia exigem maturidade na escolha, o que
justificaria a idade mínima de 21 anos.
A vasectomia pode
ser revertida, mas não há garantias disso.
"Do ponto de
vista psicológico, a maturidade cognitiva plena se dá após os 18 anos, apesar
de termos exceções. Mas, considerando a maioria, estabelecer essa idade mínima
para realizar uma laqueadura parece precoce", avalia Rafaela Schiavo, psicóloga
perinatal e fundadora do Instituto MaterOnline, que atua na formação de
profissionais que trabalham no cuidado emocional de gestantes e puérperas.
Ainda segundo a
psicóloga, aos 21 anos, o indivíduo já conseguiu amadurecer e fazer um
planejamento real com uma cognição adulta, sendo mais consciente sobre a
decisão do procedimento cirúrgico.
"Aos 18 anos,
existe o risco significativo de tomar uma decisão precipitada, da qual a pessoa
pode se arrepender poucos anos depois. Entretanto, se a mulher já tiver mais de
dois filhos antes dos 21 anos, é importante permitir a ela a opção da laqueadura
mais cedo", acrescenta Schiavo.
Os profissionais
ouvidos pela reportagem são unânimes em enfatizar a importância do
aconselhamento especializado para aqueles que pretendem fazer a esterilização
voluntária, havendo esclarecimento dos riscos de irreversibilidade futura.
É importante que
os pacientes sejam informados também sobre outros métodos contraceptivos.
"Isso
[esterilização] pode comprometer lá na frente o desejo dessa pessoa e causar
nela um profundo arrependimento. Ou seja, é uma questão que tem que ser
abordada por uma equipe multidisciplinar de saúde", acrescenta Claudiane
Garcia de Arruda, ginecologista.
Além da lei, a
pressão social
Mesmo quem,
perante a lei, poderia fazer a esterilização voluntária, pode acabar
enfrentando outro obstáculo para o procedimento: a pressão social.
É o que relata a
cabeleireira Fernanda (nome fictício), de 28 anos, que desde a adolescência
decidiu que não quer ter filhos.
No início do ano
passado, a moradora de Boa Vista (RR) procurou o Sistema Único de
Saúde (SUS) para fazer uma laqueadura, procedimento que consiste no
ligamento das tubas uterinas para a esterilização feminina.
Porém, após
iniciar o processo de preparação para o procedimento, ela não conseguiu
realizar a cirurgia.
"Fui na
consulta, fiz os exames e depois fui encaminhada para a psicóloga. Nessa fase,
começou a burocracia. Fiz cinco sessões com a profissional e percebi que outras
mulheres, que já tinham filhos, eram encaminhadas para a cirurgia, e eu
não", contou Fernanda à BBC News Brasil.
Segundo a
cabeleireira, a psicóloga reiteradamente questionava a decisão dela de não
querer filhos, falando que ela era muito nova e mudaria de ideia.
Seis meses após
iniciar o processo e não ser encaminhada sequer para a fila da cirurgia,
Fernanda conta que desistiu de tentar a laqueadura pelo SUS.
"De tanto
eles dificultarem, eu acabei desistindo. Talvez se eu tivesse pelo menos um
filho, eles não teriam sido tão burocráticos comigo", diz.
Para seguir o
plano de não ter filhos, ela usa injeções de anticoncepcional trimestralmente.
Lei já teve
alterações
Conhecida como Lei
do Planejamento Familiar, a Lei 9.263 de 1996, em seu texto original, previa
que homens e mulheres só poderiam realizar laqueadura e vasectomia se tivessem
idade mínima de 25 anos, pelo menos dois filhos vivos e após o cumprimento de intervalo
mínimo de 60 dias do momento da solicitação do procedimento à sua realização.
A norma definia
também que a esterilização dependia da autorização expressa do cônjuge.
Em 2022, a Lei
14.443 fez alterações na norma original. Desde então, a autorização do marido
ou da esposa para a realização da esterilização voluntária foi retirada, e a
idade mínima passou de 25 anos para 21.
No entanto, a
necessidade de ter ao menos dois filhos vivos, em caso de pessoas com menos de
21 anos, continuou.
(Fonte: BBC)



Nenhum comentário:
Postar um comentário