A crise aberta entre o presidente da República, Jair Bolsonaro, e o
partido pelo qual ele se elegeu em 2018, o PSL, se acirrou ao longo desta
semana.
Até o fechamento desta reportagem, a celeuma tinha resultado na
destituição de Joice Hasselmann (SP) como líder da sigla no Congresso; em uma
tentativa mal-sucedida de Bolsonaro de emplacar do filho Eduardo
(PSL-SP) como líder na Câmara; e em uma bancada pesselista rachada ao meio.
Políticos de vários matizes — inclusive do PSL — admitem que está
difícil de entender como vai terminar a "novela" envolvendo o
presidente da República, seus filhos e a sigla criada e comandada desde 1998
pelo deputado federal Luciano Bivar (PSL-PE).
"Os jornalistas pedem para eu explicar o que está acontecendo
no partido a que estou filiada e só o que eu posso dizer é que não tenho a
menor ideia do que se passa", escreveu a deputada estadual de São Paulo
Janaina Paschoal (PSL) no Twitter, na tarde desta quinta-feira (17).
A confusão no PSL passa pela disputa pelo controle do Diretório
Nacional da legenda — o mandato de Bivar no comando da sigla se encerra em
novembro — e também pelo destino da soma milionária que o partido passou a
receber neste ano dos fundos Partidário e Eleitoral.
"Os jornalistas pedem para eu explicar o que
está acontecendo no partido a que estou filiada e só o que eu posso dizer é que
não tenho a menor ideia do que se passa. A situação é tão teratológica, que
fico com a sensação de que é tudo combinado. Tanta loucura parece impossível!" — Janaina Paschoal (@JanainaDoBrasil) 17 de outubro de 2019 (Final de Twitter post de
@JanainaDoBrasil)
Luciano Bivar, presidente do PSL, foi alvo de operação da PF e vive embate com Bolsonaro
A 'guerra de listas' - O clima no PSL
parecia ter arrefecido no fim semana, mas voltou a ficar tenso já na manhã de
terça-feira (15), quando a Polícia Federal foi às ruas numa operação contra
Bivar.
Autorizada pelo plenário do Tribunal Regional Eleitoral de
Pernambuco (TRE-PE), no dia anterior, a PF esteve em nove endereços ligados a
Bivar. Até mesmo celulares dele foram apreendidos — a operação investiga a
existência de supostas candidatas "laranjas", isto é, de fachada, no
PSL pernambucano em 2018.
Mesmo sem qualquer evidência concreta, deputados do PSL ligados ao pernambucano passaram a
levantar suspeitas sobre o momento escolhido para a operação — justamente
quando Bivar está envolvido em uma disputa com o Planalto.
Na noite da mesma terça-feira, Waldir orientou os deputados do PSL a
obstruir a votação de uma Medida Provisória que interessava ao governo. A
obstrução é um instrumento usado pelos partidos para permitir que seus
deputados não contem para o atingimento do quórum das sessões, mesmo que eles
estejam dentro do plenário.
A justificativa de Waldir para o fato era evitar que os
congressistas ausentes do PSL tomassem falta, mas o Planalto sentiu-se
atingido: na quarta (16), pesselistas leais a Jair Bolsonaro reuniram
assinaturas de deputados para destituir Waldir do posto de líder. A expectativa
era de que o filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro
(PSL-SP), se tornasse o novo líder da sigla na Casa.
Mas o grupo bivarista reagiu e apresentou outra lista com
assinaturas suficientes para manter o líder no posto. Nesta quinta-feira (17),
a Mesa Diretora da Câmara validou a lista do grupo contrário ao bolsonarismo e
Waldir se manteve como líder do partido na Casa.
Eduardo Bolsonaro apresentou duas listas: a primeira, entregue às
21h50 de quarta, tinha 26 assinaturas válidas. A segunda, às 22h27, tinha 24
apoios. Já a lista de Delegado Waldir, entregue às 22h18, tinha 29 assinaturas
válidas — garantindo a ele o direito de continuar como líder da legenda na
Câmara.
