Entre 1995 e 2024,
a renda média mensal por pessoa cresceu quase 70%, de R$ 1.191, para R$ 2.015.
O coeficiente de Gini (indicador que mede a desigualdade e varia de 0 a 100, sendo
100 a desigualdade máxima) recuou quase 18%, de 61,5 para 50,4. E a taxa de
pobreza extrema caiu de 25% para menos de 5%.
"Os resultados
indicam que, no longo prazo, o Brasil melhorou bastante", destacam Pedro
Ferreira de Souza e Marcos Hecksher, do Ipea, autores do
estudo.
Os dados, obtidos a
partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
revelam, porém, que essa melhora dos indicadores sociais não foi contínua ao
longo dos anos.
Ela foi concentrada
em dois períodos: de 2003 a 2014 e entre 2021 e 2024, tendo sido interrompida
pela crise econômica de 2014-2015 e pela pandemia.
Souza e Hecksher
buscaram analisar, então, quais foram os principais fatores por trás da
surpreendente recuperação dos indicadores sociais no pós-pandemia.
Fazendo essa
decomposição, eles descobriram que a melhora do emprego e a expansão dos programas sociais de transferência de renda tiveram
igual contribuição. Para a queda da extrema pobreza especificamente, o peso das
transferências de renda é maior.
Isso apesar de
esses programas representarem uma parcela muito menor do Produto Interno Bruto (PIB, soma de todos
os bens e serviços produzidos pelo país) do que o mercado de trabalho. Para os
pesquisadores, isso revela que a expansão do Bolsa Família nos últimos anos deu
resultado.
"Teve o
Auxílio Emergencial e o Auxílio
Brasil [durante o governo de Jair Bolsonaro], depois o Bolsa Família foi recriado [em 2023, sob
Lula], mantendo esse orçamento grandão, que hoje acaba sendo objeto de
polêmica, porque virou um programa caro", observa Pedro Ferreira de Souza,
em entrevista à BBC News Brasil.
Em 2025, o Bolsa
Família teve orçamento de R$ 158 bilhões, atrás apenas dos gastos com
Previdência Social (R$ 972 bilhões) e saúde e educação públicas (R$ 245 bilhões
e R$ 226 bilhões, respectivamente), segundo a Lei Orçamentária Anual.
"Como
pesquisadores, nós passamos anos escrevendo que o grande gargalo do Bolsa
Família era seu orçamento pequeno. Agora, ele tem um orçamento grande, então
nossa grande pergunta era: será que está dando resultado?", conta o
pesquisador. "E a nossa conclusão é inequívoca que sim."
Segundo Souza — um
dos maiores estudiosos da desigualdade no Brasil, autor do livro Uma
História da Desigualdade: a Concentração de Renda entre os Ricos no Brasil -
1926-2013, vencedor do Prêmio Jabuti em 2019 —, isso é muito importante
porque, com a expansão do Bolsa Família, aumento do número de famílias
beneficiárias, mudanças de regras e até de nomes do programa ao longo dos
últimos anos, havia o risco de ele ter se desvirtuado, perdendo a focalização
nas famílias mais pobres. Mas os dados mostram que isso não aconteceu.
"Então, de
fato está aí uma coisa que o Brasil sabe fazer: essa política assistencial de
transferência de renda para as famílias", diz Souza.
"Claro que tem
problemas, mas foram muitos avanços e vemos que estamos gastando muito
dinheiro, mas também está tendo muito retorno em termos de redução da
pobreza."
Entre 2019 e 2024,
as transferências do Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada (BPC,
benefício pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda) cresceram
135%, descontada a inflação do período, destacam os pesquisadores. Em termos
relativos, os gastos aumentaram de 1,2% para 2,3% do PIB.
O Bolsa Família
passou de 13,8 milhões de famílias beneficiárias na média em 2019, para mais de
20 milhões no começo deste ano — número já reduzido a 18,6 milhões em novembro,
após a saída de famílias devido a aumento de renda e um pente-fino feito pelo
governo.
O valor mínimo do
benefício também foi ampliado, de R$ 400 ao fim do governo de Jair Bolsonaro
(PL), para R$ 600 sob o terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Atualmente, são elegíveis ao programa famílias com renda por pessoa de até R$
218 por mês — atual linha da pobreza oficial.
