sexta-feira, 30 de março de 2018

LITERATURA CEARENSE: Betânia: Quatro anos inesquecíveis. (Por Francisco Flamarion Rodrigues*)


Não sei nem como começar. Nunca adquiri habilidade para literatura ou para a arte de escrever. Mesmo assim, vamos lá. Em 1944, nasci na zona rural do município de Ubajara, no sítio Pitanga, distante sete quilômetros da sede do município.

Minha única obrigação na infância era frequentar a escola da professora Fransquinha, onde o objetivo primeiro era aprender a ler.

Comecei pela Carta de ABC, depois veio a cartilha e exercitei a leitura do primeiro ao Quinto Livro. Isso no turno da manhã. O resto do dia era brincar de pião, caçar de baladeira e outras brincadeiras.

Aos 11 anos, fui influenciado a ingressar no Seminário de Sobral pelo conterrâneo José Cândido Fernandes que lá estudava. Sabia ler e escrever rudemente, daí a necessidade de ingressar, como de fato ingressei no Pré-Seminário, à época, dirigido pelo Padre Tupinambá (Francisco Tupinambá Melo). Os primeiros dias de internato foram de saudade. Via meu pai e minha mãe por todos os cantos daquele casarão. Dias depois, me habituei.

Meu pai chamava-se André Rodrigues da Silva, agricultor e fabricante de rapaduras a quem presto homenagem póstuma. Minha mãe é dona Amélia Fernandes da Silva, graças a Deus ainda é viva aos 96 anos, lúcida e saudável. Que coisa boa. Eu muito lhes devo.

Em 1957, fiz exame de admissão para o Seminário e, em 1958, passei a cursar o 1º ano. Entre na turma dos menores. Lá fiz boas amizades. Seu Cunha, Abdoral, Zé Célio, Arimateia, Zé Hudson e outros.  Rotineiramente, no primeiro dia de férias, era aquela festa. Logo após a missa, nós, eu e o Sena (já falecido) por sermos conterrâneos, contratávamos os serviços do carreteiro "7" para conduzir nossas malas até a agência do ônibus da empresa "O Cajazeiras". Eram 30 dias em julho, de primeiro a 31 de agosto. No fim do ano, era de 8 de dezembro a 8 de fevereiro. Duas férias por ano. No entanto, no ultimo dia caracterizava-se por uma perversa melancolia e saudades dos dias despreocupados.

Logo cedo, meu pai montava em um cavalo e colocava-me na garupa para transportar-me até a agência do ônibus em Ubajara. Minha mãe se despedia esboçando um forçado sorriso e nos acompanhava com o olhar até o cavalo desaparecer nas curvas da estrada. Em seguida, recolhia-se e desmanchava-se em choro, como depois me falou. Eu, na despedida, chorava copiosamente, e meu pai me repreendia:

-“Menino, engole este choro, quando tu crescer e se tornar padre ou doutor tu vai entender que tudo isto é para o teu bem”.

Anos depois, me acostumei e tudo se tornou rotina. Em 1959, transferi-me para a turma dos “maiores”. Leunam Gomes, Arimateia Mourão, Francisco Sampaio e eu fundamos a Rádio Itamarati. Era um serviço de alto-falantes que tinha ramificações nos (salões) recreios dos menores e dos maiores. 

A rádio tinha uma programação semelhante a qualquer outra estação de rádio: abertura, noticiário de um modo geral, notícias esportivas, e musicais. O ponto alto da audiência era a retransmissão, através da Rádio Jornal do Comercio, de Pernambuco, às 13 horas, do Repórter Esso que prendia a atenção de todos.

Os padres eram aqueles homens sábios a quem nós muito admirávamos. Preparavam-nos para a vida desde as coisas mais simples até as matérias curriculares por eles lecionadas. Lembro-me, por exemplo, que o Padre Edson Frota dizia, em sala de aula, que nas refeições nunca devemos nos fartarmos. Para uma boa digestão, é necessário sairmos da mesa com um pouquinho de fome”. Dias atrás, em um programa de televisão de muita audiência, vi e ouvi um médico dizer a mesma coisa. E comentei com os meus filhos.

Eu era fascinado pelas aulas de História do Padre Lira, o que me influenciou a formar-me em História pela UECE – Universidade Estadual do Ceará, e lecionei essa matéria.

Recordo-me das aulas de Matemática, do Padre Austregésilo (Francisco Austregésilo de Mesquita Filho) em que ele se desdobrava para fazer com que entendêssemos regras de números relativos, teoremas de Pitágoras e outros temas. Como não se reconhecer a dedicação do Padre Osvaldo Chaves, ensinando-nos Literatura e Português; Padre Zé Linhares, Ciência; Padre Albani, Latim; Padre Sadoc, Latim; Padre Moésia, Francês. Desculpem-me se omiti o nome de algum mestre.

Formei-me em História, bacharelei-me em Direito pela UFC e fiz-me Advogado. Exerci, simultaneamente, o magistério e a advocacia. Na década de 70, lecionei nos colégios São Francisco, Liceu do Ceará, Lourenço Filho e Sistema. Nos anos 80, a advocacia sufocou o magistério e lecionei apenas nas escolas da rede municipal de Fortaleza, até 1998 quando me aposentei.

Hoje, minha riqueza maior é, com a ajuda da minha esposa Zélia, ter conseguido fazer com que nossos três filhos – Andrea, Leandro e Flávia cursassem escolas de nível superior.

Trouxe comigo do Seminário conceitos da Ética e Moral que me tornaram cidadão obediente aos bons ditames da vida. Foram quatro anos inesqueciveis. De 1958 a 1961. Sem falar nos dois anos de Pré-Seminário, 1956 e 1957. Defendo a instituição familia, uma vez que sou casado há quarenta e tres anos com a mesma mulher.

Por questão de crise vocacional, deixei o velho casarão aos 18 anos de idade.





(*) Francisco Flamario Rodrigues, de Ubajara, estudou na Betânia de 1958 a 1961. Este texto está no livro  “SEMINÁRIO DA BETÂNIA – AD VITAM – 65 DECALARAÇÕES DE AMOR”, de Leunam Gomes e Aguiar Moura.


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