Derrotado na disputa pela liderança do partido, Eduardo Bolsonaro
pode ter sido prejudicado em outra frente: o presidente da República teria
desistido de enviar ao Senado a indicação dele para atuar como embaixador em
Washington (EUA), pelo menos por enquanto, segundo a revista Época. Pouco
depois, o porta-voz de Bolsonaro, Otávio Rêgo Barros, disse que a indicação
está mantida e será encaminhada ao Senado "oportunamente".
'Bolsonaro não está algemado no PSL, não. Aqui não tem ninguém amarrado', diz Delegado Waldir
O deputado federal se reuniu com o presidente da República no
Palácio do Planalto na manhã desta quinta-feira.
Na tarde desta quinta, políticos próximos a Bivar disseram ainda que
Eduardo e seu irmão, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), seriam removidos do
comando do PSL em São Paulo e no Rio, respectivamente.
A "guerra de listas" também acabou respingando em outro
nome em posição estratégica no PSL.
Joice Hasselmann (PSL-SP) acabou removida por Bolsonaro do posto de
líder do governo no Congresso. O congressista que ocupa este cargo é o responsável
por comandar a articulação do governo em sessões conjuntas de deputados e
senadores — como votações de vetos e a apreciação do Orçamento. Joice foi
sacada do posto depois de assinar a lista para manter Delegado Waldir no cargo.
Nos últimos dias, Joice também tem dito que pode deixar o PSL para disputar a
prefeitura de São Paulo no ano que vem.
No Twitter, a deputada comparou sua remoção do cargo a uma
"alforria" — a palavra se refere ao documento que os escravos
recebiam quando conquistavam a liberdade, no Brasil.
"Não nasci líder, não preciso disso. Trabalhei 20h por dia para
salvar o governo de crises, aprovar pautas importantes para o país, apagar
incêndios durante todos esses meses. Agora ganho minha alforria e mais tempo
para cuidar do meu mandato e da minha candidatura à prefeitura", escreveu
ela.
Eduardo Bolsonaro apresentou duas listas referentes à liderança do PSL na Câmara
Os 'bivaristas' também apresentaram sua lista (a imagem não traz a íntegra do documento, faltando os seguintes nomes: Nelson Barbudo; Nereu Crispim; Nicoletti; Professor Joziel; e Professora Dayane Pimentel)
'Eu vou implodir o
presidente' - A guerra de listas no PSL da Câmara veio acompanhada de uma
verdadeira "batalha de áudios" entre os dois lados do partido.
Na manhã desta quinta-feira (17), as revistas Época e Crusoé
divulgaram uma gravação de áudio atribuída ao presidente Jair Bolsonaro. No
trecho, o presidente pediria a um interlocutor não identificado que assinasse
uma lista para remover Waldir da liderança.
"Olha só, nós estamos com 26, falta só uma assinatura pra gente
tirar o líder, tá certo, e botar o outro. A gente acerta, e entrando o outro
agora, em dezembro tem eleições pro futuro líder a partir do ano que vem",
teria dito o presidente.
O líder, segundo Bolsonaro, tem o poder de "indicar pessoas, de
arranjar cargo no partido, é promessa pra fundo eleitoral pro caso das
eleições… é isso que os caras têm", diz. "Mas você sabe que o humor
desses cara muda de uma hora para a outra", continua. Na ligação,
Bolsonaro diz ainda que não é favorável ao uso das listas para remover líderes
- mas, naquele momento, não teria lhe sobrado "outra alternativa"
para resolver a questão.
Pouco depois, o site jornalístico R7, ligado à TV Record, divulgou a
gravação de uma reunião da ala "bivarista" do PSL. Num trecho,
Delegado Waldir diz que vai "implodir" Bolsonaro com uma gravação.
"Eu vou implodir o presidente. Aí eu mostro a gravação dele.
Não tem conversa. Eu implodo ele. Eu sou o cara mais fiel. Acabou, cara. Eu sou
o cara mais fiel a esse vagabundo. Eu andei no sol em 246 cidades para defender
o nome desse vagabundo", diz ele. A hashtag #EuVouImplodirOPresidente
ficou no topo dos assuntos brasileiros no Twitter.
