A viagem acontece após a passagem do chefe de Estado da França pelo Brasil em março do ano passado, quando os dois presidentes visitaram juntos a Amazônia, participaram de eventos oficiais em Brasília e assinaram acordos bilaterais nas áreas de meio ambiente, educação e transição energética.
Ao longo da visita, as imagens dos dois líderes
sorrindo, caminhando de mãos dadas e trocando gestos de afeto reforçaram a
narrativa de um "bromance" diplomático, amplamente repercutido na
imprensa internacional.
E a expectativa é que o clima de amizade seja mais
uma vez explorado nos próximos dias.
Para especialistas em política externa dos dois
países, a relação entre Macron e Lula é, ao mesmo tempo, uma aposta de projeção
internacional e uma estratégia pragmática de enfrentamento de crises internas
por parte de ambos.
Se, por um lado, o Brasil busca o apoio francês
para aprovar o acordo União Europeia-Mercosul e
fortalecer sua campanha por reforma no Conselho de Segurança da ONU, Paris
também tem suas próprias agendas.
"Um precisa do outro", diz Kevin
Parthenay, professor de Ciência Política da Universidade de Tours e
copresidente do Observatório para a América Latina e o Caribe da SciencesPo.
"Macron e Lula compartilham muitas
perspectivas comuns e também vivem realidades de certa forma semelhantes na
política interna e internacional"
Entre os desafios partilhados pelos dois líderes
está o enfrentamento de crises e oposição crescente no cenário doméstico, diz
Carolina Pavese, doutora em Relações Internacionais pela London School of
Economics (LSE) e especialista em Europa.
"Os dois estão em uma situação frágil e
encontram muita resistência por parte da oposição para poder avançar com a sua
agenda de política doméstica", avalia a professora do Instituto Mauá de
Tecnologia (IMT).
Do lado brasileiro, Lula governa com um Congresso onde não tem maioria sólida,
especialmente na Câmara dos Deputados. Boa parte da base parlamentar é formada
por partidos de centro e centro-direita (o chamado "centrão"), que
negociam apoio caso a caso, o que obriga o governo a fazer concessões
constantes em nome da governabilidade. Além disso, a oposição ligada ao ex-presidente Jair Bolsonaro continua ativa e
vocal.
Já Macron trabalha com um Parlamento fragmentado e
depende do apoio de outras forças políticas para aprovar novas leis e projetos.
Em 2024, o presidente francês dissolveu o
Parlamento e convocou eleições antecipadas após sofrer uma dura derrota na
votação do Parlamento Europeu, que teve o partido de direita radical
Rassemblement National (Reunião Nacional) como grande vencedor. Nas
legislativas no país, a coligação de Macron
acabou ficando em segundo lugar, atrás da união de partidos de esquerda.
Em março de 2025, a mesma pesquisa mostrou que 62%
compartilhavam a opinião, o que mostra uma queda na popularidade de Lula.
Na França, apenas 26% da população demonstra uma
visão favorável em relação a Macron, segundo um levantamento de abril da Ipsos
em parceria com a Cesi École d'Ingénieurs para o jornal La Tribune Dimanche.
Em setembro passado, após enfrentar a dissolução do
governo, as eleições legislativas antecipadas e a dificuldade de formar um
governo, o presidente francês atingiu seu pior desempenho nesse quesito, com
23% de aprovação.
Por tudo isso, dizem os especialistas consultados
pela BBC News Brasil, as relações bilaterais ganham mais relevância.
Como destaca Pavese, "a política externa é o
único campo onde Lula e Macron têm conseguido projetar vitórias".
"A diplomacia é o campo que a oposição não
consegue alcançar", afirma a professora do IMT.
"Ambos precisam do cenário internacional para
afirmar sua liderança e compensar o que sofrem no nível interno ou
doméstico", diz ainda Kevin Parthenay.
Busca por protagonismo
Ex-conselheiros de Macron para política externa
afirmam ainda que o presidente francês vê o Brasil como uma ponte para expandir
sua influência internacional.
Como membro original dos Brics e uma das principais
lideranças do Sul Global (termo usado para se referir a nações emergentes da
América Latina, África, Ásia e Oceania), o país se apresenta como uma
alternativa menos complicada de acesso a esses blocos do que China, Rússia ou
Índia, diz Panthenay.
"Falar com o Brasil é falar com o Sul
Global", resume o professor da Universidade de Tours.
E assim como o Brasil, aponta Carolina Pavese, a
França tem buscado ocupar um papel de protagonismo regional, para o qual uma
ampla e diversificada base de relações é necessária.
"Com a Alemanha enfraquecida politicamente e o
Reino Unido fora da União Europeia, Macron viu a oportunidade de se destacar
como uma liderança do bloco e vem agindo para isso já há algum tempo",
explica.
A busca por mais protagonismo internacional do
presidente francês se manifesta principalmente por meio das intervenções do
governo em Paris nas tratativas sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia e, mais
recentemente, da adoção de uma postura mais dura em torno dos ataques de Israel
a Gaza.
Da mesma maneira, o Brasil e o governo Lula trabalham
desde o início de seu mandato em uma campanha para ampliação do protagonismo
global.
