Nesta quarta, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixará a carceragem da
Superintendência da Polícia Federal em Curitiba pela primeira vez desde que foi
preso, em 7 de abril deste ano. Ele sai da prisão por algumas horas para
prestar depoimento à juíza Gabriela Hardt, que substitui Sergio Moro nas ações da
Operação Lava Jato que ainda correm na primeira instância. O
depoimento tem início previsto às 14h, na sede da Justiça Federal, também na
capital paranaense.
Embora não
tenham se esgotado as possibilidades de recurso, Lula cumpre pena
antecipadamente após condenação em segunda instância por corrupção e lavagem de
dinheiro em um processo envolvendo o tríplex no Guarajá.
Ele foi
condenado, em julho de 2017, a 9 anos e meio de prisão – sentença ampliada para
12 anos e 1 mês pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Uma
decisão do STF em 2016 autorizou as prisões a partir da condenação em segunda
instância.
O depoimento do ex-presidente nesta quarta, no entanto, é
sobre outro processo também iniciado no âmbito da Lava Jato: sobre a reforma de
um sítio que ele frequentava em Atibaia, no interior de São Paulo - uma obra
que a acusação afirma ter sido executada e custeada pelas empreiteiras
Odebrecht e OAS como propina para o petista.
O MPF diz que o sítio supostamente pertenceria ao
ex-presidente. A defesa de Lula, por sua vez, afirma que não há elementos que
provem que ele praticou quaisquer dos crimes apontados e que o petista apenas
frequentava o sítio, não era seu dono.
O que diz o Ministério Público sobre o sítio em Atibaia -
A Justiça aceitou a denúncia apresentada pelo Ministério Público em 1º de
agosto de 2017. Os procuradores da Lava Jato afirmam que as reformas
feitas pelas empreiteiras Odebrecht e OAS em um sítio frequentado por Lula
teriam sido parte de um pagamento para que as empresas fossem beneficiadas em
contratos com a Petrobras. Eles acusam o ex-presidente de corrupção passiva e
lavagem de dinheiro.
A
propriedade está registrada em nome de Fernando Bittar e Jonas Leite Suassuna.
Os dois são sócios do filho de Lula, Fábio Luis Lula da Silva, o Lulinha. A
denúncia acusa Lula de ser "o proprietário de fato" do imóvel. A
defesa de Lula afirma que ele não é dono do sítio, apenas frequentava o local.
Os
procuradores da Lava Jato dizem haver "fortes indícios" de que pelo
menos R$ 700 mil teriam sido gastos em reformas e móveis nos sítios entre 2010
e 2014 – segundo o MPF, o dinheiro teria vindo do pecuarista José Carlos Bumlai
e das empresas Odebrecht e OAS.
A Polícia Federal e o Ministério Público
apresentaram como elementos no caso:
- Uma mensagem eletrônica que indica que Jonas Suassuna e
Fernando Bittar foram representados na compra dos sítios por Roberto Teixeira –
o MPF diz que ele é "notoriamente veiculado ao ex-presidente Lula e (foi)
responsável por minutar as escrituras e recolher as assinaturas".
- A
informação de que veículos utilizados pelo ex-presidente estiveram no sítio
cerca de 270 vezes entre 2011 e 2016.
- A
presença de dois pedalinhos no lago do sítio cobertos com capas escritas
"Pedro" e "Arthur" – nomes dos dois netos de Lula.
- Bens
pessoais de Lula e de seus familiares, incluindo roupas com inscrições de seus
nomes e caixas de vinhos na adega que um funcionário diz serem do
ex-presidente;
- O fato
de o sítio ter sido o endereço de entrega de um barco de pesca comprado por sua
mulher, Marisa Letícia, em 2013;
- A
colocação de câmeras de segurança no local por iniciativa de agentes de
segurança pessoal de Lula;
-
Mensagens eletrônicas relativas à reforma do sítio de Atibaia encaminhadas a
auxiliares do ex-presidente;
- Notas
fiscais de produtos e depoimentos de testemunhas dizendo que reformas no sítio
custaram R$ 700 mil e foram pagos por Bumlai e pelas empreiteiras Odebrecht e
OAS;
- A compra
de móveis de cerca de R$ 170 mil para a cozinha do sítio supostamente feita
pela OAS;
-
Depoimento de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, afirmando que os
beneficiários da reforma feita pela OAS foram Lula e sua esposa e que o valor
foi abatido de um acordo de R$ 15 milhões com o PT. Pinheiro negocia delação e
já recebeu benefícios, como redução de pena, por ter se mostrado disposto a
colaborar com a Justiça em outros processos.
