Quando relembro as memórias do seminário, revivo os
inesquecíveis finais de férias seguidos das saudosas viagens de trem que os
seminaristas faziam de Crateús a Sobral. Como a mim, com certeza marcaram as
vidas de muitos colegas. As viagens aconteciam sempre no inicio de fevereiro e
agosto, após primorosos dias que passávamos felizes ao lado de familiares e
amigos.
Quartanistas
do Seminário Diocesano São José de Sobral em 1962: Bruno Alves, José Welington,
Ribamar, Erasmo, Francisco Cunha, Francisco Welington, José Alcir, Flávio
Machado, Cristóvão Aragão, Luciano Lobo, Abdoral Eufrasino e Joviniano Lopes.
A compra de utensílios pessoais e a renovação do
enxoval transformavam numa contagem regressiva os últimos dias de férias. A
expectativa da viagem ocupava as nossas mentes aumentando sempre a saudade de
casa. As despedidas do vigário da paróquia, dos familiares, vizinhos e pessoas
amigas que torciam pela ordenação de mais um padre, nos faziam encorajados
pelos votos de felicidades, êxito nos estudos e promessas de sermos sempre
lembrados em suas orações.
Às três horas da madrugada do dia previsto acordávamos
para enfrentarmos mais uma viagem rumo ao amado casarão da Betânia.
A velha Maria Fumaça que espalhava
brasas por onde passava, puxava os vagões do trem. Normalmente quatro carros se
destinavam aos passageiros de primeira e segunda classes, outro servia de
restaurante e mais um, conduzia as bagagens.
Parece que estou vendo aquela movimentação na
estação de Crateús, às quatro e meia da manhã, o trem ali parado aguardando a
hora de partir. Dado o sinal, se deslocava vagarosamente, pouco a pouco aumentando
a velocidade a ponto de, depois da ponte, no Bairro da Ilha, já termos a nítida
impressão de que as árvores e as casas à margem da estrada se deslocavam, ao
invés do trem.
Fui criado em Crateús – Ceará, no Bairro da Ilha,
perto dos trilhos, motivo por que naquele vagão, além dos meus irmãos, ninguém
melhor que eu conhecia aquelas casas localizadas ao longo da linha. Assim, com
o olhar saudoso via o desaparecimento de cada casa e rememorava a fisionomia
dos membros de cada família amiga que ali residia. Antes da ponte das Cajás
ficava a casa do seu Ciriáco, pai de dona Mariinha, uma das minhas primeiras
professoras. Após esta ponte em pouco tempo ultrapassávamos a última casa da
cidade.
Naquelas viagens o trem conduzia a colônia de
seminaristas de Crateús, a maior depois da de Sobral. À época de 1959 a 1963,
naquele trem viajavam o Eduardo Aragão Albuquerque, seu irmão João
Aguiar, François Torres Martins, José Israel Torres, Laureano Neto, Teoberto
Landim, Antônio Martins Vasconcelos, José Henrique Leal Cardoso, Antonio dos
Santos Soares Cavalcante, Antônio Geraldo Alencar, Gustavo Machado, Luis, filho
da dona Corina, Benjamim Soares, Narcelio Gomes, Zacarias Bezerra Neto, os
irmãos Machado que eram Francisco, Antonio, Flávio e Nilton. O Valdecí
e o Lucivaldo, vindos de Novo Oriente, também seguiam conosco e, às vezes
o Juarez Leitão que embarcava em Crateús ou em Nova Russas.
Com os primeiros raios do sol chagávamos em
Sucesso, onde estavam, a nos esperar, o José Gentil Mota e os
Tamborilenses José Océlio e o Chico Ovídio; em Nova Russas
embarcavam o Vitorino, Cícero Matos, José Alcir, Antônio Santana e, às
vezes, o Juarez Leitão. O trem seguia e em Ipueiras estavam o Geraldo
Oliveira Lima, o Arimatéia Mourão e o Abdoral Eufrasino Pinho, este descendo
a serra da Poranga vinha esperar o trem naquela estação. A cada novo embarque
era patente a satisfação de todos, pelo reencontro e pelas novidades seguidas
das expectativas da próxima estação. No Ipu, já imaginávamos o embarque
do Antônio de Pádua e do Raimundo Airton Farias; em Reriutaba
ganhávamos a companhia do Teodoro Soares, do Juvenal Furtado (Bússola)
e do Pretinho, para depois em Cariré nos encontrarmos com o José
Magalhães (Arroz Doce) e com o Maurício (Pé de Pato).
Em cada estação era grande o entra e sai de
passageiros, de forma que em Sobral, quando chegávamos às quatorze horas, o
trem estava lotado com muita gente viajando em pé. Ali com o desembarque de
muita gente e de todos os seminaristas o trem vagava bastante.
O carreteiro número sete sabia da nossa chegada e
como homem de confiança se encarregava da condução das nossas bagagens. Em duas
ou três carroças levava um grande número de malas que recebíamos no seminário.
Também na estação estavam muitos carros de praça que nos esperavam e
normalmente reuníamos um número de seminaristas capaz de lotar cada um daqueles
veículos que nos levava até o seminário, situado distante da estação.
O Casarão da Betânia estava lá, bonito e imponente,
de portas abertas para nos acolher. Lá passaríamos mais um semestre de estudos,
orações e brincadeiras. Éramos filhos retornando ao lar paterno que nos
abrigava carinhosamente. Colegas de todas as cidades da Serra da Ibiapaba e de
outras como Groaíras, Bela Cruz, Camocim, Granja, Massapê, Acaraú, Santa
Quitéria, Itapipoca, Sobral e outras nas adjacências de Sobral, aos poucos
retornavam, a ponto de no dia previsto para o início das aulas estarmos todos
reunidos.
A cada início de ano contávamos também com a
presença de um bom número de novatos, recém aprovados no exame de admissão ao
seminário, um dos melhores colégios do Ceará. Era o início de mais um semestre
letivo e novamente percorreríamos, sempre em filas indianas, aqueles corredores
imensos que nos conduziam à capela, ao refeitório, salão nobre, salas de aula,
salões de recreação, dormitórios, etc.
O seminário nos ensinava, através de uma rigorosa
disciplina, como se formava um padre e também um cidadão. Muitos padres saíram
dali e é grande o número dos que não se ordenaram e se transformaram em
médicos, engenheiros, advogados, agrônomos, bancários, comerciantes e muitas
outras profissões necessárias ao desenvolvimento do Brasil.
Aquele regulamento rígido desenvolvido pelo
seminário foi de suma importância para mim e para todos os que passaram pelo
Casarão da Betânia. Todos os ex-seminaristas que conheço são pessoas de conduta
ilibada, cidadãos disciplinados, homens bem comportados, preparados para a vida
por um educandário dirigido por padres que souberam multiplicar os talentos
dados por DEUS.
Registro saudoso os nomes dos nossos professores
como os Padres Sadoc, Austregesilo, Arnóbio, Lira, Luizito, Albany,
Osvaldo, Moésio, Zé Linhares, Tupinambá, Edson Frota, Belarmino e Edmilson
Cruz, bem como os professores leigos Maximino Barreto e Temístocles,
grandes educadores e conhecedores das mais diversas disciplinas. É impossível
citar o nome de todos os colegas, mas é grande a lembrança e a saudade de cada
um dos meus contemporâneos.
Texto de Flávio Machado, extraído do
livro “Seminário da Betânia – AD VITAM – 65 Declarações de Amor”,
Organizado por Leunam Gomes e Aguiar Moura
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