"O país tenta voltar a ocupar um espaço de
protagonismo, representando os países em desenvolvimento nesse novo jogo de
xadrez das relações internacionais, principalmente a partir da retração dos
Estados Unidos da agenda multilateral."
O governo Lula também investiu em se posicionar
como uma alternativa para a mediação da paz na guerra entre Rússia e Ucrânia,
mas muitos críticos classificaram a empreitada como um fracasso.
Algumas declarações do presidente brasileiro sobre
a "falta de iniciativa" do líder ucraniano Volodymyr Zelensky nas
negociações para um cessar-fogo e sua presença nas comemorações em Moscou do
aniversário de 80 anos da vitória soviética sobre a Alemanha nazista na 2ª
Guerra Mundial, também não ajudaram sua posição, dizem os especialistas.
"Macron e Lula divergem em sua repressão ou
oposição explícita ao [presidente russo] Putin", diz Pavese, em relação à
postura mais dura adotada pelo líder francês — e por toda a Europa.
"Essa divergência não é apenas uma questão de
postura ideológica, mas de geografia. Esse conflito acontece no quintal da
Europa e é uma questão de segurança nacional para a França. Já para o Brasil,
não."
Uma agenda comum
Mas apesar das divergências em torno do conflito,
Macron e Lula deram demonstrações de convergências em temas que vão do combate
ao avanço da extrema-direita no mundo, defesa do meio ambiente e a necessidade
de um cessar-fogo no conflito na Faixa de Gaza.
A visão de mundo que compartilham inclui ainda a
defesa de pautas como direitos humanos, igualdade de gênero e o
multilateralismo. Segundo Pavese, essa sintonia simbólica ajuda a amortecer
desacordos mais sensíveis.
Está é a primeira visita de Estado de Lula à França
em seu terceiro mandato como presidente.
Lula se reuniu com Macron em Paris em junho de
2023, quando participou da Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global, mas a
viagem não caracterizou uma visita de Estado.
Esse tipo de evento conta geralmente com uma série
de formalidades, como um convite oficial, uma recepção cerimonial e uma agenda
abrangente que vai além de negociações ou compromissos específicos.
A última visita de Estado de um presidente
brasileiro à França ocorreu em 2012, durante o mandato de Dilma Rousseff.
Em Paris, Lula foi recebido na manhã desta quinta
(horário local) em uma cerimônia oficial no pátio do Hôtel National des
Invalides, um monumento histórico que abriga museus militares e o túmulo de
Napoleão Bonaparte.
Em seguida, se reúne com Macron no Palácio do
Eliseu, sede do governo francês, em uma reunião entre as delegações dos dois
países. Após o encontro a portas fechadas, é esperado que haja uma cerimônia de
assinatura de atos.
Segundo o Ministério de Relações Exteriores, os
dois presidentes devem assinar 20 atos bilaterais, envolvendo acordos de
cooperação na área de vacinas, de segurança pública, de educação e de ciência e
tecnologia. Um anúncio de investimentos entre os dois países também é esperado.
Também há expectativa de adoção de uma nova
declaração dos dois líderes sobre mudança do clima, reforçando o engajamento de
ambos os países e a mobilização internacional para a COP30, que será sediada
pelo Brasil em novembro deste ano.
O presidente brasileiro ainda foi convidado para um
almoço privado e um jantar de gala, ambos na quinta-feira no Palácio do Eliseu.
Também está previsto na agenda bilateral que Lula e
Macron visitem uma exposição de artistas brasileiros no Grand Palais, um dos
principais espaços de exposições do país.
O que Lula quer?
Além dos interesses em torno de projeção
internacional e das agendas comuns, o Brasil também leva um programa próprio a
Paris.
Um dos focos do governo Lula é conseguir apoio para
a aprovação do acordo União Europeia-Mercosul.
O pacto foi assinado no final do ano passado, mas
ainda precisa ser ratificado pelo Parlamento Europeu e os legislativos de cada
país de ambos os blocos para entrar em vigor.
Apesar das boas relações bilaterais, Macron
declarou em inúmeras ocasiões sua oposição categórica ao tratado de livre
comércio concluído em dezembro passado em Montevidéu, no Uruguai, reiterando
que o texto finalizado, após 25 anos de discussões, é "inaceitável".
A reforma do Conselho de Segurança das Nações
Unidas também faz parte da agenda permanente de política externa brasileira.
O país defende a ampliação do número de membros
permanentes e não permanentes como forma de tornar o órgão mais representativo
e democrático. O governo pleiteia uma vaga permanente, usando seu histórico de participação
em missões de paz, sua dimensão territorial, população e influência regional
como argumentos.
"O Brasil precisa da França em sua campanha
por um assento permanente no Conselho de Segurança e o governo francês já
disse, clara e diretamente, que apoiaria o Brasil nesse sentido", aponta
Kevin Parthenay, da Universidade de Tours e da SciencesPo.
Lula também prepara o cenário internacional para a
COP30, levando para Paris a posição oficial brasileira sobre proteção
ambiental.
Após os compromissos em Paris, o presidente seguirá
para Nice, onde participa da Terceira Conferência das Nações Unidas sobre os
Oceanos (UNOC3).
(Fonte: BBC)
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