Tomando-se o trem em Sobral, rumo a Crateús,
sentido norte, trinta quilômetros após, chega-se a Cariré.
Prosseguindo viagem, depois de mais sete quilômetros e
de o trem descer extensa rampa, ao longo do chamado aterro grande,
passa-se pelo distrito de Muquém. Esse lugar é reduto da família Martins
Teles, de que descendo pelo lado paterno. Vila constituída de algumas
casas e de uma capela, edificada por meu avô, José Teles das Mercês.
Há, nas imediações, encravado no meio do mato e
constituído apenas de fazendas, com poucas casas, distanciadas umas das outras,
um insignificante lugarejo, chamado Pitombeira. Entretanto, Pitombeira é
— para mim — o mais importante de todos os lugares, — aquele em que vim ao
mundo, pelas mãos habilidosas de uma cachimbeira, no dia seis de setembro
de 1938.
Meus pais, Odilon Martins Teles e Amália, ficaram
muito felizes com o meu nascimento, porque vim ocupar o lugar da primogênita,
Raimundinha, falecida precocemente.
Àquela época, quase todas as famílias brasileiras
queriam ter um filho padre, um médico e um advogado. Assim, meu pai, tão logo
soube que eu era homem, teria pedido a Deus que me fizesse sacerdote. Cedo,
ele me alfabetizou e me levou para morar com minha avó, sua genitora, na
cidade de Cariré, para frequentar a escola.
Porém, quando eu estava com onze anos, e bem nos
estudos, ele me levou de volta para morar com nossa família, observada a
alternância de seis meses no Muquém, durante a quadra chuvosa, e o
semestre subsequente, em Cariré.
Com o tempo, esse vai-e-vem — da fazenda para a
cidade, e da cidade para a fazenda, distância de pouco mais de uma légua, de
uma para outra — desestruturou totalmente os meus estudos.
Por outro lado, nossa família não parava de crescer.
Àquela altura, já éramos oito irmãos, para meus pais manterem e educarem, com
os parcos rendimentos de duas pequenas fazendas, a de Pitombeira e a do Muquém.
E meu pai passou a queixar-se das dificuldades financeiras.
Por estas razões, eu já não mais pensava em Seminário.
Limitava-me a ajudar nos afazeres da fazenda e a divertir-me, a meu modo,
como dão conta os exemplos, mencionados a seguir:
·
Com outras
crianças, brincava de passar correndo, para desespero de minha mãe, por cima de
uma ponte alta da estrada de ferro, próxima à minha casa, pulando de um
dormente para o outro. Adulto, voltei lá, fiz a mesma travessia, porém, de
quatro pés, agarrando-me aos dormentes...
· Sozinho,
aprendi a nadar, num profundo açude da região, chamado "Barro Vermelho",
onde costumava tomar banho. Para tanto, usava um simples cavalete de madeira
seca, sentindo, como se diz hoje, a adrenalina correr no sangue, consciente do
risco que era de me desgarrar do fiel cavalete.
· Habitualmente,
eu montava em animal. E, numa dessas, um pônei disparou comigo na mata e,
por pouco, não me esborrachei, pois, o único arreio de que dispunha era um
cabresto de corda. Sorte minha é que eu já havia aprendido a técnica para
livrar-me dos galhos de pau, colando a cabeça ao lado do pescoço do animal.
· Atentei,
então, para outro tipo de ride — como dizem os sobralenses —, o trem,
deixando de lado os passeios de cavalo. Tomo a liberdade de usar a palavra
inglesa, porque me considero ex-futuro sobralense. Afinal de contas, Cariré já
pertenceu ao Município da Princesa do Norte. Morei cinco anos no Seminário
Diocesano São José de Sobral. Como
Magistrado, presidi, por alguns anos, a então JUNTA DE CONCILIAÇÃO E JULGAMENTO
DE SOBRAL, do TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA SÉTIMA REGIÃO.
A nova ideia consistia em viajar para Cariré, no
chamado HORÁRIO, assim chamado o trem de passageiros, que fazia o percurso
Crateús x Fortaleza, duas ou três vezes por semana, passando, pelo nosso
Muquém, pertinho de nossa casa.
Eu sabia que o trem não parava no Muquém, mas ali começava
a enfrentar acentuado aclive, chamado RAMPA DO ATERRO GRANDE, retro-mencionado,
no qual ele trafegava devagar, a aproximadamente 30 quilômetros por hora.
Pensei, eu pego o trem na rampa, ao meio-dia, depois
do almoço, vou até Cariré e volto à tardinha, com o sol frio. Afinal de contas,
sete quilômetros eu faço brincando.
Tentei. Deu certo. Gerou-se o hábito. Ia de trem.
Voltava a pé, às vezes, correndo, com medo de entrar pela noite e ser atacado
por um cachorro, raposa, guaxinim ou outro bicho do mato. Sem falar em alma e
lobisomem, que o povo dizia costumavam andar pelas estradas, de branco, na
escuridão da noite.
Ao chegar a Cariré e antes de a composição parar na
estação, eu saltava da plataforma do último vagão. Não era para escapar de
pagar a passagem, não. Meus pais começaram a nos educar, os filhos, para sermos
honestos, desde nossa tenra idade, inclusive pelo exemplo. Eu pulava,
simplesmente para me exibir, ou me mostrar, como se dizia lá.
Para tanto, eu, do alto dos meus doze anos, usava a técnica
de segurança, que os meninos de rua me tinham ensinado. Consistia em pular
da plataforma do último vagão, de costas para a carruagem, curvado, olhando
para a frente. Segundo eles, o vácuo, que o trem produzia, no deslocamento, em sentido
contrário, fazia o passageiro cair em pé.
Sempre deu certo, nunca me machuquei. Mas acho que era
Deus, e não o vácuo que o trem deixava, que me punha em pé, quando eu pulava.
Ou seriam os dois? Com a palavra o Aguiar Moura, Brisa e os demais betanistas
engenheiros.
Numa dessas aventuras de pegar carona no trem em
movimento, rejeitei a primeira oferta de emprego da minha vida. Um
passageiro, impressionado com minha agilidade, me convidou para
trabalhar na fazenda dele, - pegando
bode no mato!!!
Hoje, vejo que agi certo em recusar o convite daquele
desconhecido fazendeiro que, como vinha das bandas de Crateús, pode ter sido um
membro da família do Benes, do Machadinho, do Vitorino, do Monsenhor Gonçalo
Pinho, do Juarez Leitão, do Gomes de Moura, ou do Teodoro. Como pode ter sido
também um parente do Elisiário ou do Leunam que, vindo da Serra da Ibiapaba,
tenha apanhado o trem, em Ipu.
Pois, o tempo se encarregou de provar que Deus me
reservava atividades outras, em que eu poderia ser mais útil à sociedade e ao
meu país, como securitário, advogado e magistrado.
Eis que, numa viagem dessas a Cariré, com 13
anos, encontrei com minha ex-catequista, Yolanda Braga, no consultório do
dentista, Dr. José de Sá. Ela me estimulou a continuar os estudos, pois
ainda estava em tempo de eu me preparar para o exame de admissão ao Seminário.
Por sua vez, o dentista se prontificou a emprestar dinheiro ao meu pai, caso
ele viesse a precisar, durante o meu tempo de internato na Betânia.
Artemísio, fico lisongeado por você ter postado esta matéria escrita por meu pai, José Teles Monteiro.
ResponderExcluir