Em comunidades ribeirinhas, territórios indígenas, zonas rurais e
periferias urbanas, os impactos do aquecimento global e da devastação ambiental
são mais agressivos, agravados por um racismo ambiental estrutural. Em Belém,
apenas 2,7% da população tem acesso à rede de esgoto e populações
majoritariamente negras e ribeirinhas vivem em regiões de risco.
A realização da Cúpula dos Povos, maior mobilização da sociedade civil
na história das conferências, é essencial para criar o tensionamento necessário
para o avanço real do debate. A “barqueata” de abertura reuniu caravanas de
territórios regionais, nacionais e internacionais, com mais de 200 embarcações,
exigindo a interrupção de grandes projetos do capital, denunciando as falsas
soluções climáticas e defendendo a Amazônia sob o lema: “A resposta é o povo das águas, das florestas e das periferias”.
Cacique
Raoni, com 93 anos, é uma das vozes mais influentes do mundo em defesa do
meio ambiente e participou de um debate sobre a exploração de petróleo e gás na
Bacia da Foz do Amazonas, onde fez um apelo contra o projeto. Aconselhou o
presidente Lula (PT) a não o autorizar, alertando para os riscos de poluição e
evocando o conhecimento espiritual sobre o perigo de “destruir e destruir”. “Se
continuarem fazendo essas coisas ruins [desmatamento e projetos de poluição],
vamos ter problemas. Não só nós, povos indígenas, mas todos vocês”, afirmou.
A tônica é clara: não haverá resposta possível dentro das bases
exploratórias do capitalismo. E toda destruição da natureza é também a
destruição da humanidade.
O planeta em ponto de ebulição
Somente neste último mês, uma sequência de catástrofes atingiu o
continente americano: um furacão devastou partes do Caribe e de Cuba, enchentes
históricas no sul do Brasil e um tornado no estado do Paraná, que deixou ao
menos seis mortos e cerca de 750 feridos.
O relatório Global Tipping Points 2025, divulgado em outubro, aponta que
o planeta ultrapassou seu primeiro ponto de não-retorno: o branqueamento
irreversível dos recifes de corais, causado pelo aquecimento das águas
oceânicas. É o alerta de que os sistemas de regulação da Terra começam a ruir,
e que nenhuma meta de mercado será suficiente para restaurá-los.
A Amazônia, tantas vezes
reivindicada simbolicamente como “pulmão do mundo”, enfrenta taxas ainda
alarmantes de desmatamento e mineração. É verdade que, dos anos do governo
Bolsonaro, que incentivou a destruição da floresta em favor do agronegócio e da
mineração, para os anos do governo Lula, houve uma redução nas taxas.
Segundo dados recentes, a área estimada de desmatamento foi de quase 6
mil km² no ciclo de agosto de 2024 a julho de 2025, o que representa uma queda
de 11% em relação ao período anterior. Apesar da redução, o número ainda
representa uma imensidão de floresta perdida. Oito dos nove estados da Amazônia
Legal registraram
queda, mas o Mato Grosso, que mais produz para o agronegócio brasileiro,
apresentou aumento de 25% no desmatamento no período.
Por uma nova ordem do planeta
Desde o Acordo de Paris, as promessas se repetem: “neutralidade de
carbono”, “economia verde”, “crescimento sustentável”. Mas o que se esconde por
trás dessas expressões é a incapacidade, ou falta de vontade política, das
nações em construir uma verdadeira governança global capaz de enfrentar a
lógica que produz a crise climática: o capitalismo dependente do lucro, da exploração
imoral dos bens naturais e da desigualdade.
Enquanto as potências disputam créditos de carbono, povos inteiros lutam
por acesso à água, à terra e à energia. Ainda assim, são esses mesmos povos que
mantêm vivas as formas de resistência e de cuidado com a Terra que deveriam
orientar o mundo.
O Brasil, anfitrião da COP30, tenta se afirmar como liderança ambiental,
mas tropeça nas contradições internas de um modelo que ainda aposta na
exportação de commodities e na expansão do agronegócio. O discurso da transição
ecológica não pode esconder o essencial: não há futuro verde possível em um
sistema que depende da destruição permanente.
É tempo de reconhecer que o desafio climático é também um desafio
político e civilizatório. Não se trata apenas de mitigar danos, mas de
transformar o modo como organizamos a vida. O papel do Brasil, por sua vez,
pode, e deve, ser ambicioso. Sediar a COP30 na Amazônia dá ao país uma
responsabilidade que não pode se limitar a ser um palco simbólico: o Brasil
deve caminhar ao lado dos povos, impulsionando uma ordem transformadora a
partir do Sul Global, baseada na solidariedade, na soberania e na cooperação
entre as nações.
(Brasil de Fato - Nina Fidelis)

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