Mas, uma vez que o ganhador é anunciado e retira o prêmio, surge outra questão mais interessante: o que acontece com todo aquele dinheiro?
Estudos feitos por Jay L. Zagorsky, da Universidade de Boston, e outros
pesquisadores, e publicados no site The Conversation, mostram que muitas vezes esse
dinheiro não é tudo o que se imagina.
Em 2018, o prêmio acumulado de US$ 1,5 bilhão (R$ 8,3 bilhões, na
conversão atual) da Mega Millions, nos Estados Unidos, saiu para um único
apostador.
A probabilidade de ganhar é muito pequena — aproximadamente uma em 303
milhões. Ou seja, você tem cerca de 400 vezes mais chances de ser atingido por
um raio.
Se cada adulto nos EUA comprasse apenas um bilhete, com combinações de
números diferentes, ainda haveria uma probabilidade razoável — cerca de 7% — de
não haver vencedor e de o montante crescer ainda mais.
Um prêmio menor do que parece
A primeira coisa a ter em mente, segundo Zagorsky, é que, embora o valor
do prêmio seja muito alto, o pagamento real será muito menor.
O vencedor não receberá um cheque de US$ 1,5 bilhão no dia seguinte.
Como único ganhador, ele, ou ela, pode escolher entre um pagamento único de
cerca de US$ 878 milhões (R$ 4,8 bilhões) ou receber US$ 1,5 bilhãoem parcelas
anuais que aumentam progressivamente em 30 anos.
Depois disso, vem a mordida do imposto. Se o vencedor for de um Estado
americano que não cobre imposto sobre loteria, como a Flórida ou o Texas, e
optar por um montante único, o governo federal vai abocanhar US$ 211 milhões
(R$ 1,1 bilhão), restando US$ 667 milhões (R$ 3,6 bilhões).
No caso, o bilhete premiado teria sido comprado na Carolina do Sul, que
morderia mais 7%, deixando o vencedor com cerca de US$ 606 milhões (R$ 3,3
bilhões)
O prêmio está começando a diminuir, embora ainda reste uma porção
generosa.
Para onde vai o dinheiro
No imaginário popular, ganhar na loteria é sinônimo de mudar de vida. Em
artigo de 2001, os economistas Guido Imbens e Bruce Sacerdote, em parceria com
o estatístico Donald Rubin, mostraram que isso provavelmente acontece, mas que
as pessoas tendem a gastar mais aquilo que elas ganham inesperadamente.
Uma análise financeira de ganhadores de loteria, realizada cerca de dez
anos após eles conquistarem o prêmio, revelou que essas pessoas economizaram
apenas 16 centavos de cada dólar recebido.
Na pesquisa realizada por Zagorsky, ele mostra que indivíduos que
receberam uma herança ou uma grande doação financeira aos 20, 30 e 40 anos
perderam rapidamente metade do dinheiro devido a gastos ou investimentos mal
feitos.
E outros estudos mostraram que ganhar na loteria em geral não ajuda quem
tem dificuldade financeira a resolver seus problemas — apenas adia a inevitável
falência. Um desses estudos revelou que um terço dos ganhadores perde tudo.
Não é fácil 'torrar' tudo
Como um ganhador de loteria consegue gastar centenas de milhões de
dólares tão depressa? Não é fácil.
Uma pesquisa demográfica sobre as características dos apostadores sugere
que o auge das apostas em loteria acontece quando as pessoas estão na faixa dos
30 a 39 anos e diminui à medida que elas envelhecem. Nos EUA, a expectativa de
vida é de 79 anos.
Supondo que o vencedor esteja na casa dos 30 anos, significa que ele
teria cerca de 45 anos para gastar, digamos, US$ 900 milhões, já descontado os
impostos (R$ 4,8 bilhões).
Isso quer dizer que ele precisaria desembolsar pouco menos de US$ 20
milhões (R$ 110 milhões) por ano ou aproximadamente US$ 55 mil (R$ 304 mil) por
dia para acabar com o dinheiro — ainda considerando os juros acumulados no
banco em 2018, quando o estudo foi feito.
Além disso, gastar tudo significa que o ganhador não tem bens. Se ele
usasse o dinheiro para comprar casas de luxo, quadros do Banksy, Ferraris e
Aston Martins, seu patrimônio líquido não mudaria e ele seria capaz de se
aposentar com sua riqueza intacta — pressupondo que o valor dos investimentos
se mantivesse ou aumentasse.
"Torrar" todo o dinheiro, o que leva à falência e pouca
poupança, significa que o vencedor não tem nada palpável para comprovar seus
gastos, além do fato de ter se divertido.
Da riqueza à sarjeta
E foi basicamente isso que um homem chamado Huntington Hartford fez.
O americano, que viveu de 1911 a 2008, herdou a fortuna da Great
Atlantic & Pacific Tea Company. A empresa, aberta pouco antes da Guerra
Civil, é mais conhecida como a rede de supermercados A&P.
Foi a primeira loja de alimentos de costa a costa dos EUA e, da Primeira
Guerra Mundial até a década de 1960, era o que o Walmart representa para os
consumidores americanos de hoje.
Hartford herdou aproximadamente US$ 90 milhões (R$ 498 milhões) quando
tinha 12 anos. Se corrigirmos o valor pela inflação, significa que ele ganhou
mais de US$ 1,3 bilhão (R$ 7,1 bilhões), descontada a taxação , quando criança.
Mas declarou falência em 1992, aproximadamente 70 anos após receber uma das
maiores fortunas do mundo.
Ele teve o efeito contrário do toque de Midas (expressão da mitologia
grega que descreve a habilidade de transformar tudo em ouro ao toque).
Perdeu milhões comprando imóveis, criando um museu de arte, patrocinando
peças teatrais e espetáculos. Combinou a falta de aptidão para os negócios com
um estilo de vida excepcionalmente luxuoso.
Depois de declarar falência, viveu recluso nas Bahamas com uma das
filhas até morrer.
(Fonte: BBC)

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