A Câmara de Constituição e Justiça da Câmara dos
Deputados deve colocar em pauta nesta terça-feira (4/11) um projeto de lei que
amplia o conceito de terrorismo para incluir organizações criminosas e milícias
privadas.
O projeto de lei 1.283/2025 é de autoria do
deputado Danilo Forte (União Brasil-CE) e relatado pelo deputado Nikolas
Ferreira (PL-MG).
O projeto altera a Lei Antiterrorismo (13.260, de
2016) para "ampliar as motivações do crime de terrorismo, especificar
infraestruturas críticas e serviços de utilidade pública, estender a aplicação
da lei a organizações criminosas e a milícias privadas que realizem atos de
terrorismo, além de estabelecer majorante para ato de terror cometido por meio
de recurso cibernético".
Ferreira já anunciou que pretende abrir mão da
relatoria do projeto para que ela seja assumida pelo secretário estadual de
Segurança de São Paulo, Guilherme Derrite (PP-SP), que anunciou que vai se
licenciar do cargo e voltar à Câmara dos Deputados, para liderar a questão e
vê-la aprovada no Plenário.
O projeto foi aprovado pela Comissão de Segurança
Pública e Combate ao Crime Organizado e tramita em regime de urgência.
Ferreira deu um parecer favorável para que o
projeto de lei seja aprovado na CCJ — comparando os grupos criminosos a um
Estado paralelo.
"Se se observa que um Estado qualquer, mesmo
que seja um Estado paralelo, está usurpando a soberania nacional, inclusive do
ponto de vista territorial, para oprimir nossos concidadãos, é mister que se
entre imediatamente em guerra contra tal estado", disse o deputado no seu
parecer.
"Para isso deve-se utilizar todas as
ferramentas que o Direito oferece. A presente iniciativa legislativa consiste
em uma dessas ferramentas"
Mas especialistas e acadêmicos com que a BBC News
Brasil conversou afirmam que a aprovação de projetos que ampliem o conceito de
terrorismo no Brasil para abranger as facções criminosas podem ter efeitos
negativos na economia brasileira — abrindo o país a sanções internacionais.
Efeitos indesejados e de grande escala
Ao justificar seu projeto de lei, o deputado Danilo
Forte afirma que a classificação de grupos criminosos como terroristas daria
mais ferramentas ao poder público para lidar com as facções.
"Neste sentido, este Projeto de Lei ao
tipificar atos de terror praticados por grupos criminosos organizados na Lei
Antiterrorismo brasileira, possibilita a responsabilização dos integrantes e
líderes dessas organizações por atos preparatórios, antecipando a tutela penal
para reforçar a capacidade de prevenção e resposta a essas ameaças antes que se
concretizem", afirma Forte no projeto de lei.
"Além disso, a competência investigativa passa
a ser atribuída à Polícia Federal, garantindo uma investigação mais
especializada e abrangente."
Ele argumenta também que haveria maior facilidade
para apreensão de bens de criminosos classificados como terroristas.
"A possibilidade de decretação de medidas
assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado assegura
que os recursos utilizados para financiar tais atividades sejam identificados e
bloqueados, desarticulando financeiramente os indivíduos ou redes responsáveis
por tais atos de terror", diz o deputado no projeto de lei.
"Ressalte-se que essas medidas de congelamento
de bens e valores podem ser realizadas em cooperação internacional, o que é
essencial diante da natureza transnacional do crime organizado no Brasil."
Mas para o ex-policial e pesquisador do Centro de
Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Roberto Uchôa, a simples
redesignação de facções criminosas como grupos terroristas não teria efeitos práticos significativos no combate a
grupos como o PCC e o CV.
E além disso, segundo ele, uma nova lei nesse
sentido teria um efeito indesejado para a economia brasileira — e talvez de
grande impacto.
"Eu acho que nem os deputados têm noção do que
eles estão fazendo. Eu acho que para variar, é mais uma uma discussão
legislativa com base no fígado", disse Uchôa à BBC News Brasil.
Ele acredita que se o Brasil passar a classificar
as facções como terroristas, países como os EUA "automaticamente vão
designar também".
"Dificilmente eles não vão acompanhar a
legislação brasileira", diz Uchôa, que é membro do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública (ONG apartidária que reúne especialistas na área).
"Isso tem algumas consequências que esses
parlamentares não estão verificando. Para começar, isso dá um poder para os
americanos sancionarem e prenderem qualquer pessoa ligada a essas
organizações."
Como a redesignação de facções criminosas poderia afetar a economia nacional?
O ex-policial e pesquisador dá como exemplo um
fundo de investimento que seja apontado em investigações brasileiras como
possivelmente conectado a uma organização criminosa.
"Você imagina que essa empresa que tem um
fundo de investimento ligado ao PCC seria a primeira a ser sancionada
[internacionalmente]. Começa-se sancionando ela, e depois pode se ir
sancionando outras tantas empresas que tiveram de alguma forma ligações com
esse fundo de investimento. A escala disso, nós não sabemos onde pode parar.
"
O problema maior, segundo o pesquisador, é que o
crime organizado está profundamente infiltrado na economia brasileira — atuando
em diversos setores.
Por isso, empresas e indivíduos de todos esses
setores estariam teoricamente expostos a sanções internacionais que visem combater
terrorismo — caso houvesse indício de alguma conexão com o crime organizado.
Do pix ao Banco do Brasil
Em agosto, a Polícia Federal deflagrou três
operações (Carbono Oculto, Quasar e Tank) que demonstraram o quão profunda são
essas conexões entre o crime organizado e a economia nacional.
