Com produção em queda nos EUA, o Brasil se tornou o principal fornecedor para o mercado americano — e também para o resto do mundo. Mas a tarifa pode afetar preços, reduzir exportações e ameaçar empregos ligados ao setor.
Juntos, os países da União Europeia foram o principal destino do suco da fruta, representando 51,4% das exportações do produto entre julho de 2024 e junho de 2025, informou a CitrusBR (Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos).
Mas os Estados Unidos sozinhos representam 41,7% deste mercado.
O Estado de São Paulo concentra a produção brasileira: responde por 78%
da produção nacional de laranja e concentra mais de 80% da produção de suco da
fruta.
O impacto do tarifaço nas exportações do
suco de laranja e outros setores industriais fez até o governador, Tarcísio de
Freitas (Republicanos), atenuar seu discurso. O Estado representa quase um
terço das exportações brasileiras aos EUA.
Tarcísio, em sua primeira reação ao anúncio de Trump em 12 de
julho, culpou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e disse que o petista
colocou sua "ideologia acima da economia".
"Tiveram tempo para prestigiar ditaduras, defender a censura e
agredir o maior investidor direto no Brasil", escreveu no X. "A
responsabilidade é de quem governa. Narrativas não resolverão o problema."
Dois dias depois, o governador, que já usou o boné vermelho Make
America Great Again (Torne a América Grande Novamente) de Trump,
afirmou que a questão da sobretaxa dos produtos brasileiros demanda "união
de esforços e sinergia" e pode ser resolvida se a política for deixada de
lado.
"A gente precisa estar de mãos dadas agora para resolver, deixar a
questão política de lado", disse em entrevista coletiva no sábado (12/7),
após um evento da agenda no município de Cerquilho.
O vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin
(PSB), deve se reunir com representantes de diversos setores possivelmente
afetados — entre eles, produtores de suco de laranja.
Alckmin anunciou que terá reuniões com representantes de ao menos 14
setores da indústria e do agronegócio nesta terça-feira (15/7), como parte do
trabalho de um comitê interministerial a ser criado para responder ao tarifaço
de Trump.
O Brasil começou a exportar suco de laranja nos anos 1980 e, já na
década seguinte, se consolidou como o maior fornecedor mundial do produto.
Hoje, o país responde pela maior parte da laranja processada consumida no
mundo.
"São Paulo e Flórida são as grandes regiões produtoras de suco de
laranja comercial", explica a professora Margarete Boteon, pesquisadora da
área de citros no Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da
Esalq/USP.
"Nos anos 1990, o Brasil tem um aumento de exportação muito grande.
A Flórida também cresce a produção, mas muito mais voltada para o mercado
doméstico."
Nas últimas décadas, no entanto, os Estados Unidos passaram a depender
das importações do Brasil. O motivo é uma doença bacteriana chamada greening
dos citros, também conhecida como Huanglongbing (HLB), com primeiro registro em
2005 e que devastou a produção na Flórida nos anos seguintes.
"É uma doença que não tem cura e que acaba com os pomares de
laranja. Ou você arranca e renova, ou eles definham. Também existe no Estado de
São Paulo. Só que a Flórida teve uma queda muito grande da produção nos últimos
10 anos por causa dessa doença, e o Brasil conseguiu ser resiliente."
Com a HLB, a Flórida deixou de ser autossuficiente — mesmo com um
mercado interno menor. Já o Brasil não só atende o mercado doméstico como
exporta para os Estados Unidos, México e, sobretudo, para a União Europeia —
hoje, seu maior cliente.
Nos primeiros quatro meses de 2025, o Brasil representou 68% das
importações de suco de laranja dos Estados Unidos.
Tarifa de 10% já é alta; a de 50% pode ser devastadora
Em abril, os EUA impuseram uma tarifa extra de 10% sobre produtos brasileiros,
incluindo o suco de laranja. Mas ainda é cedo para medir os efeitos reais da
sobretaxa, , diz Boteon.
"Você não tem como avaliar de forma isolada o impacto da tarifa
porque, quando ela começou a ser aplicada, o Brasil estava com um déficit muito
grande de suco, e os Estados Unidos também estavam com estoques muito baixos.
Dificilmente você teria algum efeito ali que conseguiria captar no curto prazo,
dado o déficit de oferta."
Segundo ela, só a partir do segundo semestre, com a reposição dos estoques,
será possível observar melhor os impactos sobre preços e custos.
No entanto, se concretizada a partir de 1º de agosto, a tarifa de 50%
tende a ter efeitos imediatos.
"O impacto dos 50% seria óbvio e claro. Sempre colocamos
incertezas, porque ninguém sabe se vai ser 50% mesmo ou é uma jogada",
diz. "A grande questão é: a que preço?", diz a professora, que afirma
que a sobretaxa, ao encarecer o produto, vai tornar o suco brasileiro menos
competitivo.
