“A gente foi três meses com a
seca e com a fumaça. […] A gente só teve três aulas na semana por causa dessa
fumaça”, lembra. A região da Iará, lá em Manaus, foi uma das mais afetadas
pelas queimadas que aconteceram em 2024.
A experiência dela não é isolada. O Enzo, também da Amazônia, conta que
desde “2024 esquentou muito […] Hoje, eu nem durmo no meu quarto, eu durmo aqui
de fora”. O que essas crianças vivem já é consequência de um planeta que mudou
e que segue mudando rápido demais.
A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas
(COP30), realizada pela primeira vez em um estado amazônico, chegou a Belém
com chefes de Estado, cientistas e negociadores do mundo todo. Mas quem
também está pautando o debate são justamente aqueles que mais sentirão os
impactos da emergência climática nas próximas décadas: as crianças. Por isso, o
novo episódio do Radinho BDF, apresentado pela jornalista Camila Salmazio,
acompanha a participação das infâncias na conferência e mostra por que é tão
importante que elas estejam nos espaços onde as decisões sobre o planeta
são tomadas.
Para JP Amaral, do Instituto Alana, esse movimento é urgente. “A COP
serve para representantes dos países se encontrarem e pensarem sobre o futuro
do planeta […] E nos últimos anos as crianças estão ganhando espaço nesses
encontros”, explica.
Uma dessas vozes é a de Luna Manchinere, indígena de nove anos, que vive
em Brasília e planta feijão no quintal. Ela foi uma das selecionadas para
discursar. “Os adultos estão fazendo a parte deles. Mas também sem a gente os
adultos também não conseguiram fazer essas decisões importantes”, afirma. Para
Luna, o recado é direto: as crianças precisam estar no centro das decisões,
porque herdarão o que os adultos negociarem agora. “A resposta somos nós”, diz,
lembrando o manifesto que apresentaram no Acampamento Terra Livre.
Direto da Colômbia, Francisco Vera Manzanares, de 16 anos, reforça essa
urgência. Ele participa das COPs desde os nove anos e criou o movimento
Guardiões pela Vida. “Basicamente, as crianças são as mais afetadas pela crise
climática […] O que nós pedimos aos nossos governos é a inclusão”, afirma. Para
ele, garantir que as crianças e jovens estejam presente é “basicamente é a
maneira que nossas vozes tenham um lugar na mesa de negociação e diálogo”, como
uma forma concreta de proteger direitos fundamentais, como saúde, educação e
território, ameaçados pela crise climática.
Belém também viu as juventudes ocuparem os espaços da conferência e não
só os oficiais. A repórter Carolina Bataier, enviada especial ao COP30,
acompanhou rodas de conversa na Zona Azul, onde estava Tássia Kambeba,
adolescente indígena de 15 anos, que celebrou a maior presença de crianças
nesta edição. “Embora ainda não seja como ela gostaria, ela avaliou como
satisfatória a representação deste ano”, relata Carolina.
Já na Cúpula dos Povos, a presença infantil era ainda mais
marcante, com atividades culturais, debates e a Cúpula das Infâncias, onde
jovens de 7 a 17 anos escreveram uma carta cobrando fim do desmatamento, mais
reflorestamento e justiça climática.
Nem toda criança, porém, pôde acessar os espaços de decisão, embora viva
diretamente os impactos da conferência na cidade. Simon, de 10 anos, mora na
comunidade Vila da Barca, periferia de Belém, e viu sua rotina mudar com
as obras. “As ruas estão esburacadas e tem gente escorregando com as
bicicleta”, conta. Ele lembra que até o campinho onde jogava bola virou
depósito de material. E denuncia o absurdo do saneamento: o esgoto dos bairros
ricos passará pela sua comunidade. “Eu ia falar o certo, o justo. E não é justo
eles pensarem no povo rico acima do pessoal da periferia”, afirma.
A participação das crianças na COP, seja nos palcos oficiais, seja
denunciando o cotidiano das periferias e das aldeias, revela uma potência que
costuma ser ignorada. Para Iará, que ajudou a escrever o manifesto lido no
acampamento indígena, ser ouvida mostrou o caminho. “Os adultos estavam lendo
enquanto a gente estava lendo também. A gente conseguiu falar o que a gente tem
no nosso ponto inicial”, conta. Quando são incluídas, elas transformam a
política climática em algo vivo, concreto e profundamente humano.
E, mesmo tão novas, elas têm clareza do tamanho da luta. “Causa
angústia, porque se só eu proteger, eu não consigo proteger a terra sozinha”,
diz Luna. Mas é justamente na força coletiva, entre crianças, mães, anciãs,
povos indígenas e ativistas, que surge a esperança. Como sintetiza Iará,
numa das falas mais bonitas desta COP: “A natureza, ela é conectada com a
gente. Se a gente cuidar hoje em dia de tudo isso, no futuro a gente vai ter
ainda nossa mãe, nossos avós, nossos anciões e os nossos ancestrais”.
Sintonize
A nova temporada do Radinho BdF vai ao ar às terças-feiras, às
10h30, nas principais plataformas de streaming e também na Rádio Brasil de Fato
(98.9).
(Brasil de Fato)

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