O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta sexta-feira (14/11) para aceitar a denúncia contra o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e torná-lo réu por coação no curso do processo, um crime que ocorre quando alguém tenta intimidar, pressionar ou interferir em investigações, ou ações judiciais.
O parlamentar é denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por
articular sanções contra o Brasil e autoridades brasileiras, na tentativa de
influenciar o julgamento de seu pai, Jair Bolsonaro (PL), por golpe de Estado.
O empresário Paulo Figueiredo, aliado de Eduardo e
neto do ex-ditador João Batista Figueiredo, também foi alvo da denúncia, mas
será julgado em outro momento.
O julgamento é realizado no plenário virtual do STF, onde os ministros
podem registrar o voto eletronicamente, sem necessidade de sessão presencial.
Essa é a fase inicial do processo que envolve Eduardo Bolsonaro. Neste
primeiro momento, a Primeira Turma do STF, um dos dois grupos de
ministros que dividem entre si parte dos julgamentos da Corte, analisa se
recebe ou não a denúncia feita pela PGR.
Como Moraes é o relator, ele foi o primeiro a votar. Votam ainda
Cristiano Zanin, Flávio Dino e Cármen Lúcia. Eles têm até o dia 25 de novembro
para se manifestar.
Se a denúncia for aceita, Eduardo se torna réu e dá-se início a um
processo criminal, que pode levar à acusação ou absolvição do deputado.
O julgamento ainda não tem data para acontecer. Em caso de condenação, a
pena para o crime é de 1 a 4 anos de prisão e multa.
A BBC Brasil não conseguiu contato com Eduardo Bolsonaro.
Em nota enviada à BBC na época que a denúncia foi oferecida, Eduardo e
Paulo Figueiredo classificaram a ação como "fajuta" e disseram viver
sob a jurisdição americana, que garantiria a eles o direito de "peticionar
ao governo para corrigir abusos e injustiças".
"A mera criminalização do exercício de um direito constitucional
em outra jurisdição configura prática de repressão transnacional",
escreveram na nota.
"Quem adere a esse tipo de conduta sujeita-se às mesmas penalidades
e aprofunda ainda mais a crise entre Brasil e Estados Unidos."
O voto de Moraes
Moraes iniciou seu voto afastando a possibilidade de que a análise da denúncia seja anulada por não ter sido usada uma carta rogatória para um denunciado ser citado em um processo quando ele está fora do Brasil.
Em setembro, Moraes usou edital para informar Eduardo Bolsonaro que ele
estava sendo denunciado. Como o deputado não apresentou defesa prévia e nem se
manifestou, Moraes intimou a Defensoria Pública da União (DPU) para apresentar
a defesa em nome do parlamentar.
A DPU chegou a pedir que o STF notificasse o deputado por meio da carta
rogatória, um instrumento de cooperação entre países utilizado em casos assim,
para ele pudesse apresentar um advogado particular, mas o ministro negou o
pedido.
Em seu voto nesta sexta-feira, Moraes disse que Eduardo se encontra em
território estrangeiro, em endereço desconhecido, "para se furtar à
aplicação da lei penal".
O relator citou jurisprudência do STF para que Eduardo fosse citado via
edital e que a citação por carta rogatória "somente deverá ocorrer quando
o denunciado efetivamente reside no exterior", o que ele entende não ser o
caso.
"O acusado evadiu-se para os Estados Unidos da América, sem
qualquer indicação de residência e sem intenção de alteração de domicílio, com
a clara intenção de reiterar na prática criminosa e evadir-se de possível
responsabilização judicial evitando, dessa maneira, a aplicação da lei penal.
Encontra-se, portanto, em local incerto e não sabido."
A respeito da denúncia em si, o ministro destacou que há relevantes
indícios de que Eduardo Bolsonaro tenha agido para criar "um ambiente
institucional e social de instabilidade" com objetivo de coagir os
ministros do Supremo Tribunal Federal a decidir favoravelmente a seu pai no
julgamento por golpe de Estado.
Segundo Moraes, como parte de sua estratégia, Eduardo Bolsonaro anunciou
sanções a autoridades brasileiras e ameaçou gravemente os ministros,
"inclusive alardeando a possível aplicação das sanções aos demais
ministros da Primeira Turma", responsáveis pelo julgamento que condenou
Bolsonaro.
