terça-feira, 30 de dezembro de 2025

Com trabalhadores em greve, Correios anunciam reestruturação com fechamento de mil ‘agências deficitárias’: ‘Nada disso garante modernização’

A crise dos Correios ganhou um novo capítulo nesta segunda-feira (29), com o anúncio de um plano de reestruturação da estatal. Em meio a uma greve nacional da categoria, a direção da empresa confirmou que pretende fechar mil agências e abrir um Programa de Demissão Voluntária (PDV) com meta de desligar até 15 mil trabalhadores, o que representa quase um quinto da força de trabalho atual. A medida, apresentada como solução para a fragilidade financeira da estatal, foi recebida com indignação por carteiros e entidades representativas.

“Falam em modernização, mas o que a gente vê é fechamento de agência e corte de pessoal. Nada disso garante que o serviço vai melhorar”, afirma Suzy Cristiny, trabalhadora dos Correios e presidenta do sindicato da categoria no Acre. “É um plano que esvazia os Correios por dentro. Um triste episódio do desmonte”, completa.

A proposta da empresa chega em meio à greve iniciada pela categoria no último dia 16. Após semanas de mediação, houve uma audiência de conciliação nesta segunda pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), cujo resultado não foi divulgado até o início da noite. O julgamento do dissídio coletivo está previsto para esta terça-feira (30).

O plano de reestruturação foi detalhado pelo presidente da estatal, Emmanoel Rondon, durante coletiva em Brasília. Segundo ele, a captação de R$ 12 bilhões em crédito junto a cinco grandes bancos, com aval do Tesouro Nacional, é essencial para garantir liquidez e evitar o colapso operacional da empresa. O valor deve ser utilizado para quitar dívidas em atraso e dar fôlego ao fluxo de caixa.

Outras frentes do plano incluem:

Fechamento de mil agências consideradas “deficitárias”;

Demissão voluntária para até 15 mil funcionários, com economia anual estimada de R$ 2,1 bilhões;

Venda de imóveis não operacionais, que pode gerar até R$ 1,5 bilhão;

Revisão do plano de saúde Postal Saúde, para cortar R$ 700 milhões anuais;

Investimentos futuros de R$ 4,4 bilhões em automação, tecnologia da informação, e frota, previstos para o período de 2027 a 2030.

“O crédito nos permite interromper a espiral negativa herdada, recuperar a capacidade operacional da empresa e avançar com segurança na reestruturação”, disse Rondon. Mas, segundo ele, o valor captado agora pode não ser suficiente: os Correios projetam necessidade adicional de R$ 8 bilhões em 2026, ainda sem definição de origem.

Julgamento será nesta terça (30)

Enquanto a direção aposta na reestruturação, trabalhadores seguem em greve. Após rejeitarem a proposta de Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), sindicatos pedem:

Reposição da inflação nos salários;

Reedição do ACT anterior;

Aporte federal para garantir a operação da estatal.

Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios do Rio de Janeiro, Marcos Sant’Aguida, a proposta da empresa nega direitos e consolida o sucateamento iniciado no governo anterior. “A maioria esmagadora rejeitou o acordo porque ele não prevê reposição salarial. É um direito básico, garantido até pela jurisprudência do próprio TST”, afirmou.

Na tentativa de evitar agravamento da paralisação, o presidente do TST, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, determinou, por liminar, a manutenção de 80% do efetivo em operação, sob pena de multa de R$ 100 mil por dia aos sindicatos. Mas a mobilização cresceu desde o dia 23, quando sindicatos intensificaram a adesão.

Uma proposta conciliatória mediada pela presidência do TST foi rejeitada pelos Correios e o dissídio será julgado nesta terça-feira (30), às 13h30.

“Não estamos sendo ouvidos”

Na base dos Correios, o clima é de frustração. Para Wilton Domingos, que atua no interior do Mato Grosso do Sul e preside o sindicado dos carteiros no estado, o plano acentua uma lógica de esvaziamento. “Falam em crescimento, mas estão cortando quem está lá na ponta. É como se continuasse a mesma cartilha de anos atrás: encolhimento, precarização, e agora querem maquiar isso com a palavra ‘reestruturação’”, afirma.