A acusação
diz que, "em suma, os variados elementos de prova colhidos durante a
investigação comprovam que Lula é proprietário de fato e possuidor do sítio de
Atibaia".
De acordo com o MPF, tanto reforma quanto a aquisição dos
móveis seriam propinas pagas "a título de contraprestação pelos favores
ilícitos obtidos no esquema Petrobras".
Depoimentos - Em depoimento no início da semana, o
empresário Fernando Bittar disse que seu pai, Jacó Bittar, colocou o sítio à
disposição de Lula para acomodar o acervo presidencial quando o mandato dele
acabasse, em 2010.
Jacó é ex-prefeito de Campinas e amigo de longa data de
Lula. Segundo o relato do filho, ele autorizou a ex-primeira-dama, Marisa
Letícia, a fazer as adaptações que achasse necessárias na propriedade.
Bittar
afirmou que foi Bumlai quem começou a obra, mas que não sabia quanto o
pecuarista gastaria nem quanto custariam as obras feitas por uma segunda equipe
que assumiu a reforma no final de 2010, substituindo à enviada por Bumlai. A
acusação do MPF afirma que se tratava da Odebrecht.
O
empresário também negou conhecer Carlos Rodrigues do Prado, dono da construtora
Rodrigues do Prado, chamada pela Odebrecht para executar parte das obras do
sítio. Prado afirmou que quem pagou a sua empresa foi Rogério Aurélio Pimentel,
ex-assessor de Lula. Em depoimento, Pimentel negou conhecê-lo.
Contudo,
confirmou em depoimento ter recebido de Frederico Barbosa, engenheiro da
Odebrecht que trabalhava na obra, envelopes com dinheiro para pagar
fornecedores de materiais, mas que nunca questionou o motivo do envolvimento da
empreiteira na reforma ou checou os valores. "Eu não tenho autonomia como
empregado para perguntar 'onde o senhor arrumou o dinheiro?'", disse.
O
ex-assessor afirmou que soube da ex-primeira-dama Marisa Letícia que Bittar
iria disponibilizar um espaço no sítio para armazenar bens do ex-presidente.
Segundo Pimentel, Marisa ordenou que ele fizesse visitas à obra para deixá-la a
par do andamento e que ela o proibiu "terminantemente" de tratar do
sítio com Lula, mas não sabe o motivo.
Visão de satélite do Google Earth do sítio de Atibaia atribuído à Lula pelo MPF
"Eu resolvo" - Bittar, um
dos donos do sítio, negou ainda saber que a reforma feita na cozinha da
propriedade seria paga pela OAS. Diante do montante envolvido, disse ter ficado
preocupado ao ver que a nota fiscal da nova cozinha estava em seu nome, já que
"não poderia pagar este valor".
"Ela
(Marisa) me falou assim: 'Não se preocupe, deixa que eu resolvo isso'. Na minha
cabeça, ela ia pagar a obra", afirmou. "As obras são simples, foram
superdimensionadas. Elas não são obras de valores vultuosos", declarou.
Marcelo Odebrecht, ex-presidente do grupo Odebrecht -
atualmente em prisão domiciliar - confirmou em interrogatório na quarta-feira
da semana passada (7) que sua empresa pagou uma reforma para Lula no sítio, mas
negou que o pagamento tenha relação com contratos da companhia com a Petrobras.
Segundo ele, a construtora pagou "dentro de um contexto de uma relação que
envolvia atos que a gente sabe que é ilícito (sic)", mas "não
necessariamente esses contratos". Odebrecht negou ainda ter feito qualquer "tratativa,
direta ou indireta com o presidente Lula, envolvendo contratos da
Petrobras."
O
ex-presidente e José Carlos Bumlai serão os últimos réus a serem interrogados
no processo sobre o sítio, nesta quarta (14). Após os interrogatórios, será
aberto prazo para que o MPF e as defesas façam as alegações finais. Em tese,
esta será a última etapa antes da sentença.
O que diz a defesa de Lula? - Lula
afirma que não é dono do sítio e confirma que costumava frequentá-lo. A defesa
do ex-presidente diz que não há nenhuma comprovação de que ele tenha cometido
os crimes dos quais é acusado no caso.
