A proposta da empresa chega em meio à greve iniciada pela categoria no último
dia 16. Após semanas de mediação, houve uma audiência de conciliação
nesta segunda pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), cujo
resultado não foi divulgado até o início da noite. O julgamento do dissídio
coletivo está previsto para esta terça-feira (30).
O plano de reestruturação foi detalhado pelo
presidente da estatal, Emmanoel Rondon, durante coletiva em Brasília. Segundo
ele, a captação de R$ 12 bilhões em crédito junto a cinco grandes bancos, com
aval do Tesouro Nacional, é essencial para garantir liquidez e evitar o colapso
operacional da empresa. O valor deve ser utilizado para quitar dívidas em atraso
e dar fôlego ao fluxo de caixa.
Outras frentes do plano incluem:
Fechamento de mil agências consideradas “deficitárias”;
Demissão voluntária para até 15 mil funcionários, com economia anual estimada de R$ 2,1 bilhões;
Venda de imóveis não operacionais, que pode gerar até R$ 1,5 bilhão;
Revisão do plano de saúde Postal Saúde, para cortar R$ 700 milhões anuais;
Investimentos futuros de R$ 4,4 bilhões em automação, tecnologia da informação, e frota, previstos para o
período de 2027 a 2030.
“O crédito nos permite interromper a espiral
negativa herdada, recuperar a capacidade operacional da empresa e avançar com
segurança na reestruturação”, disse Rondon. Mas, segundo ele, o valor captado
agora pode não ser suficiente: os Correios projetam necessidade adicional de R$
8 bilhões em 2026, ainda sem definição de origem.
Julgamento será nesta terça (30)
Enquanto a direção aposta na reestruturação,
trabalhadores seguem em greve. Após rejeitarem a proposta de Acordo Coletivo de
Trabalho (ACT), sindicatos pedem:
Reposição da inflação nos salários;
Reedição do ACT anterior;
Aporte federal para garantir a operação da estatal.
Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores
dos Correios do Rio de Janeiro, Marcos Sant’Aguida, a proposta da
empresa nega direitos e consolida o sucateamento iniciado no governo anterior.
“A maioria esmagadora rejeitou o acordo porque ele não prevê reposição
salarial. É um direito básico, garantido até pela jurisprudência do próprio
TST”, afirmou.
Na tentativa de evitar agravamento da paralisação,
o presidente do TST, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, determinou, por
liminar, a manutenção de 80% do efetivo em operação, sob pena de multa de R$
100 mil por dia aos sindicatos. Mas a mobilização cresceu desde o dia 23,
quando sindicatos intensificaram a adesão.
Uma proposta conciliatória mediada pela presidência
do TST foi rejeitada pelos Correios e o dissídio será julgado nesta terça-feira
(30), às 13h30.
“Não estamos sendo ouvidos”
Na base dos Correios, o clima é de frustração. Para
Wilton Domingos, que atua no interior do Mato Grosso do Sul e preside o
sindicado dos carteiros no estado, o plano acentua uma lógica de esvaziamento.
“Falam em crescimento, mas estão cortando quem está lá na ponta. É como se
continuasse a mesma cartilha de anos atrás: encolhimento, precarização, e agora
querem maquiar isso com a palavra ‘reestruturação’”, afirma.
Segundo ele, o modelo de operação dos Correios
ainda exige força de trabalho humana: “Só 20% da empresa é automatizada. O
restante é braçal, depende de gente. E estão propondo cortar justamente onde
não dá pra cortar. Como crescer sem contratar ninguém?”
Wilton também critica a falta de diálogo com os
trabalhadores. “Quem está na linha de frente não foi ouvido. E a gente quer
recuperar contratos, melhorar os prazos, investir. Mas isso exige gente, não
corte.”
Apesar do discurso oficial de modernização e
sustentabilidade, os trabalhadores ouvidos apontam que o plano dá continuidade
ao desmonte da empresa, abrindo espaço para uma eventual abertura de capital ou
parceria público-privada no futuro.
“Tudo leva a crer que o objetivo é maquiar a
empresa para entregar uma parte dela. Falam em tornar os Correios uma S/A,
abrir capital… E a gente sabe o que isso significa”, diz Suzy. “Estão querendo
vender um ativo estratégico do Estado. E tudo isso sem respeitar o papel social
que os Correios têm, de garantir integração, soberania e serviço público onde
ninguém mais chega.”
Entenda como os Correios chegaram à crise
A crise financeira dos Correios não começou em
2025, tampouco se explica apenas por ineficiência. A reportagem do Brasil de
Fato analisou os balanços
financeiros da empresa nos últimos 25 anos e constatou que, em
19 deles, a estatal registrou lucro, mesmo sendo responsável por uma missão constitucional
da qual não pode abrir mão: a universalização do serviço postal, presente nos
5.570 municípios brasileiros.
“A garantia do atendimento dos Correios a toda a
população também fica prejudicada no momento que esse plano também prevê o
fechamento de agências. Ou seja, tudo aquilo que os trabalhadores e
trabalhadoras dos Correios são contra, infelizmente está sendo elaborado e
massificado nesse novo plano”, aponta afirma Suzy Cristiny.
A universalização impõe um custo alto. Em milhares
de cidades pequenas e regiões remotas, a operação dos Correios é deficitária,
mas mantida por obrigação legal. Ainda assim, os recursos gerados nos anos
lucrativos não foram reinvestidos na empresa, nem na recomposição do quadro
funcional. A estatal sofreu com contingenciamentos sucessivos e ficou mais de
uma década sem realizar concursos públicos, mesmo diante da aposentadoria de
milhares de servidores. Entre 2011 e 2023, o número de trabalhadores encolheu
quase pela metade.
Além de operador logístico do setor postal, os
Correios cumprem uma função estratégica de Estado. A empresa entrega urnas
eletrônicas, livros didáticos, documentos oficiais, e atua em emergências –
como enchentes ou pandemias – garantindo o atendimento a populações isoladas.
Também é parceira de programas sociais com o INSS (Instituto Nacional do Seguro
Social) como o Bolsa Família. São atividades que não interessam ao setor
privado, mas que permanecem sob responsabilidade da empresa pública.
Nos últimos anos, a perda de contratos com entes
públicos também impactou diretamente as receitas. Um dos golpes mais fortes
veio do setor de remessas internacionais. Em 2023, o governo federal criou o
programa Remessa Conforme, alterando a lógica de funcionamento do comércio de
pequeno porte entre países. A medida reduziu o papel dos Correios ao permitir
que empresas privadas operem diretamente a logística de mercadorias
estrangeiras no Brasil. Além disso, a mudança na regulamentação aduaneira
passou a incluir frete e seguro no cálculo do imposto de importação, elevando a
tributação e afastando parte do fluxo que antes passava pela estatal.
Segundo dados internos da empresa, os Correios
detinham quase 100% do mercado de pequenas encomendas internacionais em 2022.
Em apenas um ano, essa fatia caiu para cerca de 20%. A perda de receita foi
imediata, e se somou à queda no volume de cartas e telegramas, que já vinha em
declínio há mais de uma década.
(Brasil
de Fato)

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