"O elemento subjetivo específico — favorecer interesse próprio ou
alheio — evidencia-se, em tese, pelo fato do denunciado pretender criar
ambiente de intimidação sobre as autoridades responsáveis pelo julgamento de
Jair Messias Bolsonaro nos autos da AP 2.668/DF e também sobre as autoridades
responsáveis por um possível projeto de anistia aos crimes imputados a Jair
Messias Bolsonaro e corréus responsáveis pela tentativa de golpe de Estado
ocorrida no Brasil", destacou.
Mudança para os EUA e mandato
Eduardo Bolsonaro viajou com a família para os Estados Unidos durante o
Carnaval, no fim de fevereiro, e não retornou ao Brasil.
No dia 18 de março, o parlamentar anunciou, em uma publicação nas redes
sociais, que estava se licenciando do cargo. O anúncio foi feito uma
semana antes de o STF tornar Bolsonaro réu por golpe de Estado, processo pelo
qual foi condenado em setembro.
Na ocasião, Eduardo alegou perseguição judicial e disse que temia ser
preso. Ele afirmou que ficaria nos EUA para se dedicar em tempo integral a
convencer o governo de Donald Trump a atuar pela anistia dos envolvidos nos
ataques de 8 de janeiro no Brasil e buscar sanções ao ministro do STF,
Alexandre de Moraes.
O parlamentar encaminhou um pedido de licença de 122 dias à Câmara dos
Deputados, que venceu em julho. Desde então, ele tem acumulado faltas e se
articulado para não perder o mandato.
A Constituição estabelece que um deputado pode perder seu mandato caso
deixe de comparecer a um terço das sessões da Casa, a menos que esteja de
licença ou em missão autorizada, o que não é o caso do parlamentar.
Segundo especialistas, caso Eduardo se torne réu no processo julgado no
STF, a Câmara ficaria pressionada a fazer algo em relação ao mandato do
parlamentar, como abrir um processo para cassar o mandato.
"A partir do momento que você tem um processo criminal, a situação
muda. Acredito que isso mobilize uma resposta da Câmara, porque ele estará
ausente, e não pode realizar atos na Câmara dessa forma", avalia o
criminalista Maurício Dieter, professor da faculdade de Direito da USP.
"Como ele vai responder a um processo criminal, sendo deputado no
Brasil, mas exercendo mandato no exterior?."
O que pode acontecer com Eduardo Bolsonaro
Caso a maioria dos ministros do STF entenda que a denúncia não cumpre os
requisitos previstos na legislação penal, a denúncia será recusada e o processo
encerrado.
Mas, se o tribunal aceitar a denúncia, Eduardo se torna réu.
Na avaliação de especialistas, o provável é que isso aconteça, já que a
denúncia preenche os pressupostos para ser admitida, como ter materialidade e
indícios de autoria.
Há dúvidas, contudo, sobre o que acontece a partir daí.
Se o processo for instaurado — e não for suspenso pela Câmara, algo
possível devido à imunidade parlamentar de Eduardo — será a primeira vez que um
deputado responderá a uma ação no Supremo enquanto está fora do país.
Segundo especialistas, o caso tem um grau de ineditismo e abre margem
para interpretações diferentes sobre o que pode acontecer daqui para frente.
Maíra Zapater, professora de Direito Penal e Processual Penal da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ressalta que, quando o réu está no
exterior, o instrumento legal para citação é a carta rogatória.
"Não é um procedimento simples, porque é um instrumento que combina
uma cooperação política internacional, diplomacia, com comunicação processual
entre dois países. Precisaria ser emitida essa carta via Itamaraty para o
Judiciário americano."
Nesse sentido, ela entende que Eduardo precisaria ser notificado por
meio desse instrumento formal, caso contrário, o processo deve ser suspenso.
O mesmo entendimento tem Dieter. De acordo com ele, quando há essa
hipótese de julgamento à revelia, em que o réu é ausente, suspende-se o
processo para não prescrever.
"É preciso dar a possibilidade de ampla defesa. Tocar um processo
com um réu ausente é uma violação ao devido processo legal", afirma.
"Conduzir todo um processo com o réu completamente ausente poderia
causar um precedente perigoso".
Já Davi Tangerino, advogado criminalista e professor de Direito Penal da
UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) não vê problemas na ausência de
Eduardo, desde que tenha ocorrido a citação.
Segundo o especialista, embora a lei preveja que o denunciado seja
pessoalmente notificado sobre uma denúncia ou processo — o que, no caso de
alguém no exterior, ocorre por meio de carta rogatória — a jurisprudência
evoluiu para permitir interpretações mais voltadas à finalidade da norma,
flexibilizando essa exigência em determinadas situações.
