Um projeto de
lei que proíbe o aborto a partir do momento em que é possível detectar
batimentos cardíacos no feto - o que, segundo especialistas, ocorre em torno da
sexta semana de gestação - vem causando polêmica nos Estados Unidos e é o
exemplo mais recente de medidas adotadas por alguns Estados para restringir o
acesso ao procedimento, que é legal no país.
Aprovada nesta semana pelo legislativo do Estado de Ohio, a proposta é
considerada uma das mais rígidas dos EUA e não prevê exceções nem mesmo em caso
de estupro ou incesto, mas somente quando o aborto for necessário para salvar a
vida da gestante.
"Com seis semanas de gestação, muitas mulheres ainda nem sabem que
estão grávidas", disse à BBC Brasil a especialista em legislação estadual
Amanda Allen, do Center for Reproductive Rights (Centro de Direitos
Reprodutivos, em tradução livre), com sede em Nova York.
Caso não seja vetada pelo governador, o republicano John Kasich, em um
prazo de 10 dias úteis (contados a partir da última terça-feira), a lei entrará
em vigor no início do próximo ano.
Em outro caso que também tem gerado controvérsia, entra em vigor neste
mês no Texas uma lei que obriga hospitais e clínicas a enterrarem ou cremarem
embriões e fetos abortados, mesmo aqueles com poucos dias ou semanas. A regra
não se aplica a abortos espontâneos.
O governador do Texas, o republicano Gregg Abbott, disse que fetos não
devem ser "tratados como lixo hospitalar e descartados em aterros
sanitários", e os autores afirmam que a lei busca proteger a saúde e
segurança pública.
Mas críticos consideram a medida desnecessária e reclamam dos custos.
"É meramente uma maneira de envergonhar e estigmatizar mulheres que buscam
abortos", diz Allen.
"É possível que os custos sejam proibitivos. Acreditamos que outra
intenção dessa lei seja dificultar que clínicas permaneçam abertas",
afirma.
Restrições - Diversas organizações de defesa do direito ao aborto já
alertaram que poderão questionar a constitucionalidade dessas leis na Justiça.
Ao contrário do Brasil, onde o aborto é ilegal (com exceção de casos de
estupro, fetos anencéfalos ou quando a gravidez pode levar à morte da mulher),
nos Estados Unidos o procedimento é permitido desde 1973, quando a Suprema
Corte (mais alta instância da Justiça americana) reconheceu esse direito na
decisão do caso "Roe vs. Wade".
No entanto, como Ohio e Texas, muitos Estados, especialmente aqueles
governados pelo Partido Republicano, vêm aprovando leis que de alguma maneira
restringem o acesso ao aborto.
A Constituição americana garante o direito ao aborto até ponto de
viabilidade fetal (a partir do qual o feto pode sobreviver fora do útero), que
varia, mas pode ocorrer em torno de 24 semanas.
Muitos Estados impõem restrições a partir desse ponto. Alguns exigem que
a partir de determinado número de semanas de gestação, o aborto só seja
autorizado se um médico determinar que o feto não tem chance de sobreviver fora
do útero.
Segundo o Guttmacher Institute, organização de pesquisa que defende
direitos reprodutivos e monitora leis sobre o tema, 43 dos 50 Estados
americanos proíbem o aborto a partir de determinado período da gestação.
Há diversas outras restrições: 38 Estados exigem que o aborto seja
executado por médico licenciado, 18 determinam que seja feito em hospital a
partir de determinado ponto da gestação, 18 obrigam a presença de um segundo
médico, 11 limitam a cobertura de abortos por planos de saúde e 42 permitem que
instituições se recusem a realizar o procedimento.
Conforme o levantamento do Guttmacher Institute, 17 Estados obrigam a
mulher a passar por aconselhamento antes de um aborto, 27 estabelecem um
período de espera, geralmente de 24 horas, entre a consulta e o procedimento, e
37 exigem algum tipo de consentimento dos pais no caso de gestantes menores de
idade.
Governo Trump - Allen salienta que, apesar de muitos Estados aprovarem
restrições, há também vários outros com iniciativas para melhorar o acesso ao
aborto, com medidas como proibir médicos de fornecer informações falsas ou
enganosas sobre o procedimento ou proteger pacientes e funcionários de
violência nas imediações de clínicas, entre outras.
"Mas, infelizmente, a tendência nos últimos seis anos, com tantos
Estados com maioria conservadora, tem sido restringir o acesso ao aborto",
observa.
Arkansas e Dakota do Norte já aprovaram leis semelhantes a de Ohio, mas
que acabaram sendo consideradas inconstitucionais em tribunais federais.
A própria Câmara de Ohio já havia aprovado projetos similares, que nunca
passaram pelo Senado estadual, por temor de que fossem considerados inconstitucionais.
No entanto, a vitória do candidato republicano à Presidência americana,
Donald Trump, e o fato de o partido ter garantido a maioria na Câmara dos
Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados federais) e no Senado,
serviram de incentivo para os defensores da proposta.
Logo após tomar posse, no próximo mês, Trump deverá indicar um juiz para
ocupar na Suprema Corte a vaga de Antonin Scalia, morto em fevereiro. O
presidente-eleito já disse várias vezes que pretende indicar juízes contrários
ao aborto.
"Um novo presidente, novos indicados para a Suprema Corte, mudam a
dinâmica, e houve consenso para ir adiante com a medida", disse o
presidente do Senado de Ohio, o republicano Keith Faber, após a votação final
da lei. "Acho que (a lei) tem mais chance do que antes." (BBC)
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