segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Proibição após batimento cardíaco, funeral para fetos: como novas leis tentam restringir aborto nos EUA

Um projeto de lei que proíbe o aborto a partir do momento em que é possível detectar batimentos cardíacos no feto - o que, segundo especialistas, ocorre em torno da sexta semana de gestação - vem causando polêmica nos Estados Unidos e é o exemplo mais recente de medidas adotadas por alguns Estados para restringir o acesso ao procedimento, que é legal no país.

Aprovada nesta semana pelo legislativo do Estado de Ohio, a proposta é considerada uma das mais rígidas dos EUA e não prevê exceções nem mesmo em caso de estupro ou incesto, mas somente quando o aborto for necessário para salvar a vida da gestante.


"Com seis semanas de gestação, muitas mulheres ainda nem sabem que estão grávidas", disse à BBC Brasil a especialista em legislação estadual Amanda Allen, do Center for Reproductive Rights (Centro de Direitos Reprodutivos, em tradução livre), com sede em Nova York.


Caso não seja vetada pelo governador, o republicano John Kasich, em um prazo de 10 dias úteis (contados a partir da última terça-feira), a lei entrará em vigor no início do próximo ano.


Em outro caso que também tem gerado controvérsia, entra em vigor neste mês no Texas uma lei que obriga hospitais e clínicas a enterrarem ou cremarem embriões e fetos abortados, mesmo aqueles com poucos dias ou semanas. A regra não se aplica a abortos espontâneos.


O governador do Texas, o republicano Gregg Abbott, disse que fetos não devem ser "tratados como lixo hospitalar e descartados em aterros sanitários", e os autores afirmam que a lei busca proteger a saúde e segurança pública.


Mas críticos consideram a medida desnecessária e reclamam dos custos. "É meramente uma maneira de envergonhar e estigmatizar mulheres que buscam abortos", diz Allen.


"É possível que os custos sejam proibitivos. Acreditamos que outra intenção dessa lei seja dificultar que clínicas permaneçam abertas", afirma.


Restrições - Diversas organizações de defesa do direito ao aborto já alertaram que poderão questionar a constitucionalidade dessas leis na Justiça.


Ao contrário do Brasil, onde o aborto é ilegal (com exceção de casos de estupro, fetos anencéfalos ou quando a gravidez pode levar à morte da mulher), nos Estados Unidos o procedimento é permitido desde 1973, quando a Suprema Corte (mais alta instância da Justiça americana) reconheceu esse direito na decisão do caso "Roe vs. Wade".


No entanto, como Ohio e Texas, muitos Estados, especialmente aqueles governados pelo Partido Republicano, vêm aprovando leis que de alguma maneira restringem o acesso ao aborto.


A Constituição americana garante o direito ao aborto até ponto de viabilidade fetal (a partir do qual o feto pode sobreviver fora do útero), que varia, mas pode ocorrer em torno de 24 semanas.


Muitos Estados impõem restrições a partir desse ponto. Alguns exigem que a partir de determinado número de semanas de gestação, o aborto só seja autorizado se um médico determinar que o feto não tem chance de sobreviver fora do útero.


Segundo o Guttmacher Institute, organização de pesquisa que defende direitos reprodutivos e monitora leis sobre o tema, 43 dos 50 Estados americanos proíbem o aborto a partir de determinado período da gestação.


Há diversas outras restrições: 38 Estados exigem que o aborto seja executado por médico licenciado, 18 determinam que seja feito em hospital a partir de determinado ponto da gestação, 18 obrigam a presença de um segundo médico, 11 limitam a cobertura de abortos por planos de saúde e 42 permitem que instituições se recusem a realizar o procedimento.


Conforme o levantamento do Guttmacher Institute, 17 Estados obrigam a mulher a passar por aconselhamento antes de um aborto, 27 estabelecem um período de espera, geralmente de 24 horas, entre a consulta e o procedimento, e 37 exigem algum tipo de consentimento dos pais no caso de gestantes menores de idade.


Governo Trump - Allen salienta que, apesar de muitos Estados aprovarem restrições, há também vários outros com iniciativas para melhorar o acesso ao aborto, com medidas como proibir médicos de fornecer informações falsas ou enganosas sobre o procedimento ou proteger pacientes e funcionários de violência nas imediações de clínicas, entre outras.


"Mas, infelizmente, a tendência nos últimos seis anos, com tantos Estados com maioria conservadora, tem sido restringir o acesso ao aborto", observa.


Arkansas e Dakota do Norte já aprovaram leis semelhantes a de Ohio, mas que acabaram sendo consideradas inconstitucionais em tribunais federais.


A própria Câmara de Ohio já havia aprovado projetos similares, que nunca passaram pelo Senado estadual, por temor de que fossem considerados inconstitucionais.


No entanto, a vitória do candidato republicano à Presidência americana, Donald Trump, e o fato de o partido ter garantido a maioria na Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados federais) e no Senado, serviram de incentivo para os defensores da proposta.


Logo após tomar posse, no próximo mês, Trump deverá indicar um juiz para ocupar na Suprema Corte a vaga de Antonin Scalia, morto em fevereiro. O presidente-eleito já disse várias vezes que pretende indicar juízes contrários ao aborto.


"Um novo presidente, novos indicados para a Suprema Corte, mudam a dinâmica, e houve consenso para ir adiante com a medida", disse o presidente do Senado de Ohio, o republicano Keith Faber, após a votação final da lei. "Acho que (a lei) tem mais chance do que antes." (BBC)



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