Em
meio à crise do novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro fez um discurso
em ato que pedia "intervenção militar" e o fechamento do Congresso e
do Supremo Tribunal Federal (STF) em frente ao Quartel General do Exército, em
Brasília.
A
atitude do presidente no domingo (19/04), no mesmo dia em que o Brasil chegava
a um total de mais de 2.400 mortes confirmadas devido ao coronavírus, despertou
críticas de ministros do STF, governadores e parlamentares.
O
professor de relações internacionais na Fundação Getulio Vargas (FGV) Oliver
Stuenkel afirmou que Bolsonaro alcançou o objetivo de desviar o foco da
discussão sobre a pandemia e as medidas necessárias para contê-la.
"Conseguiu
pautar a agenda do debate público e desviar o foco. Diferentemente do resto do mundo,
que discute como melhor responder à pandemia, nós estamos discutindo se haverá
golpe militar ou não", escreveu Stuenkel no Twitter.
Leia,
a seguir, os principais pontos sobre o discurso do presidente e as reações (ou
silêncios) que ele gerou:
1.
'Não queremos negociar nada'
Bolsonaro
foi até o QG do Exército, em Brasília, e discursou em cima da caçamba de uma
caminhonete a manifestantes que pediam "intervenção militar".
"Nós
não queremos negociar nada. Nós queremos ação pelo Brasil", disse o
presidente, em discurso que foi transmitido ao vivo em rede social.
Ele
voltou a usar frases como "chega da velha política" e disse aos
manifestantes: "eu estou aqui porque acredito em vocês e vocês estão aqui
porque acreditam no Brasil".
Próximo
a faixas que pediam que os militares agissem contra STF e Congresso, Bolsonaro
falou em manter a democracia. "Contem com o seu presidente para fazer tudo
aquilo que for necessário para manter a democracia e garantir o que há de mais
sagrado, a nossa liberdade."
O
protesto, no entanto, estava repleto de cartazes contra a democracia. Eles
diziam diziam "fora STF", "fora Maia" e pediam o retorno do
AI-5, que foi o ato institucional que endureceu o regime militar e
autorizou uma série de medidas de exceção, permitindo o fechamento do
Congresso, a cassação de mandatos parlamentares, intervenções do governo
federal nos Estados, prisões até então consideradas ilegais e suspensão dos
direitos políticos dos cidadãos sem necessidade de justificativa.
Um
dos cartazes pedia "intervenção militar com Bolsonaro no poder".
Nesta
segunda-feira (20), ao deixar o Palácio da Alvorada, Bolsonaro foi falar com a
imprensa e defendeu Supremo e Congresso "abertos e transparentes".
"Sem
essa conversa de fechar. Aqui não tem que fechar nada, dá licença aí. Aqui é
democracia, é respeito à Constituição Brasileira", respondeu a um apoiador
que pediu o fechamento do STF.
Bolsonaro
disse que "falta inteligência" para quem o acusa de ser ditatorial.
"O pessoal geralmente conspira para chegar ao poder. Eu já sou o
presidente da República."
Afirmou,
ainda, que o povo estava nas ruas, em grande parte, "pedindo a volta ao
trabalho" e que a situação econômica do Brasil está se agravando.
Bolsonaro
disse que todo e qualquer movimento tem "infiltrados" e que as
pessoas têm liberdade de expressão. "Queremos voltar ao trabalho, o povo
quer isso. Estavam lá saudando o Exército brasileiro, é isso e mais nada. Fora
isso, é invencionice."
2.
Tosse e aglomeração
A
aglomeração de manifestações, como a que Bolsonaro participou, vai contra as
recomendações do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Durante
a participação, o presidente chegou a tossir e passar as mãos no nariz. Em
determinado momento, ele também cumprimentou um policial com aperto de mãos.
Não
é novidade, contudo, que o presidente não está cumprindo recomendações de
distanciamento social. Ele tem feito saídas em Brasília e no entorno da capital
- em uma delas, foi a uma padaria, tirou fotos com funcionários, bebeu
refrigerante e comeu.