Segundo ele, o modelo de operação dos Correios ainda exige força de trabalho humana: “Só 20% da empresa é automatizada. O restante é braçal, depende de gente. E estão propondo cortar justamente onde não dá pra cortar. Como crescer sem contratar ninguém?”

Wilton também critica a falta de diálogo com os trabalhadores. “Quem está na linha de frente não foi ouvido. E a gente quer recuperar contratos, melhorar os prazos, investir. Mas isso exige gente, não corte.”

Apesar do discurso oficial de modernização e sustentabilidade, os trabalhadores ouvidos apontam que o plano dá continuidade ao desmonte da empresa, abrindo espaço para uma eventual abertura de capital ou parceria público-privada no futuro.

“Tudo leva a crer que o objetivo é maquiar a empresa para entregar uma parte dela. Falam em tornar os Correios uma S/A, abrir capital… E a gente sabe o que isso significa”, diz Suzy. “Estão querendo vender um ativo estratégico do Estado. E tudo isso sem respeitar o papel social que os Correios têm, de garantir integração, soberania e serviço público onde ninguém mais chega.”

Entenda como os Correios chegaram à crise

A crise financeira dos Correios não começou em 2025, tampouco se explica apenas por ineficiência. A reportagem do Brasil de Fato analisou os balanços financeiros da empresa nos últimos 25 anos e constatou que, em 19 deles, a estatal registrou lucro, mesmo sendo responsável por uma missão constitucional da qual não pode abrir mão: a universalização do serviço postal, presente nos 5.570 municípios brasileiros.

“A garantia do atendimento dos Correios a toda a população também fica prejudicada no momento que esse plano também prevê o fechamento de agências. Ou seja, tudo aquilo que os trabalhadores e trabalhadoras dos Correios são contra, infelizmente está sendo elaborado e massificado nesse novo plano”, aponta afirma Suzy Cristiny.

A universalização impõe um custo alto. Em milhares de cidades pequenas e regiões remotas, a operação dos Correios é deficitária, mas mantida por obrigação legal. Ainda assim, os recursos gerados nos anos lucrativos não foram reinvestidos na empresa, nem na recomposição do quadro funcional. A estatal sofreu com contingenciamentos sucessivos e ficou mais de uma década sem realizar concursos públicos, mesmo diante da aposentadoria de milhares de servidores. Entre 2011 e 2023, o número de trabalhadores encolheu quase pela metade.

Além de operador logístico do setor postal, os Correios cumprem uma função estratégica de Estado. A empresa entrega urnas eletrônicas, livros didáticos, documentos oficiais, e atua em emergências – como enchentes ou pandemias – garantindo o atendimento a populações isoladas. Também é parceira de programas sociais com o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) como o Bolsa Família. São atividades que não interessam ao setor privado, mas que permanecem sob responsabilidade da empresa pública.

Nos últimos anos, a perda de contratos com entes públicos também impactou diretamente as receitas. Um dos golpes mais fortes veio do setor de remessas internacionais. Em 2023, o governo federal criou o programa Remessa Conforme, alterando a lógica de funcionamento do comércio de pequeno porte entre países. A medida reduziu o papel dos Correios ao permitir que empresas privadas operem diretamente a logística de mercadorias estrangeiras no Brasil. Além disso, a mudança na regulamentação aduaneira passou a incluir frete e seguro no cálculo do imposto de importação, elevando a tributação e afastando parte do fluxo que antes passava pela estatal.

Segundo dados internos da empresa, os Correios detinham quase 100% do mercado de pequenas encomendas internacionais em 2022. Em apenas um ano, essa fatia caiu para cerca de 20%. A perda de receita foi imediata, e se somou à queda no volume de cartas e telegramas, que já vinha em declínio há mais de uma década.

(Brasil de Fato)

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