Resposta pode ser mais complexa do que parece, pois leva em conta
características únicas de cada nação; mas, de modo geral, Brasil está muito
próximo da média de horas trabalhadas de países ricos. Dias atrás, o Tribunal Superior do
Trabalho decidiu pelo fim do direito dos bancários a descanso remunerado aos
sábados, o que levou muitos a se perguntarem: o brasileiro trabalha muito ou
pouco? Tira poucas ou muitas férias? A resposta pode ser mais complexa do que
parece.
Para traçar uma comparação com o cenário mundial, por exemplo, é
necessário levar em conta mais do que apenas os dias efetivos sem trabalhar.
A chave está na produtividade, explica o diretor do escritório da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Peter Poschen, em
entrevista à BBC Brasil.
O cálculo do Produto Interno Bruto (PIB), a riqueza gerada pela
nação, está ancorado na capacidade de produção em relação ao tempo. Nesse
sentido, é importante compreender o rendimento do brasileiro frente à média
mundial.
"O PIB de um país é medido por horas trabalhadas vezes a
produtividade por hora, sendo assim, só há duas formas de uma nação ficar mais
rica: aumentando a produtividade ou as horas trabalhadas", explica
Poschen.
Ele diz acreditar que, em termos de horas trabalhadas, os
brasileiros estão dentro da média mundial, chegando muito perto da média da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o
"clube" das nações mais ricas.
Em 2014, a média anual brasileira foi de 1711 horas por ano,
segundo o escritório de St. Louis do Federal Reserve, o banco central
americano, e a da OCDE, de 1763 horas por ano. "É muito próximo. O Brasil está praticamente no mesmo grupo
que Japão, Canadá, Itália e Estados Unidos", afirma Poschen.
Os japoneses trabalharam em média 1729 horas por ano em 2014, os
canadenses, 1703, os italianos, 1719, e os americanos, 1.789. A organização não
oferece esse dado sobre o Brasil, porque o país não é seu membro.
Dias livres - Aferir se uma população profissional trabalha pouco
ou muito depende não somente da quantidade de férias ou folgas remuneradas
desfrutadas por ela, mas também do contexto mundial.
"Na Europa, mais de 94% dos países têm mais de 20 dias úteis
de férias remuneradas, e, no Brasil, é semelhante a isso", diz Poschen.
O tema gerou polêmica após o Ministério do Trabalho publicar nas
redes sociais em outubro um vídeo sobre o assunto e que foi criticado por
comparar, com base em dados equivocados, os dias de férias em diversos países.
O diretor da OIT acredita que os dias livres não sejam um bom
parâmetro, porque há um desequilíbrio encoberto por outras variáveis, como os
direitos específicos de cada categoria. Por exemplo, pilotos precisam de mais
horas de descanso do que auxiliares de escritório.
Além disso, calendários de feriados mudam anualmente de país para
país, o que oferece uma base de comparação apenas aproximada. Em 2016, o Brasil
teve 19 feriados reconhecidos pelo governo.
"O Canadá oferece menos dias úteis de férias remuneradas em
comparação com o Brasil, mas, por outro lado, tem uma semana de apenas 40 horas
de trabalho, enquanto, no Brasil, são até 44 horas semanais", argumenta Poschen. "Portanto, se a questão é 'quanto as pessoas trabalham',
avaliar apenas as folgas não dá uma resposta."
Férias - A legislação brasileira estabelece uma relação
proporcional entre o direito a férias e o comparecimento ao trabalho - quem
falta mais ao serviço têm menos dias para descansar.
Se uma pessoa falta ao trabalho até cinco dias no ano, pode tirar
férias integrais, de 30 dias corridos. Entre seis e 14 dias, o empregado tem
direito a 24 dias de férias. Se faltar entre 15 e 23 dias, pode descansar 18.
E, entre 24 e até 32 dias, terá apenas 12 dias de férias.
"Mais de 96% dos países do mundo têm leis que estipulam
férias remuneradas, o que está de acordo com a convenção da OIT, que o Brasil
ratificou", afirma.
"Não podemos dizer que a quantidade de férias do brasileiro é
extraordinária. É mais do que a média de folga remunerada nas Américas, mas
nada excepcional."
No Brasil, a situação seria ainda mais complexa, porque só 60% dos
empregados têm carteira assinada, diz Poschen. Para os cerca de 40% dos
trabalhadores informais, as regras da legislação sobre dias livres "não se
aplicam de forma alguma".
O presidente da Confederação Sindical Internacional, João Felício,
aponta que a informalidade da economia brasileira resulta, na prática, em mais
horas trabalhadas. "São pessoas com uma jornada excessiva, que ultrapassa
50 a 60 horas semanais."