O importante, segundo ele, é o que o indivíduo tenha ciência do processo
e, assim, não seja processado sem saber.
"Se o debate da citação já foi superado, e já existe uma
demonstração inequívoca que ele tomou conhecimento, porque ele se manifestou
nas redes, o processo pode correr", afirma.
"Acredito que o tribunal vai entender que isso está resguardado. Me
parece que a posição de Moraes está bem clara nesse sentido, ele já considerou
que o Eduardo Bolsonaro tem ciência."
Em seu voto na sexta-feira, o ministro disse que a eventual suspensão do processo caberia ser analisada apenas após o recebimento da denúncia e com a ação penal já instaurada.édito,AFP via Getty Images
Apesar das incertezas do que o STF fará em relação ao caso, e se o deputado vai retornar ao Brasil, Dieter destaca que há medidas processuais penais, as chamadas medidas cautelares, que poderiam assegurar a presença de Eduardo no processo.
E é esperado que o Supremo faça uso delas.
"É possível antecipar que a ausência do Eduardo vai motivar o
manejo dessas medidas, como suspender salário, congelar bens, tentar diferentes
formas de constrangê-lo para voltar ao Brasil e responder ao processo."
Zapater também pontua que o STF também pode expedir um mandado de prisão
preventiva durante o curso do processo, pedindo uma cooperação da Interpol, o
que restringiria a circulação de Eduardo.
Na hipótese de condenação, os especialistas ainda avaliam que é possível
um pedido de extradição.
Contudo, a chance dessa medida ser cumprida é remota, devido à
complexidade e dificuldade de execução.
"O acordo Brasil-EUA tem uma particularidade, tem uma lista de
crimes que autoriza a extradição de parte a parte. Tem que ver se o caso do
Eduardo tem alguma equivalência, se não tiver, o pedido não vai ser nem
processado", afirma Tangerino.
"E ainda que esteja na lista, a chance disso vingar no governo
Trump beira a zero. Pelo desenho constitucional, a decisão de extraditar é do
chefe de governo", acrescenta.
Dieter concorda: "Os EUA não são pródigos em devolver
pessoas."
A denúncia
Eduardo Bolsonaro foi denunciado pela PGR em 22 de setembro sob acusação
de ter tentado influenciar o julgamento de Jair Bolsonaro no STF.
O ex-presidente foi condenado a 27 anos e três meses de
prisão por liderar uma tentativa de golpe no fim de 2022.
A denúncia, assinada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet,
foi oferecida no mesmo dia em que o governo dos Estados Unidos anunciou sanções contra a esposa do ministro Alexandre de
Moraes, Viviane Barci de Mores.
No texto, Gonet cita a mobilização de Eduardo e de Paulo Figueiredo para
a suspensão de vistos de oito ministros do Supremo Tribunal
Federal, além da aplicação da Lei Magnitsky contra Alexandre de Moraes.
Entre as evidências apresentadas estão postagens feitas por ambos nas
redes sociais e reportagens publicadas pela BBC Brasil e outros veículos.
Segundo a PGR, após Bolsonaro se tornar réu no STF, em março deste
ano, Eduardo e Figueiredo passaram a articular, junto ao governo americano,
sucessivas e continuadas ações para intervir no processo penal.
"Ambos os acusados, repetidas vezes, conforme visto,
apresentaram-se como capazes de obter sanções no exterior – que obtiveram de
fato –, de extrema gravidade nas suas consequências, tanto para a economia
nacional como para os julgadores do caso em que Jair Bolsonaro, juntamente com
Paulo Figueiredo e outros, aparece como responsável por crimes contra o Estado
Democrático de Direito", escreveu a PGR na denúncia apresentada ao STF.
"Apresentaram-se como patrocinadores dessas sanções, como seus articuladores e como as únicas pessoas capazes de desativá-las. Para a interrupção dos danos, objeto das ameaças, cobraram que não houvesse condenação criminal de Jair Bolsonaro na AP 2.668", completou a procuradoria.C
Uma reportagem da BBC News Brasil, que noticiou
que o deputado conduzia campanha para que autoridades americanas exercessem
pressão política sobre Moraes, é citada na denúncia.
Publicada em fevereiro, a reportagem registrou que, desde a posse de
Trump, Eduardo havia realizado três viagens consecutivas ao país, estando uma
quarta já programada para a semana seguinte.