Bolsonaro e Bivar travam disputa pelo comando do PSL
Na manhã de quarta-feira, Bolsonaro disse que não guarda
"mágoa" de Luciano Bivar. Afirmou ainda que não quer
"tomar" o PSL de quem quer que seja, mas insisitiu em cobrar
"transparência" nas contas do partido. Desde aquele momento, o
presidente tem dito em suas aparições públicas que não irá comentar a crise com
o PSL — em sua tradicional aparição ao vivo no Facebook, no começo da noite
desta quinta-feira (17), Bolsonaro não tocou no tema. Estava ao seu lado o
empresário Luciano Hang, dono das lojas Havan. No fim da transmissão, o
presidente disse que o lojista ajuda o país "mais que muito
político".
"Eu não tenho falado nada do PSL. Zero (...). O partido tá com
a oportunidade de se unir na transparência. Não tem um lado A nem um lado B.
'Ah, o presidente falou em transparência'. Falei sim em transparência. Vamos
mostrar as contas", disse. No fim da semana passada, a advogada eleitoral
de Bolsonaro, Karina Kufa, pediu acesso às informações financeiras da legenda.
Com Bivar, o papo é outro. Nos últimos dias, o presidente do PSL tem
dito a seus aliados que a relação com Bolsonaro está danificada e "não tem
volta". Ele também reclama de sentir-se "traído" pelo presidente
da República. A situação teria se tornado "insustentável", segundo
teriam dito aliados dele à Globo News.
Quem são os
'bivaristas' e os 'bolsonaristas' na crise - A "guerra de listas" da
noite de quarta (16) deixou a bancada do partido dividida praticamente ao meio
- 29 deputados assinaram a lista "bivarista", para manter Delegado
Waldir no comando do partido na Câmara; enquanto 24 assinaram a segunda versão
da lista de Eduardo Bolsonaro.
Além de Delegado Waldir, integra também este grupo o líder no
Senado, Major Olímpio (SP).
O grupo também conta com nomes que eram muito próximos de Bolsonaro
até recentemente. É o caso do deputado Julian Lemos (PSL-PB), que foi o
coordenador da campanha de Bolsonaro no Nordeste durante a eleição de 2018. Na
noite desta quarta, Lemos fez um forte discurso em defesa de Bivar no Plenário
da Câmara.
A ala "bivarista" conta ainda com Fernando Francischini
(PR), que é o atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da
Câmara — posição estratégica dentro do processo legislativo.
Muitos destes congressistas foram apontados por Bivar para presidir
o PSL em seus respectivos Estados: Waldir preside o PSL em Goiás, por exemplo,
enquanto o pai de Fernando Francischini, o ex-deputado Delegado Francischini,
comanda o diretório do Paraná. Nelson Barbudo (MT), outro bivarista, é o chefe
do PSL em Mato Grosso.
Segundo a deputada Alê Silva (PSL-MG), que está rompida com o PSL e
com Luciano Bivar, os deputados "bivaristas" estão interessados em
manter o comando atual da legenda para permanecer à frente da sigla nos Estados
- controlando os recursos e as candidaturas nas eleições municipais do ano que
vem.
Do outro lado estão os "bolsonaristas" do PSL — deputados
que cogitam sair da legenda caso o presidente da República o faça, e que
tentaram emplacar Eduardo como líder da legenda.
Além dos filhos do presidente com mandato no Congresso — Eduardo
Bolsonaro na Câmara e Flávio Bolsonaro (PSL-SP) no Senado — integram esta ala pelo
menos mais 24 deputados federais. O grupo assinou uma carta elaborada pelos
advogados eleitorais do presidente, Kufa e Admar Gonzaga, pedindo a abertura
das contas do partido.
O grupo inclui os pesselistas Hélio Lopes (RJ), apelidado por
Bolsonaro de "Hélio Negão"; Carla Zambelli (SP); Ubiratan Sanderson
(RS); Márcio Labre (RJ); Bia Kicis (DF); Luiz Philippe de Orléans e Bragança; e
também o líder do governo na Câmara, o deputado Major Vitor Hugo (GO).
(Fonte: BBC)
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