sexta-feira, 29 de novembro de 2019

LITERATURA CEARENSE: Das brenhas da pitombeira para o mundo civilizado (José Teles Monteiro*, na Betânia - 1954/1958)- Parte I (José Teles Monteiro*, na Betânia - 1954/1958)

Tomando-se o trem em Sobral, rumo a Crateús, sentido norte, trinta quilômetros após, chega-se a Cariré.

Prosseguindo viagem, depois de mais sete quilômetros e de o trem descer extensa rampa, ao longo do chamado aterro grande, passa-se pelo distrito de Muquém. Esse lugar é reduto da família Martins Teles, de que descendo pelo lado paterno. Vila constituída de algumas casas e de uma capela, edificada por meu avô, José Teles das Mercês.

Há, nas imediações, encravado no meio do mato e constituído apenas de fazendas, com poucas casas, distanciadas umas das outras, um insignificante lugarejo, chamado Pitombeira. Entretanto, Pitombeira é — para mim — o mais importante de todos os lugares, — aquele em que vim ao mundo, pelas mãos habilidosas de uma cachimbeira, no dia seis de setembro de 1938.

Meus pais, Odilon Martins Teles e Amália, ficaram muito felizes com o meu nascimento, porque vim ocupar o lugar da primogênita, Raimundinha, falecida precocemente.

Àquela época, quase todas as famílias brasileiras queriam ter um filho padre, um médico e um advogado. Assim, meu pai, tão logo soube que eu era homem, teria pedido a Deus que me fizesse sacerdote. Cedo, ele me alfabetizou e me levou para morar com minha avó, sua genitora, na cidade de Cariré, para frequentar a escola.

Porém, quando eu estava com onze anos, e bem nos estudos, ele me levou de volta para morar com nossa família, observada a alternância de seis meses no Muquém, durante a quadra chuvosa, e o semestre subsequente, em Cariré.

Com o tempo, esse vai-e-vem — da fazenda para a cidade, e da cidade para a fazenda, distância de pouco mais de uma légua, de uma para outra — desestruturou totalmente os meus estudos.

Por outro lado, nossa família não parava de crescer. Àquela altura, já éramos oito irmãos, para meus pais manterem e educarem, com os parcos rendimentos de duas pequenas fazendas, a de Pitombeira e a do Muquém. E meu pai passou a queixar-se das dificuldades financeiras.

Por estas razões, eu já não mais pensava em Seminário. Limitava-me a ajudar nos afazeres da fazenda e a divertir-me, a meu modo, como dão conta os exemplos, mencionados a seguir:

·        Com outras crianças, brincava de passar correndo, para desespero de minha mãe, por cima de uma ponte alta da estrada de ferro, próxima à minha casa, pulando de um dormente para o outro. Adulto, voltei lá, fiz a mesma travessia, porém, de quatro pés, agarrando-me aos dormentes...

·       Sozinho, aprendi a nadar, num profundo açude da região, chamado "Barro Vermelho", onde costumava tomar banho. Para tanto, usava um simples cavalete de madeira seca, sentindo, como se diz hoje, a adrenalina correr no sangue, consciente do risco que era de me desgarrar do fiel cavalete.

·      Habitualmente, eu montava em animal. E, numa dessas, um pônei disparou comigo na mata e, por pouco, não me esborrachei, pois, o único arreio de que dispunha era um cabresto de corda. Sorte minha é que eu já havia aprendido a técnica para livrar-me dos galhos de pau, colando a cabeça ao lado do pescoço do animal.

·    Atentei, então, para outro tipo de ride — como dizem os sobralenses —, o trem, deixando de lado os passeios de cavalo. Tomo a liberdade de usar a palavra inglesa, porque me considero ex-futuro sobralense. Afinal de contas, Cariré já pertenceu ao Município da Princesa do Norte. Morei cinco anos no Seminário Diocesano São José de Sobral.  Como Magistrado, presidi, por alguns anos, a então JUNTA DE CONCILIAÇÃO E JULGAMENTO DE SOBRAL, do TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA SÉTIMA REGIÃO.

A nova ideia consistia em viajar para Cariré, no chamado HORÁRIO, assim chamado o trem de passageiros, que fazia o percurso Crateús x Fortaleza, duas ou três vezes por semana, passando, pelo nosso Muquém, pertinho de nossa casa.

Eu sabia que o trem não parava no Muquém, mas ali começava a enfrentar acentuado aclive, chamado RAMPA DO ATERRO GRANDE, retro-mencionado, no qual ele trafegava devagar, a aproximadamente 30 quilômetros por hora.

Pensei, eu pego o trem na rampa, ao meio-dia, depois do almoço, vou até Cariré e volto à tardinha, com o sol frio. Afinal de contas, sete quilômetros eu faço brincando.

Tentei. Deu certo. Gerou-se o hábito. Ia de trem. Voltava a pé, às vezes, correndo, com medo de entrar pela noite e ser atacado por um cachorro, raposa, guaxinim ou outro bicho do mato. Sem falar em alma e lobisomem, que o povo dizia costumavam andar pelas estradas, de branco, na escuridão da noite.

Ao chegar a Cariré e antes de a composição parar na estação, eu saltava da plataforma do último vagão. Não era para escapar de pagar a passagem, não. Meus pais começaram a nos educar, os filhos, para sermos honestos, desde nossa tenra idade, inclusive pelo exemplo. Eu pulava, simplesmente para me exibir, ou me mostrar, como se dizia lá.

Para tanto, eu, do alto dos meus doze anos, usava a técnica de segurança, que os meninos de rua me tinham ensinado. Consistia em pular da plataforma do último vagão, de costas para a carruagem, curvado, olhando para a frente. Segundo eles, o vácuo, que o trem produzia, no deslocamento, em sentido contrário, fazia o passageiro cair em pé.

Sempre deu certo, nunca me machuquei. Mas acho que era Deus, e não o vácuo que o trem deixava, que me punha em pé, quando eu pulava. Ou seriam os dois? Com a palavra o Aguiar Moura, Brisa e os demais betanistas engenheiros.

Numa dessas aventuras de pegar carona no trem em movimento, rejeitei a primeira oferta de emprego da minha vida. Um passageiro, impressionado com minha agilidade, me convidou para trabalhar na fazenda dele, -  pegando bode no mato!!!

Hoje, vejo que agi certo em recusar o convite daquele desconhecido fazendeiro que, como vinha das bandas de Crateús, pode ter sido um membro da família do Benes, do Machadinho, do Vitorino, do Monsenhor Gonçalo Pinho, do Juarez Leitão, do Gomes de Moura, ou do Teodoro. Como pode ter sido também um parente do Elisiário ou do Leunam que, vindo da Serra da Ibiapaba, tenha apanhado o trem, em Ipu.

Pois, o tempo se encarregou de provar que Deus me reservava atividades outras, em que eu poderia ser mais útil à sociedade e ao meu país, como securitário, advogado e magistrado.

Eis que, numa viagem dessas a Cariré, com 13 anos, encontrei com minha ex-catequista, Yolanda Braga, no consultório do dentista, Dr. José de Sá. Ela me estimulou a continuar os estudos, pois ainda estava em tempo de eu me preparar para o exame de admissão ao Seminário. Por sua vez, o dentista se prontificou a emprestar dinheiro ao meu pai, caso ele viesse a precisar, durante o meu tempo de internato na Betânia.




(*) José Teles Monteiro, na Betânia - 1954/1958)

Um comentário:

  1. Artemísio, fico lisongeado por você ter postado esta matéria escrita por meu pai, José Teles Monteiro.

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