Parece que virou moda. Há contratados de
institutos que oferecem cursos de graduação que só são capazes de dar aulas se
estiverem apoiados em um data show.
Já aconteceram casos de um desses “professores” dizer que só daria aulas se
contasse com o equipamento. E aí os coordenadores locais puxam os cabelos à
procura daquilo que antes era apenas um auxiliar dos professores. Os papéis se
inverteram. Os tais “professores” viraram auxiliares dos datashows. O contratado tem apenas de fazer as conexões com o
computador, ata-los à corrente elétrica, instalar o pen drive e ficar ali deslizando os dedos nas teclas, passando as
imagens ou os textos.
Quando se trata de um texto, o contratado,
pois não merece o título de professor, vai lendo para os alunos que começam a
cochilar diante daquela monotonia. Sequer a turma é convidada a participar da
leitura. Algum tempo depois, os alunos são liberados da “tortura” e saem das
salas da mesma forma como entraram. E o
contratado sai feliz porque se demonstrou atualizado com a tecnologia. Muitos
até ainda imaginam que aquele recurso tecnológico é uma grande novidade no
Interior.
Ora, Paulo Freire, ao implantar o seu
revolucionário Método de Alfabetização de Adultos, adotava o que havia de mais
moderno à época que era o projetor de slids,
o precursor do Datashow. Aquela projeção era apenas para ampliar o tamanho de
uma imagem fixa que representava a palavra geradora que deflagrava um grande
debate no “Círculo de Cultura” como passou a ser chamada a sala de aula. Era o
reconhecimento de que todos ali sabiam, trocavam conhecimentos e aprendiam mais
uns com os outros.
Como não havia um livro a ser seguido, visto
que cada encontro tomava por base uma palavra geradora, oriunda do universo
vocabular do grupo, aquele projetor era apenas um apoio. Se o tema gerador era
FAMILIA, projetava uma imagem em que se identificava facilmente o pai, a mãe e
alguns filhos. Em torno daquela imagem produzia-se um grande debate em que cada
pessoa era estimulada a falar. Cada um fazia o seu relato, mostrava a sua visão
sobre família. O alfabetizador, devidamente preparado, conduzia a discussão.
Aquilo era o “circulo de cultura”. O importante era que se aprofundasse o
máximo possível a conversa em torno do tema gerador, exibida pelo projetor de slid.
Na etapa seguinte, aparecia a palavra
FAMILIA, projetada na parede. E aí se fazia a associação entre o tema debatido
e a sua representação escrita. Todos eram convidados a ler aquela palavra com a
qual todos já mantinham uma certa intimidade em decorrência da conversa
anterior. Liam e reliam, em conjunto ou individualmente, aquela palavra. O
professor não tomava o lugar dos alunos, lendo a palavra por eles, mas com
eles, pacientemente.
Na fase seguinte, a palavra era decomposta de
acordo com a quantidade de vezes que se abria a boca para pronunciá-la. E aí o
alfabetizador mostrava a palavra: fa-mí-li-a.
A seguir mostrava a família de cada pedaço da palavra. A família do FA: Fa, Fe,
Fi, Fo Fu. E assim por diante. E com o pedacinho de uma palavra (silaba) e o
pedacinho de outra surgiam novas palavras. Era a grande descoberta. O
conhecimento era construído no Círculo de Cultura.
O projetor de slid tinha uma função apenas de apoio para provocar a discussão, a
conversa, a troca de experiências. Bem diferente da forma como o data show tem sido usado.
Como professor, só tenho feito uso de um Datashow quando as minhas palavras e as
do grupo de alunos não são suficientes para mostrar uma realidade ou, no
máximo, para complementar uma informação. Acho, por exemplo, que um filme sobre
o rio Amazonas dirá muito melhor sobre o volume de suas águas do que as
palavras, especialmente em nossa região de pequenos riachos, por mais que sejam
exageradas. Os alunos tenderão a imaginar conforme o que conhecem. O filme ou
uma série de fotos dirão muito melhor.
Nada contra a tecnologia e seu uso na sala de
aula, mas não pode funcionar para bloquear a participação dos alunos. São eles
que estão no processo de aprendizagem. Sem participação não há aprendizagem.
Eles percebem quando estão sendo iludidos, ou melhor, quando tentam iludi-los.
Os efeitos dos professores Datashow já se fazem sentir. Acadêmicos
que não sabem ler, nem escrever. Se não são estimulados a participar, vão
acomodando-se alguns e rebelando-se outros.
E o mercado seleciona. Os concursos estão provando. Só o diploma não
salva.
Ao ministrar uma disciplina num curso de
Pós-Graduação, recentemente, para estimular a participação dos alunos, pedi que
cada um dissesse para o grupo qual o último livro que leu e que recomendaria
aos colegas. Uma decepção. Havia quem nunca tivesse lido um livro.
O Datashow
não, por si mesmo, não gera participação. Não estimula a leitura. Do jeito que
as coisas estão andando, não será surpresa se, num dia em que o articulador
local estiver aguardando a chegada de um novo professor, tenha que receber
apenas um pen drive ou um “CD”.
(*) Leunam Gomes é autor do livro PROFESSOR
COM PRAZER, onde está publicado este texto.
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