As mensalidades de valor muitas vezes astronômico das escolas
particulares no Brasil se traduzem em ensino de ponta, bem superior ao do
escola pública?
De acordo
com o recém-divulgado estudo Pisa (Programa Internacional de Avaliação de
Alunos), que avalia a aprendizagem de alunos de 15 anos em 70 países e
territórios, a resposta pode ser: nem sempre.
Considerada
uma das mais importantes do mundo no que diz respeito à educação, a avaliação
mostra que estudantes mais ricos em escolas particulares se saíram apenas um
pouco melhor que colegas de pior condição sócio-econômica que estudam na rede
pública.
A diferença
de qualidade entre os dois tipos de educação é menor no Brasil do que em outros
países que submeteram ao Pisa. "Entre
os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico,
que organiza o relatório), o desempenho em ciências de um aluno de nível
socioeconômico mais elevado é, em média, 38 pontos superior ao de um aluno com
um nível socioeconômico menor. No Brasil, esta diferença corresponde a 27
pontos, o que equivale, aproximadamente, ao aprendizado de um ano letivo",
afirma o relatório do Pisa.
Isso
significa que a escola pública é de qualidade e está quase alcançando a rede
privada em termos de aprendizagem do ano?
Pelo
contrário, afirmam especialistas ouvidos pela BBC Brasil sobre o panorama da
educação do país. Eles apontam duas causas principais pela performance baixa
das escolas privadas:
• Formação
deficiente dos professores, tanto da escola pública como da particular.
• Grade
curricular engessada, que não dá autonomia ao professor.
Andreas
Schleicher, diretor de educação da OCDE e coordenador das provas do Pisa, falou
sobre as escolas privadas brasileiras em um seminário da Associação de
Jornalistas de Educação (Jeduca):
"As
escolas particulares vão melhor no Pisa, mas a diferença é pequena. Por atender
a um público privilegiado, elas (escolas particulares) deveriam se comparar com
escolas do mundo em situação semelhante. Mas não conseguem competir",
afirmou o diretor.
Mesma faculdade ruim - Para a diretora global de Educação do Banco Mundial, Claudia Costin,
que dá aulas na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos (e foi secretária
municipal de Educação do Rio de Janeiro), a raiz dos problemas está na formação
deficiente dos professores.
"Se nós
estamos em um patamar muito baixo, e os alunos mais ricos estão só um pouco na
frente, isso quer dizer que as escolas privadas de bom nível estão com os
mesmos tipos de professores que as públicas. Professores com a mesma formação
acadêmica. É aí que mora o problema", afirmou.
Na opinião
de Costin, boa parte fez o mesmo tipo de faculdade, que foca excessivamente nos
fundamentos, como Sociologia e História da Educação, e muito pouco em como se
ensina na prática.
"É
claro que um instituto privado pode estruturar melhor o processo pedagógico ou
ter mais agilidade para contratar e demitir professores. Mas a formação desses
professores foi a mesma, e muitos dão aula em instituições particulares e
públicas para terem salário mais alto e estabilidade", diz.
'Ilusão' - Para Maria Rehder, coordenadora de Projetos da Campanha Nacional pelo
Direito à Educação - que reúne organizações da sociedade civil em prol da
promoção da qualidade do ensino -, "imaginar que a escola privada é muito
melhor no Brasil é uma ilusão".
Na opinião
dela, "é preciso mais liberdade para o professor, para que ele tenha mais
autonomia".
Um tipo de
liberdade que o professor tem cada vez menos por aqui, segundo especialistas e
os próprios estudantes brasileiros ouvidos pelo Pisa. Menos da metade disse que
o professor muda a aula se houver problemas como, por exemplo, se a maioria dos
estudantes não entender a matéria.
Sistemas de
ensino como o finlandês estão baseados justamente nos alunos, adaptando as
aulas e os projetos de acordo com os interesses, as habilidades e as
dificuldades deles.
"É
claro que a formação fraca do professor colabora para o baixo desempenho. E
muitos deles fazem faculdades particulares. Mas é apenas um dos fatores",
diz Amabile Pacios, diretora da Federação Nacional das Escolas Particulares
(Fenep).
"O que
vivemos hoje é um currículo muito extenso e totalmente engessado. Não há tempo
para o professor usar cinco aulas elaborando um conceito ou dando a aula a
partir da espontaneidade da experimentação dos alunos. Temos de dar conta de um
conteúdo gigantesco e maluco imposto pelo governo e, dessa maneira, não há
tempo para acompanhar o feijãozinho nascer", afirmou, referindo-se ao
experimento comum que as crianças mais novas fazem, com tempo, na escola.
Ciência e laboratórios - Na edição divulgada este ano, o Pisa deu ênfase à prova de ciências
que, segundo Amabile, é uma área particularmente problemática. "O
ensino de ciência aqui é muito desprezado. E , como o conteúdo acaba se
tornando muito maçante, as crianças se desinteressam."
Questionada
sobre se as escolas particulares, especialmente as que têm laboratórios, por
exemplo, não conseguiriam driblar essa morosidade com experimentos e projetos
propostos pelos alunos, Amabile diz que a falta de tempo também impede essa
abordagem.
A diretora
cita outro prejuízo que, em sua opinião, prejudica a performance dos alunos:
"A escola precisa ouvir a comunidade em que está inserida e, assim, tratar
sua proposta pedagógica de acordo, para que aquilo faça sentido para o
aluno". (BBC)
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