sexta-feira, 14 de novembro de 2025

COP30: quando a Amazônia se torna espelho das contradições do mundo

Belém (PA), no norte do Brasil, torna-se palco simbólico de um mundo em disputa. Às margens do rio Guamá, onde o calor úmido se mistura ao cheiro da floresta e à memória ancestral dos povos originários, realiza-se a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30). O Brasil volta ao centro das negociações internacionais cercado de expectativas, lutas e muitas contradições.

Mais de uma centena de países se reúne para tratar de um tema que há décadas se arrasta nesses espaços e não ganha a centralidade que deveria. As metas, relatórios e acordos são importantes entre os Estados-nação, mas, mais do que isso, é fundamental o cumprimento efetivo dessas metas e a participação ativa dos povos do mundo e, especialmente nesta ocasião, dos amazônicos, verdadeiros guardiões da natureza. Até que ponto, afinal, os países estão prontos para romper com as estruturas que geraram a crise climática?

Em comunidades ribeirinhas, territórios indígenas, zonas rurais e periferias urbanas, os impactos do aquecimento global e da devastação ambiental são mais agressivos, agravados por um racismo ambiental estrutural. Em Belém, apenas 2,7% da população tem acesso à rede de esgoto e populações majoritariamente negras e ribeirinhas vivem em regiões de risco.

A realização da Cúpula dos Povos, maior mobilização da sociedade civil na história das conferências, é essencial para criar o tensionamento necessário para o avanço real do debate. A “barqueata” de abertura reuniu caravanas de territórios regionais, nacionais e internacionais, com mais de 200 embarcações, exigindo a interrupção de grandes projetos do capital, denunciando as falsas soluções climáticas e defendendo a Amazônia sob o lema: “A resposta é o povo das águas, das florestas e das periferias”.

Cacique Raoni, com 93 anos, é uma das vozes mais influentes do mundo em defesa do meio ambiente e participou de um debate sobre a exploração de petróleo e gás na Bacia da Foz do Amazonas, onde fez um apelo contra o projeto. Aconselhou o presidente Lula (PT) a não o autorizar, alertando para os riscos de poluição e evocando o conhecimento espiritual sobre o perigo de “destruir e destruir”. “Se continuarem fazendo essas coisas ruins [desmatamento e projetos de poluição], vamos ter problemas. Não só nós, povos indígenas, mas todos vocês”, afirmou.

A tônica é clara: não haverá resposta possível dentro das bases exploratórias do capitalismo. E toda destruição da natureza é também a destruição da humanidade.

O planeta em ponto de ebulição

Somente neste último mês, uma sequência de catástrofes atingiu o continente americano: um furacão devastou partes do Caribe e de Cuba, enchentes históricas no sul do Brasil e um tornado no estado do Paraná, que deixou ao menos seis mortos e cerca de 750 feridos.

O relatório Global Tipping Points 2025, divulgado em outubro, aponta que o planeta ultrapassou seu primeiro ponto de não-retorno: o branqueamento irreversível dos recifes de corais, causado pelo aquecimento das águas oceânicas. É o alerta de que os sistemas de regulação da Terra começam a ruir, e que nenhuma meta de mercado será suficiente para restaurá-los.

Amazônia, tantas vezes reivindicada simbolicamente como “pulmão do mundo”, enfrenta taxas ainda alarmantes de desmatamento e mineração. É verdade que, dos anos do governo Bolsonaro, que incentivou a destruição da floresta em favor do agronegócio e da mineração, para os anos do governo Lula, houve uma redução nas taxas.

Segundo dados recentes, a área estimada de desmatamento foi de quase 6 mil km² no ciclo de agosto de 2024 a julho de 2025, o que representa uma queda de 11% em relação ao período anterior. Apesar da redução, o número ainda representa uma imensidão de floresta perdida. Oito dos nove estados da Amazônia Legal registraram queda, mas o Mato Grosso, que mais produz para o agronegócio brasileiro, apresentou aumento de 25% no desmatamento no período.

Por uma nova ordem do planeta

Desde o Acordo de Paris, as promessas se repetem: “neutralidade de carbono”, “economia verde”, “crescimento sustentável”. Mas o que se esconde por trás dessas expressões é a incapacidade, ou falta de vontade política, das nações em construir uma verdadeira governança global capaz de enfrentar a lógica que produz a crise climática: o capitalismo dependente do lucro, da exploração imoral dos bens naturais e da desigualdade.

Enquanto as potências disputam créditos de carbono, povos inteiros lutam por acesso à água, à terra e à energia. Ainda assim, são esses mesmos povos que mantêm vivas as formas de resistência e de cuidado com a Terra que deveriam orientar o mundo.

O Brasil, anfitrião da COP30, tenta se afirmar como liderança ambiental, mas tropeça nas contradições internas de um modelo que ainda aposta na exportação de commodities e na expansão do agronegócio. O discurso da transição ecológica não pode esconder o essencial: não há futuro verde possível em um sistema que depende da destruição permanente.

É tempo de reconhecer que o desafio climático é também um desafio político e civilizatório. Não se trata apenas de mitigar danos, mas de transformar o modo como organizamos a vida. O papel do Brasil, por sua vez, pode, e deve, ser ambicioso. Sediar a COP30 na Amazônia dá ao país uma responsabilidade que não pode se limitar a ser um palco simbólico: o Brasil deve caminhar ao lado dos povos, impulsionando uma ordem transformadora a partir do Sul Global, baseada na solidariedade, na soberania e na cooperação entre as nações.

(Brasil de Fato - Nina Fidelis)

 

 


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