Melhora dos indicadores deve arrefecer à frente
Souza, do Ipea,
observa que a melhora dos indicadores sociais entre os anos 2021 e 2024 foi
fruto de um período de muito estímulo fiscal, o que guarda semelhanças com o
ciclo anterior de redução da pobreza e da desigualdade, nos anos 2000.
"Vemos que,
nos momentos em que há condições de ter uma política fiscal mais expansionista,
é quando esses indicadores melhoram no Brasil", observa o pesquisador,
destacando que ambos os períodos de melhora dos indicadores foram marcados pelo
mercado de trabalho aquecido para trabalhadores com menor qualificação, que
sofreram particularmente com a crise de 2014-2015.
Souza pondera,
porém, que isso coloca uma incerteza à frente, posto que o ciclo de expansão do
Bolsa Família já acabou, pois não há mais espaço fiscal para novo crescimento.
Com isso, a melhora
dos indicadores deve perder força nos próximos anos, mas é preciso garantir que
ela continue, ainda que mais lenta, defende o pesquisador.
"O xis da
questão é o seguinte: como conseguir nos próximos anos manter o mercado de
trabalho aquecido, especialmente para esses trabalhadores com menos
qualificação e que tiveram muita dificuldade de inserção no mercado de trabalho
na década passada", diz Souza.
Para o pesquisador,
a chave será equacionar a questão fiscal de maneira suave, de forma a evitar
uma nova crise ou pressões inflacionárias devido ao descontrole das contas
públicas. Isso também permitiria a queda dos juros e retomada dos
investimentos, fundamental para a geração de postos de trabalho em setores como
a construção civil, que emprega muito, diz o pesquisador.
Apesar da
proximidade das eleições de 2026, Souza não vê risco de o país eleger alguém
que queira fazer cortes orçamentários muito bruscos no próximo mandato — a
exemplo de Javier Milei na Argentina ou do candidato
de direita radical chileno José Antonio Kast, que promete um drástico
ajuste fiscal de US$ 6 bilhões (quase R$ 32 bilhões), se eleito.
"[O Brasil] é
um país ainda muito desigual, em que boa parte da população tem muitas
carências ainda, não só de renda, mas de serviços públicos", diz Souza.
"Nesse
contexto, sempre é difícil fazer ajuste fiscal. Qualquer ajuste fiscal é muito
difícil de obter consenso. Há um motivo para ser tão difícil e estarmos
essencialmente há 30 anos nesse debate, desde o fim da hiperinflação."
Nesse cenário,
Souza aposta não em reformas radicais nos próximos anos, mas em mudanças
incrementais. Ele cita como exemplos recentes o programa Pé de Meia, que pode ter impacto
positivos nos indicadores educacionais nos próximos anos; a reforma tributária, que deve ter uma política
de cashback para os mais pobres com efeitos positivos para a
desigualdade; além da reforma do Imposto de Renda, com impactos
esperados principalmente para o topo da distribuição de renda.
"Não vai ser
uma revolução, nada é. Mas o que me deixa assim, moderadamente otimista — e eu
sou uma pessoa bem pessimista — é essa ideia de que pelo menos a gente vê
iniciativas que, se tudo der certo, elas podem atuar em conjunto."
Souza destaca ainda
que o levantamento publicado agora pelo Ipea foi feito com base apenas em
pesquisas domiciliares, que têm algumas limitações metodológicas, como não
captar bem a renda do topo e os impactos plenos das transferências de renda.
Os pesquisadores optaram
por usar esses dados, porém, por serem a forma mais acessível de fazer um
levantamento mais atual, já que os dados de Imposto de Renda da Receita
Federal, que permitem ver melhor a renda do topo, são divulgados tardiamente e
com muitas restrições de acesso.
Assim, o
pesquisador avalia que, nos próximos anos, quando esses e outros dados do IBGE,
como a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2024-2025, estiverem
disponíveis, será possível ter um quadro ainda mais completo da evolução da
renda, pobreza e desigualdade no Brasil.
(Fonte: BBC)




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