Roger Waters, fundador da
banda britânica de rock progressivo Pink Floyd, causou polêmica na última
semana ao incluir o nome do candidato do PSL à Presidência,
Jair Bolsonaro, numa lista de "neofascistas", ao lado de Vladimir
Putin (Rússia) e Recep Erdogan (Turquia), entre outros.
Waters - que, dentro do clima
de polarização que tomou conta do Brasil, foi elogiado e criticado entre os
próprios fãs - partilha da opinião de outros artistas e de políticos
progressistas, que veem Bolsonaro como uma ameaça à democracia brasileira. É o
que diz o presidenciável do PT, Fernando Haddad, mas
também a cantora pop Madonna e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
(PSDB), entre outros.
Mas esta opinião não é
compartilhada por todos os observadores da cena política. Para o doutor em
filosofia política e professor do Insper Fernando Schüler, Bolsonaro não
representa qualquer risco real à democracia brasileira, apesar de seu discurso
ter traços autoritários.
Ao longo de sua carreira
política e especialmente desde o começo das eleições, Bolsonaro deu várias
declarações que não caberiam a um político comprometido com o regime
democrático, lembra Schüler. "Não aceito resultado diferente da minha
eleição", chegou a dizer ele em 28 de setembro.
A questão, na visão do
cientista político em entrevista à BBC News Brasil, é que a retórica virulenta
de Bolsonaro tende a ser apenas isto: retórica. "Dos dois lados (PT e
Bolsonaro) você tem uma retórica que pode ser interpretada como de risco para a
democracia. Mas eu acho que isto fica no campo da retórica. Acho que a eleição
trata de moderar essas posições. E acho que as instituições do Brasil já deram
provas mais que suficientes de que são muito sólidas, e que não tolerariam
qualquer tipo de agressão à constitucionalidade", diz ele.
Bravata por bravata, o PT
também as faz, diz Schüler. A diferença é que a sociedade já se acostumou com o
discurso da esquerda sobre a (ausência) de democracia no país. "Quando o Lula vai ao
(jornal) The New York Times e diz (em 14 de agosto deste ano) que não existe
democracia no Brasil, que está em curso um golpe de Estado, não reconhece a
Justiça, não reconhece julgamentos do Judiciário, ele também desafia as
instituições. É que nós nos habituamos com esta retórica (da esquerda). E não
estamos habituados com a retórica da direita", diz.
"Culturalmente, nos
acostumamos a dar a devida interpretação para a retórica da esquerda. Porque a
gente sabe que é apenas uma retórica. O PT ficou 13 anos no poder e não ameaçou
a democracia. A retórica do Bolsonaro é chocante, mas gradativamente ele vai
sendo 'domesticado', e não representa risco nenhum à democracia", avalia
ele.
O bom do regime democrático,
diz Schüler, é que ele tem um componente pedagógico: políticos e cidadãos aprendem
conforme fazem escolhas - e sofrem as consequências. Ele cita a saraivada de
críticas que Bolsonaro recebeu após a fala sobre não aceitar o resultado das
eleições, no fim de setembro.
"Para mim, aquilo é um
exemplo. Qualquer tentativa de ruptura de um algum princípio democrático e
constitucional, vindo de onde venha, seja do campo do Bolsonaro, seja do campo
do Haddad (...), será imediatamente rechaçado pelas instituições, pelo
Congresso. Não teria nenhum tipo de suporte nas Forças Armadas, que já deram
demonstrações exaustivas de que cumprem seu papel constitucional", diz o
professor do Insper, gaúcho radicado em São Paulo.
"Então, acho que não dá
para confundir retórica de um parlamentar polêmico, ou mesmo retóricas de
campanha, com uma ameaça real à regra do jogo no Brasil", afirma Schüler.
"A democracia é uma
grande máquina moderadora de posições. A democracia é uma máquina inclusiva.
Mesmo agora na campanha do 2º turno, as duas candidaturas já moderaram vários
pontos de vista. Ambos abandonaram as propostas de Constituinte (que foram
negadas por ambos os candidatos logo após a votação do 1º turno). O Haddad
recuou na questão do aborto, por exemplo; Bolsonaro recuou no tema das
privatizações", diz ele, que é mestre em ciência política e doutor em filosofia
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Ambiente de 'guerra' favorece
Bolsonaro - Além disso, ao investir na narrativa sobre o "risco à
democracia", a esquerda e o PT estariam levando o jogo eleitoral para um
campo onde Bolsonaro leva vantagem - e evitando a discussão focada em propostas
para os problemas do país.
"A narrativa da defesa da
democracia fala muito com os militantes do PT, fala muito com um público que já
é do PT ou que já tenderia a apoiar o Haddad. Mas é uma retórica que acirra a
polarização. E acaba sendo eficiente para o Bolsonaro, pois este é um clima no
qual ele opera bem. O clima de 'guerra cultural' é um ecossistema no qual um
candidato populista e conservador, com as características do Bolsonaro,
funciona bem", observa ele.
"É um pouco o que o Steve
Bannon (ex-estrategista e assessor político do republicano Donald Trump, nos
EUA) dizia dos democratas nos Estados Unidos. 'Olha, se vocês insistirem na
retórica da política identitária (relacionada a direitos de minorias como
negros e homossexuais), nós vamos ganhar a eleição (de 2016)'. Nesta guerra
cultural, os conservadores se saem melhor que os progressistas, digamos",
diz.
"É isto que está
acontecendo agora no Brasil. Esta é uma retórica que ela mobiliza os militantes,
os intelectuais, os ativistas do PT, de modo geral, mas ela não fala com o
eleitor menos politizado. Ela não busca votos do outro lado", avalia ele,
que vê falhas de estratégia que explicam o desempenho fraco do PT na disputa
pelos votos.
"A grande chance de
Haddad nesta campanha era tirar votos do outro lado. Quando ele faz uma
acusação moral, uma acusação ética (contra Bolsonaro), dentro desta
metalinguagem que é muito abstrata, ela não funciona. Ela joga a discussão para
um terreno onde Bolsonaro ganha a eleição", diz Schüler. (BBC)
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