Ele
reforçou o discurso contra o isolamento social e disse que todas as atividades
econômicas são essenciais. O presidente vem defendendo que é necessário
"preservar a economia" durante a pandemia.
A
OMS, porém, afirma que o distanciamento social é importante para reduzir o
número de mortes. Diante dessa necessidade de redução da atividade, economistas
e entidades recomendam que os governos promovam medidas de apoio à população
que pode ficar sem renda ou com renda reduzida.
Bolsonaro tossiu durante discurso em ato
3.
Reação
O
presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) disse ontem que repudia atos em
defesa da ditadura.
"O
mundo inteiro está unido contra o coronavírus. No Brasil, temos de lutar contra
o corona e o vírus do autoritarismo. É mais trabalhoso, mas venceremos. Em nome
da Câmara dos Deputados, repudio todo e qualquer ato que defenda a ditadura,
atentando contra a Constituição", escreveu no Twitter.
No
momento em que o governo e o Congresso devem apresentar medidas para responder
à crise gerada pelo coronavírus, Maia e Bolsonaro vêm travando briga pública.
Mais
um político com quem Bolsonaro vem trocando críticas, o governador de São
Paulo, João Doria, também reagiu à atitude do presidente no domingo.
"Lamentável
que o presidente da República apoie um ato antidemocrático, que afronta a
democracia e exalta o AI-5. Repudio também os ataques ao Congresso Nacional e
ao Supremo Tribunal Federal. O Brasil precisa vencer a pandemia e deve
preservar sua democracia."
Ministros
do STF também reagiram. O ministro Luís Roberto Barroso escreveu que "é
assustador ver manifestações pela volta do regime militar, após 30 anos de
democracia".
"Defender
a Constituição e as instituições democráticas faz parte do meu papel e do meu
dever. Pior do que o grito dos maus é o silêncio dos bons (Martin Luther
King)", escreveu.
"Só
pode desejar intervenção militar quem perdeu a fé no futuro e sonha com um
passado que nunca houve. Ditaduras vêm com violência contra os adversários,
censura e intolerância. Pessoas de bem e que amam o Brasil não desejam isso.
"O
ministro Gilmar Mendes disse que "invocar o AI-5 e a volta da Ditadura é
rasgar o compromisso com a Constituição e com a ordem democrática".
Ato na capital federal estava repleto de cartazes contra a democracia
4.
Silêncio nas Forças Armadas
Considerando
que o presidente discursou em frente ao QG do Exército e em uma manifestação
pró-intervenção militar, os pronunciamentos das autoridades militares, como o
ministro da Defesa e o comandante do Exército, Edson Pujol, são muito
aguardados. A data também marcava o Dia do Exército, comemorado em 19 de abril.
A
Defesa e o Exército, no entanto, não se pronunciaram sobre o assunto até a
manhã desta segunda-feira (20).
Um
mês antes do episódio, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, disse à
BBC News Brasil que "manifestações em frente a quartéis não ajudam".
"O
momento é de união para juntos vencermos o desafio do coronavírus.
Manifestações em frente a quartéis não ajudam", disse o ministro, naquela
ocasião. "Vivemos em um ambiente democrático e de liberdade. As Forças
Armadas, por outro lado, são instituições de Estado e devem sempre permanecer
fortemente arraigadas nos pilares básicos da hierarquia e da disciplina."
O
ex-ministro da Secretaria de Governo general Carlos Alberto dos Santos Cruz,
demitido no ano passado, escreveu no Twitter na manhã desta segunda que "o
Exército é instituição do Estado. Não participa das disputas de rotina.
Democracia se faz com disputas civilizadas, equilíbrio de Poderes e
aperfeiçoamento das instituições. O EB (@exercitooficial) tem prestígio porque
é exemplar, honrado e um dos pilares da democracia."
(BBC)
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