sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

COLUNA WILSON BELCHIOR: Fantasia de Carnaval

Descendo a Serra Grande, vindo do Maranhão com destino a Fortaleza, João dirigia seu caminhão transportando passageiros em bancos improvisados de madeira postos na frente da carroceria, bem como objetos de pequenos volumes, apanhados na parada do cabaré da Maria Eva.

No para-choque traseiro, numa placa a ele pendurada, estava escrito:

Meu nome é João,
Sou do Maranhão, 
E se quiser viajar na boleia 
Vindo do Maria Eva,
É de graça,
Mas não tem perdão.

- Com a frase João queria afirmar que os assentos na boleia eram reservados a passageiras especiais.

Aproximava-se a Quaresma, era uma terça-feira de carnaval e João lamentava-se dos poucos ganhos e afirmava estar há muito tempo de jejum. Mas eis que, de repente, descendo a ladeira, numa das curvas da estrada um freguês levantou a mão. Era uma freira de hábito branco, um grande chapéu encobrindo seu rosto, deixando ver a boca com um leve sorriso e os olhos com um olhar brejeiro. João exulta: Como Deus é bom, essa freirinha caiu do céu.Parou o caminhão e abrindo a porta ouviu da freira: 

- Bom dia! Poderia o senhor me levar? 

- Sim! Suba na carroceria.

- Mas eu só viajo na boleia.

- Bom dia, dona freira! Eu vinha rezando para encontrar algum freguês e, como a senhora é a primeira, quebrarei a regra e atenderei o seu pedido. Mas saiba:

Meu nome é João,
Sou do Maranhão,
Se quiser viajar na boleia,
Vindo do Maria Eva,
É de graça,
Mas não tem perdão.

A freira, sem nada entender, entrou no caminhão e sentou-se de costas para o motorista, com a cabeça parcialmente fora da janela. Postou-se como alguém que desejasse admirar a bela paisagem do pé da serra...

Momentos depois, dirigindo devagar, pensativo, envolto na fumaça do cigarro que fumava, João pensava no que fizera, quando a freira falou:

- Meu senhor, pare que ficarei aqui no Aprazível.

João parou o caminhão e disse: Dona freira, não lhe cobrarei a passagem. Desculpe-me o que fiz com a senhora. Reze para Deus me perdoar, pois Ele sabe muito bem do que um homem é capaz depois de quarenta dias de jejum.

A freira, tranqüila, respondeu: Imagina! Não há do que se desculpar. Sou eu quem terá de a Deus agradecer por ter encontrado nessa estrada um homem de jejum. Mas saiba que:

Meu nome é Juvenal, 
Sou de Sobral
E esse traje de freira 
É minha fantasia de carnaval.






(*) Wilson Belchior é engenheiro civil, articulista, poeta e memorialista.  

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