"Se o americano compra uma tonelada de suco de laranja por US$ 3
mil, ele vai pagar quase US$ 2 mil em tarifas", calcula, já que a
sobretaxa é além da tarifa que o produto brasileiro já paga de US$ 415 por
tonelada.
"Fica mais caro nos Estados Unidos, isso causa um efeito
inflacionário, cai a demanda, por sua vez, cai a compra aqui. Então é um efeito
negativo. Isso não tenha dúvida", afirma. "O que pode acontecer? A
indústria americana ficar ainda menor se não comprar suco, porque pode ficar
caro demais. E isso tem um impacto brutal sobre os negócios brasileiros."
Mas, ao mesmo tempo, os Estados Unidos dependem do suco brasileiro e não
têm outra fonte no curto prazo para abastecer seu mercado, analisa a
pesquisadora da Esalq/USP.
A depender da reação do mercado, os efeitos podem ser recessivos para o
setor exportador brasileiro, diz o professor e pesquisador do FGVAgro, Cícero
Lima.
"O suco de laranja já tem uma tarifa efetiva relativamente alta.
Mesmo assim, a gente conseguiu espaço no mercado. A produção brasileira vem
atendendo essa demanda americana. Agora, com uma tarifa de 50% em cima desses
10% que a gente já tem, realmente as condições ficam bem difíceis."
Demanda interna não absorve excedente
Mesmo que o Brasil deixe de exportar parte de sua produção, é pouco
provável que isso reduza os preços no mercado interno. Já uma compensação das
exportações para outros mercados é possível, mas não imediata, afirma Cícero
Lima.
"Isso não é uma relação um para um. Pode ser que eu já esteja com a
minha demanda de suco de laranja na União Europeia saturada. Então não
significa que, a cada litro que os Estados Unidos deixarem de comprar de mim,
eu vou conseguir colocar na União Europeia. Se a União Europeia e a China já
estiverem com a sua demanda saturada, eu não consigo entrar com esse produto
lá."
E, ao contrário do que se imagina um excedente não deve baratear o
produto para o consumidor brasileiro, argumenta o pesquisador do FGV-Agro.
"Se sou produtor de laranja e não estou conseguindo vender para a
exportação, e o meu mercado interno já está atendido, eu não vou vender aqui
dentro, porque o preço vai despencar, já que a oferta estaria muito maior do
que a demanda", afirma.
"Então vou deixar minha produção ociosa, de fazer investimentos e
de contratar mão de obra. Isso gera um círculo vicioso prejudicial para o
Brasil."
Do lado da demanda, ele afirma que o consumo doméstico tem pouco espaço
para crescer. "A substituição do chá, água, refrigerante ou café pelo suco
de laranja é muito baixa. Você pode aumentar a renda, o preço pode cair um
pouco, mas as famílias não trocam."
Neste cenário, Lima aponta que o governo brasileiro poderia acelerar
negociações com outros mercados.
"O atual governo pode criar canais que facilitem exportação com
outros mercados, por exemplo, com a União Europeia, para conseguir colocar o
maior volume de suco de laranja lá."
Mas há limites da atuação, já que qualquer política de proteção às
exportações pode ser interpretada como dumping — ou seja, a
prática de vender produtos em um mercado estrangeiro a um preço inferior de seu
mercado doméstico ou ao seu custo de produção.
"O que o governo pode fazer é promover os nossos produtos em outros
mercados. E, para isso, temos ferramentas. Temos a Apex [Agência Brasileira de
Promoção de Exportações e Investimentos]. Temos o próprio Ministério de
Relações Exteriores. Temos o acordo Mercosul-União Europeia, que já foi
assinado e está em processo de regulamentação."
Outros acordos também poderiam ser retomados. "Temos acordos
adormecidos desde 2023, com Canadá, Reino Unido e a Asean [Associação de Nações
do Sudeste Asiático]. São negociações que vinham sendo aprofundadas e que
ficaram paradas. Podemos fazer o dever de casa e colocar isso tudo em fase de
implementação."
Impacto também é nos EUA
A sobretaxa deve prejudicar principalmente os exportadores brasileiros,
mas seu efeito colateral não poupa os Estados Unidos, diz a professora
Margarete Boteon.
Ela explica que o suco de laranja comprado do Brasil não chega
engarrafado às prateleiras dos supermercados americanos: ele entra como insumo
em uma cadeia produtiva que envolve desde o envase em fábricas locais até o
emprego em centros de distribuição.
"Não é um celular, um produto pronto. A gente vende um insumo que
entra numa indústria americana. Então, se colapsar aqui, colapsa lá
também", alerta. "Esse suco vai para fábricas da Coca-Cola, para
grandes engarrafadoras. Gera emprego, paga impostos, movimenta a indústria lá.
Não tem substituto no curto prazo."
Para ela, diferentemente de outras commodities como o café, que podem ser compradas em mais mercados, a laranja tem uma oferta concentrada. "Não existe outro player com capacidade para substituir o Brasil em volume e qualidade no curto prazo."
(Fonte: BBC)
Nenhum comentário:
Postar um comentário