Na política
brasileira, prática de nepotismo e consolidação de dinastias são comuns,
bastando ver o número de deputados e senadores que levam o "Filho",
"Júnior" ou até "Neto" e "Bisneto" no nome.
Na maior parte dos
casos, contudo, o exercício do apadrinhamento respeitava algumas regras
hierárquicas. O pai treinava seu substituto aos poucos, de cargo eletivo em
cargo eletivo. O patriarcalismo das relações só era quebrado quando emergia
alguma mulher na linha sucessória, como no caso do clã Sarney.
Jair Bolsonaro foi
disruptivo até nisso. O tratamento expresso dado a seus três filhos na política
é algo inaudito na história republicana.
O proverbial
"filé mignon" que o presidente já disse reservar à prole sempre foi
destinado para os herdeiros do poder, mas nunca com tal grau de franqueza —seja
na proteção ao enrolado senador Flávio, na embaixada nos EUA prometida ao
deputado Eduardo ou no papel preponderante do vereador Carlos na comunicação de
governo, que inexiste sem seus pitacos.
A crise do
presidente com o partido que ele escolheu para hospedar sua aventura eleitoral
de 2018, o PSL, expõe a indignação que tais privilégios à corte provocam. Ao
negar a liderança na Câmara a Eduardo, a sigla do acossado Luciano Bivar mostra
que sabe jogar dentro das regras vigentes, e que elas podem ser usadas contra o
imperial Bolsonaro.
Dois oficiais
generais, um da ativa e outro servindo ao governo, disseram reservadamente que
a confusão toda tem começo e fim na influência dos filhos de Bolsonaro no
governo. A queixa é antiga entre os fardados, que foram largamente colocados a
escanteio pela dobradinha entre Carlos Bolsonaro e o ideólogo expatriado Olavo
de Carvalho.
Nenhum deles,
contudo, arrisca uma previsão sobre o destino da crise atual. Presidentes
isolados que desafiam o Congresso sempre existiram e se deram mal, como Jânio
Quadros, Fernando Collor e Dilma Rousseff. Mas um líder amparado por uma corte
palaciana familiar e que ataca seu próprio partido achando que não haverá
consequência é novidade histórica.
As repercussões do
imbróglio, que parecia um passeio paroquial no seu começo, começam a reverberar
fora de Brasília. A destituição de Joice Hasselmann (PSL-SP) da liderança do
governo no Congresso, por exemplo, sela a percepção de que a deputada terá
dificuldades sérias para levar à frente seu plano de ser candidata ao governo
da capital paulista ano que vem.
Joice pode alegar
perseguição, ao estilo de Tabata Amaral em relação ao PDT, e buscar outra
sigla. A dureza é que essa agremiação hoje seria o DEM, que já tem outro nome
em vista, o do sempre mercurial José Luiz Datena.
De resto, para ser
candidata pelo partido, Joice teria de ajoelhar e beijar o anel de Milton
Leite, o superpoderoso presidente da Câmara Municipal paulista. Quem conhece os
dois crê em algumas dificuldades no processo, por assim dizer, mas política é
política. Em favor da deputada está sua relação próxima com o governador
paulista, João Doria (PSDB), mas é incerto qual caminho ela tomará.
Mas o mais
importante ainda está por vir. Bolsonaro apostou tudo contra Bivar e, com uma
operação da Policia Federal no cangote do dirigente, parecia fadado a ganhar a
disputa. Os movimentos dentro das regras do chefe do PSL, contudo, mostram que
o jogo está aberto.
E é uma disputa
perigosa. Qualquer pessoa que falou com Bolsonaro ao longo dos meses em que ele
montou sua candidatura sabe que a língua hoje presidencial é solta. Quando um
líder do PSL chama o mandatário máximo de vagabundo e promete implodi-lo, a
sinalização é das piores para o Planalto.
Bolsonaro sempre
pregou sua aversão ao presidencialismo de coalizão brasileiro. Venceu a eleição
e manteve a palavra, mas na hora de apresentar a alternativa, emulou o pior de
práticas de famílias reais. O preço da opção está sendo colocado na mesa agora.
(Fonte: JB/Igor Gielow/FolhaPress SNG)
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