Países avançados - Nos Estados Unidos, a legislação não prevê um
mínimo de férias remuneradas, um benefício normalmente negociado entre
empregado e empregador.
Se por um lado trabalhadores de atividades consideradas mais
simples, como atendentes de lanchonete, podem não conseguir muitas férias, por
outro, executivos certamente obtêm um bom descanso remunerado nos seus pacotes
de bonificações.
"Os Estados Unidos são a única economia avançada no mundo que
não garante aos trabalhadores folga remunerada", afirmam os pesquisadores
Rebecca Ray e John Schmitt em estudo publicado pela Faculdade de Direito da
Universidade de Harvard.
A pesquisa No-vacation nation, USA - a
comparison of leave and holiday in OECD countries (Nação sem férias, EUA - uma comparação
de licença e férias nos países da OCDE) faz um apanhado da legislação dos
países da OCDE sobre férias e feriados.
Segundo o levantamento, além de não haver férias garantidas, não
há feriados remunerados nos Estados Unidos. Em outros países, a realidade é diferente. No Canadá, são dez dias
de férias e nove feriados remunerados por ano. No Japão, dez dias de folga e um
dia extra a cada ano que permanecer no emprego, mas não há feriados
remunerados.
Na Europa, os números variam. A Alemanha oferece de quatro a cinco
semanas de férias e mais dez feriados. A França prevê 30 dias úteis de descanso
e um feriado. No Reino Unido, são 28 dias e nenhum feriado. Em Portugal, são 22
dias úteis de férias e 13 feriados compulsórios.
O problema da não regulamentação, afirmam os pesquisadores, é que
há uma distorção nas estatísticas de produtividade e crescimento. O que faz com
que o cálculo do PIB americano não seja claro.
"A disponibilidade de folgas anuais e feriados remuneradas
têm implicações na avaliação do bem-estar econômico e social, particularmente
quando se usam indicadores comparativos como PIB per capita e produtividade por
trabalhador, que tendem a obscurecer grandes diferenças entre trabalho e lazer
nos países."
Produtividade é a chave - Se o trabalhador brasileiro não pode ser
considerado, então, um "sortudo" que tira muitas férias e, na média,
trabalha tanto quanto em países ricos, por que o avanço da riqueza nacional não
acompanha o das nações desenvolvidas?
Poschen acredita que, mais do que horas trabalhadas por ano, a
produtividade seja determinante para aferir a eficiência econômica.
"Em 1970, brasileiros trabalhavam 2145 horas por ano em
média, em comparação com 1711 em 2014. Então, houve uma forte redução em horas
trabalhadas, mas isso, obviamente, não deixou o país mais pobre. O Brasil se
desenvolveu enormemente nesse tempo. Por isso, é importante observar os ganhos
em produtividade", exemplifica.
"Veja, por exemplo, a Alemanha, onde a média de horas
trabalhadas é de 1366 por ano, enquanto o PIB per capita alemão é três vezes
superior ao do Brasil."
Relatórios de organizações como OCDE, OIT e Banco Mundial afirmam
que o aumento de produtividade per capita é resultado, entre outros fatores, da
maior capacitação dos trabalhadores, por meio de estudo e treinamento, e do
desenvolvimento e aplicação de novas tecnologias de produção e logística.
"Nas próximas décadas, o crescimento global será afetado pelo
envelhecimento da população. Mais do que nunca, a produtividade será o
principal motor para o crescimento e a prosperidade futuros", diz o
vice-diretor para Emprego, Trabalho e Assuntos Sociais da OCDE, Mark Pearson, à
BBC Brasil.
A média de produtividade por hora por trabalhador nos países da
OCDE é de cerca de US$ 50 (R$ 169), apontam os dados mais recentes, de 2014.
Dentre os mercados analisados, o México está em último, com cerca de US$ 20 (R$
68). Luxemburgo vem no topo, com pouco mais de US$ 90 (R$ 304).
Por não fazer parte da organização, o Brasil não está incluído
nesta média produtiva. Uma outra comparação feita pela própria OCDE sugere, no
entanto, que o país ainda pode melhorar bastante sua geração de riqueza em
relação ao mundo.
Sem levar em conta a economia informal do país, a estimativa feita
há dois anos aponta que cada trabalhador brasileiro produz por ano menos de 20%
da riqueza gerada no mesmo período por um trabalhador médio da OCDE.
Portanto, ao mesmo tempo que no Brasil já se trabalha quase tanto
quanto nos países ricos,
a qualidade desse trabalho e as estruturas de produção
disponíveis ainda podem melhorar muito, com investimentos em educação,
pesquisa, desenvolvimento, tecnologia e logística. (BBC)
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