"Novamente, os relatos [da reportagem] vieram a ser confirmados meses
mais tarde", escreve a PGR, na denúncia, se referindo à imposição dos EUA
de tarifas de 50% contra produtos brasileiros.
"O ineditismo da sanção econômica realça a sua ligação com as
intensas e constantes gestões dos denunciados junto às mais elevadas
autoridades norte-americanas", considera a PGR.
A procuradoria também menciona entrevistas de Eduardo a veículos de
imprensa nacionais e estrangeiros, defendendo sua atuação na imposição das
tarifas.
Uma delas foi concedida à BBC News Brasil em agosto. Nela, o
deputado disse que brasileiros entendiam que o tarifaço de Trump seria "um
sacrifício a ser feito".
Eduardo também afirmou que estava disposto a ir "até as últimas
consequências" para tirar Moraes do poder, a quem ele chamou de
"psicopata".
Momentos antes da entrevista à BBC, o deputado esteve reunido com
autoridades do governo americano para discutir possíveis novas sanções ao
Brasil ou a autoridades brasileiras.
Ele disse que pleiteava "sanções individuais para pessoas
específicas" e citou a esposa de Alexandre de Moraes, a quem ele se
referiu como "braço financeiro" do ministro.
O parlamentar ainda afirmou que não descartava sanções aos presidentes
da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi
Alcolumbre (União Brasil-AP), caso eles não dêem início à tramitação do projeto
de anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023 e ao processo de
impeachment de Moraes.
Articulação para sanções
A primeira sanção dos EUA contra o Brasil foi anunciada no início de
julho.
Donald Trump mandou uma carta pública ao presidente Lula,
anunciando tarifas de 50% sobre determinados produtos brasileiros.
Trump utilizou motivos políticos para justificar a imposição das
tarifas, entre eles o tratamento dado pelo Judiciário do Brasil a Bolsonaro e a
empresas de tecnologia americanas.
Segundo o americano, o ex-presidente, sua família e seus apoiadores
estariam sofrendo uma "caça às bruxas" devido ao julgamento que no
STF.
Na ocasião, Eduardo Bolsonaro se manifestou agradecendo Trump.
"Espero que as autoridades brasileiras agora tratem esses assuntos com a
seriedade que merecem", disse na rede social Truth Social.
O governo brasileiro acusou Eduardo de articular sanções e o presidente
Lula disse que não aceitaria interferência externa em processos judiciais
envolvendo pessoas acusadas de participar de golpe de Estado.
Cerca de duas semanas depois, no dia 18 de julho, o governo americano
anunciou sanções contra o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo de
Bolsonaro no STF.
Em uma postagem nas redes sociais, o secretário de Estado dos EUA, Marco
Rubio, informou que revogou os vistos americanos do ministro,
"seus aliados e familiares imediatos".
"A caça às bruxas política do ministro Alexandre de Moraes, do
Supremo Tribunal Federal, contra Jair Bolsonaro criou um complexo de
perseguição e censura tão abrangente que não só viola direitos básicos dos
brasileiros, mas também se estende além das fronteiras do Brasil e atinge os
americanos", argumentou Rubio.
As sanções foram anunciadas no mesmo dia em que Moraes determinou medidas restritivas a Bolsonaro,
como uso de tornozeleira eletrônica, a pedido da PGR.
O ministro argumentou que Jair Bolsonaro estaria atuando de forma
deliberada e ilícita, junto com Eduardo, para estimular sanções estrangeiras
contra agentes públicos brasileiros.
Após o anúncio da revogação dos vistos, Eduardo Bolsonaro parabenizou Rubio nas redes sociais e disse: "tem muito mais por vir".
Novas sanções vieram dias depois. Ainda em julho, o governo americano
anunciou a inclusão do nome do ministro na lista de estrangeiros punidos pela
Lei Magnitsky.
As punições incluem o bloqueio de bens e contas no país, além da
proibição de entrada em território americano.
A sanção já era uma possibilidade desde maio, quando Rubio disse que ela
estava sendo considerada.
No fim de setembro, os EUA também sancionaram a esposa de Moraes,
Viviane Barci de Moraes, com a mesma lei. A empresa administrada por Viviane e
os três filhos do casal também foi incluída na lista.
Essa última rodada de sanções aconteceu após o STF condenar Jair
Bolsonaro por golpe de Estado e outros crimes, no dia 11 de setembro.
A sanção à Viviane Moraes foi mencionada por Eduardo Bolsonaro como pressão por anistia.
(Fonte: BBC)



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