"A
própria denúncia informa que ainda deveria estar sob investigação a propriedade
do sítio de Atibaia, ou seja, reconhece que a Força Tarefa da Lava Jato não
dispunha de elementos para oferecer a acusação contra Lula; a mesma peça, no
entanto, de forma totalmente contraditória e inexplicável, acusa o
ex-Presidente de ser o 'proprietário de fato' do sítio e de ter sido
beneficiado por reformas nesse imóvel", diz a defesa do ex-presidente.
"O
inquérito policial instaurado em 2016 para investigar a propriedade do sítio
foi encerrado sem qualquer conclusão sobre esse tema sob o argumento de que
'foi oferecida denúncia pelo MPF' e, diante disso, 'não cabe mais a esta
autoridade, em nível de apuração preliminar, dar sequência a essas
investigações'", dizem os advogados. A defesa afirma que isso seria uma
reconhecimento de que "para acusar Lula, a Força Tarefa da Lava Jato de
Curitiba atropelou as investigações".
"O
crime de corrupção passiva pressupõe que o funcionário público pratique ou
deixe de praticar ato de sua competência (ato de ofício) em troca do
recebimento de vantagem indevida. No entanto a força Tarefa da Lava Jato não
indicou qualquer ato da competência do Presidente da República (ato de ofício)
que Lula tenha praticado ou deixado de praticar que pudesse estar relacionado
com reformas realizadas em 2009 em um sítio de Atibaia e, muito menos, em 2014,
quando ele não exercia qualquer cargo público", diz a defesa.
Os advogados do ex-presidente afirmam também que os
contratos das empresas com a Petrobras não têm relação nenhuma com Lula. "A nomeação e a manutenção de Diretores da Petrobras
são da competência exclusiva do Conselho de Administração da companhia, segundo
a Lei das Sociedades Anônimas e, ainda, do Estatuto da petrolífera, e não da
Presidência da República."
Um perito
indicado pela defesa do ex-presidente enviou à Justiça em julho um laudo em que
afirma que valores registrados no setor de de propinas da Odebrecht não têm
vínculo com as obras no sítio, já que não há nada no sistema de contabilidade
da empresa que comprove a destinação do dinheiro para a propriedade.
Um dos
delatores da Odebrecht, Emyr Diniz Costa Júnior, afirmava que R$ 700 mil saíram
do projeto Aquapolo, uma obra de saneamento em São Paulo, e foram destinados ao
sítio. O perito afirma, no entanto, que no sistema de contabilidade da
Odebrecth só há registro que o valor saiu da Aquapolo e foi para o setor de
propinas da empreiteira, não à propriedade em Atibaia. Peritos da Polícia
Federal também não encontraram o vínculo nos sistema de contabilidade da
empresa.
O Instituto
Lula diz que o sítio não pertence a ele e que "a tentativa de associá-lo a
supostos atos ilícitos tem o objetivo mal disfarçado de macular a imagem do
ex-presidente".
Outro processo - Lula é
réu, ainda, em outra ação no Paraná, na qual é investigado por suspeita de ter
recebido propina da Odebrecht na compra de um terreno para o Instituto Lula.
Nesse caso, a fase de interrogatórios já foi concluída. O Ministério Público
Federal (MPF) e a defesa fizeram em outubro as alegações finais e o processo
aguarda sentença, que não tem limite de prazo para ser publicada.
Na ação do
sítio, Gabriela Hardt deve conduzir os interrogatórios até que um novo juiz
titular seja escolhido por meio de concurso. Lula iria
depor a Moro, mas o juiz abriu mãos de suas ações na 13ª Vara da Justiça Federal do Paraná após
aceitar o convite para assumir o Ministério da Justiça no governo do presidente
eleito Jair Bolsonaro.
O
ex-presidente já havia prestado depoimento ao futuro ministro duas vezes. Na
segunda, em 2016, ele perguntou, no final do depoimento, se teria "um juiz
imparcial". Moro afirmou: "Não cabe ao senhor fazer esse tipo de
pergunta para mim. Mas, de todo modo, sim."
A tese do
PT é de que a prisão de Lula foi política e que ele não teve um julgamento
imparcial. Na semana passada, a defesa do ex-presidente entrou com um novo
pedido de habeas corpus, argumentando que a ida de Moro para o
governo de Bolsonaro demonstra parcialidade do magistrado. (BBC)


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