A estimativa da PF é de que um esquema operado pelo
PCC tenha movimentado pelo menos R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024.
Uma reportagem da BBC News Brasil mostrou
como investigações policiais indicaram que o PCC controla postos de gasolina
para ganhar dinheiro sonegando impostos e adulterando combustível. Os mesmos
postos — além de padarias e lojas de conveniência — seriam então usados para
lavar dinheiro do tráfico de drogas.
Segundo as investigações, os recursos ilícitos eram
ocultados com ajuda de fintechs, empresas de tecnologia que oferecem serviços
financeiros.
Por fim, havia a suposta participação de fundos de
investimento sediados nas imediações da Faria Lima para a blindagem do
patrimônio do PCC contra eventuais investigações.
"Bancos, fintechs, mercado financeiro... a
Carbono Culto é uma evidência do tamanho da infiltração do crime organizado no
mercado financeiro. Veja só a quantidade de empresas legais que poderia se
dizer que têm envolvimento com dinheiro de origem ilegal."
Segundo Uchôa, não é nem preciso haver condenação
de nenhuma empresa ou indivíduo para que ele sejam sancionados
internacionalmente. As decisões de sanções são discricionárias dos governos —
bastando por exemplo a citação em investigações.
Isso seria particularmente problemático no caso de
agentes públicos, segundo ele.
"Vamos pensar como é que seria, por exemplo,
alguma investigação que apontasse envolvimento de agente público brasileiro com
essas organizações criminosas, o que não é difícil, porque a corrupção
envolvendo agentes públicos e organizações criminosas no brasileiro é algo de
conhecimento geral", diz.
"Os americanos poderiam sancionar todo mundo
que possa ter alguma ligação. Haja concurso público para botar gente no lugar
da quantidade de gente que vai ser sancionada dentro do serviço público da
gestão pública brasileira."
Outro problema seria o aumento dos custos para as
empresas.
"Esse tipo de legislação abre as portas para
uma quantidade impressionante de sanções em vários agentes do mercado. O país
está pronto para isso?"
"Isso vai exigir um nível de compliance e um
nível de preparo para evitar a entrada do dinheiro ilegal que vai gerar um
custo impressionante para as empresas e bancos e tudo mais."
Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio
Vargas, concorda com a avaliação de que sanções americanas — no caso de os EUA
considerarem o PCC e o CV como grupos terroristas — podem ter efeitos amplos no
Brasil.
"Eles [os EUA] teriam a possibilidade de criar
sanções e tomar ativos de forma muito mais rápida. Por exemplo, se o governo
americano de repente considerar que o Pix e o sistema bancário brasileiro têm
infiltração das facções criminosas, e que por isso precisa ser descartado do
sistema Internacional, ele pode agir. Isso pode gerar sanções que são sanções
mais pesadas", diz Alcadipani, também integrante do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública.
"Isso pode trazer complicações muito maiores
para o Brasil, inclusive de ordem geopolítica. O governo americano poderiam
tomar ativos na hora que eles quiserem. Se eles decidirem, em um exemplo
extremo, que terroristas estão fazendo transações econômicas pelo Banco do
Brasil, os EUA poderiam adotar sanções fortes sobre o Banco do Brasil."
EUA e 'narcoterroristas'
Em visita a Brasília em maio, o responsável
pelo setor de sanções do Departamento de Estado, David Gamble, solicitou
formalmente que o Brasil adotasse a designação de terroristas ao PCC e CV.
Em reuniões com representantes do Ministério da
Justiça, Gamble argumentou que essas facções criminosas têm conexões com
cartéis internacionais e representam uma ameaça à segurança dos EUA.
O governo brasileiro, porém, rejeitou o pedido. O
argumento citado na época pelo secretário nacional de Segurança Pública, Mário
Sarrubbo, em entrevistas à imprensa, foi o de que facções como PCC e CV não se
enquadram na definição de terrorismo da legislação brasileira.
Uchôa afirma que mesmo que o Brasil não classifique
PCC e CV como narcoterroristas, países estrangeiros ainda assim podem fazê-lo.
Na semana passada, Argentina e Paraguai anunciaram que adotariam essa postura.
"Os americanos não precisam de autorização do
Brasil para fazer isso. Eles podem fazer unilateralmente, como fizeram com a
Venezuela ou com o México", diz.
Em entrevista à BBC News Brasil, o relator especial
da ONU sobre Direitos Humanos e Contraterrorismo, Ben Saul, disse que o uso de
legislações antiterrorismo contra grupos criminosos pode abrir caminho para
outros tipos de abusos.
Ele cita o caso dos EUA, que em abril deste ano
designou oito cartéis de drogas — como o mexicano Sinaloa e o venezuelano Tren
de Aragua — como organizações terroristas.
Depois dessa designação, segundo Saul, o governo
americano passou a deportar imigrantes venezuelanos acusando-os de ligações com
o Tren de Aragua. E começou também a atacar barcos no mar do Caribe e no oceano
Pacífico, classificando os seus ocupantes de "narcoterroristas".
"Antes de os EUA invocarem a Lei de
Estrangeiros Inimigos para deportar centenas de venezuelanos para El Salvador
sob a alegação de suspeita de terrorismo, a primeira coisa que eles fizeram foi
declarar o Tren de Aragua como uma organização terrorista. E depois disso é que
vieram as deportações sumárias", disse Saul.
"Agora, temos ataques militares contra os
chamados narcoterroristas, dizimando-os no Caribe. Portanto, muitas vezes é um
caminho para uma série de abusos ainda maiores."
(Fonte: BBC)


Nenhum comentário:
Postar um comentário