
A
cloroquina, recomendada como tratamento já na fase inicial da covid-19 pelo
presidente Jair Bolsonaro na quarta-feira, durante pronunciamento em cadeia
nacional, é apenas um dos remédios e substâncias estudados por várias frentes
da comunidade científica em busca de soluções na luta contra a pandemia do novo
coronavírus.
A
cloroquina, ou hidroxicloroquina, aliás, é um dos fármacos já aprovados e
utilizados para outras doenças que são vistos como alternativas imediatas na
luta contra o coronavírus porque já passaram as inúmeras etapas de avaliação
necessárias para lançar um remédio no mercado, como testes em animais, por
exemplo.
Mas não há
evidências conclusivas sobre a eficácia destas drogas contra o vírus, nem sobre
a segurança de seu uso em pacientes da nova doença. Por isso, é um dos objetos
de vários estudos em andamento.
Grande
parte desses estudos clínicos é feita diretamente com pacientes infectados.
Alguns são realizados in vitro.
O combate
contra o novo coronavírus inclui ainda testes com plasma sanguíneo, células do
cordão umbilical e até mesmo sangue de vermes marinhos.
Veja os
principais estudos realizados atualmente:
1.
Cloroquina/Hidroxicloroquina
A
utilização desses dois remédios com o mesmo componente básico - a cloroquina -
suscitou debates em vários países, como a França e o Brasil. Até o momento, não
há comprovação científica da eficácia desses medicamentos, mas houve casos de
pessoas que se curaram após usarem o remédio.
A
cloroquina é usada no tratamento da malária, da artrite reumatoide e da lúpus,
e ganhou projeção mundial como possível solução nessa crise após a publicação
de um estudo na França em meados de março, realizado pelo infectologista Didier
Raoult, da Universidade de Medicina de Marselha.
Os
resultados levaram líderes mundiais como o presidente americano, Donald Trump,
e o brasileiro, Jair Bolsonaro, a defender com veemência o uso desse
medicamento contra a covid-19.
Após muita
pressão, o ministro da Saúde, Henrique Mandetta, anunciou, na terça-feira, a
liberação da cloroquina e da hidroxicloroquina em pacientes com o novo
coronavírus. O uso era até então restrito aos casos graves. Os médicos terão,
no entanto, de assumir os riscos pela prescrição do remédio na fase inicial da
doença. O professor francês autor do controverso estudo defende que o
medicamento é mais eficaz no começo da doença.
No final de
março, quando havia liberado o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina para
pacientes com formas graves da Covid-19, o ministério da Saúde alegou o chamado
uso compassivo (por compaixão), afirmando que não há alternativa terapêutica
para essas pessoas infectadas.
No estudo
do professor Raoult, os pacientes contaminados receberam a hidroxicloroquina
associada ao antibiótico azitromicina. Os resultados, embora considerados
promissores, dividiram a comunidade científica em relação à possível eficácia
do medicamento.
Pesquisadores
franceses criticaram a metodologia do estudo e também o grupo reduzido de
pacientes - apenas 30. Eles alertaram sobre a necessidade de análises mais
aprofundadas e sobre os efeitos colaterais do remédio, como arritmia cardíaca.
Na França,
o hospital de Nice teve de interromper imediatamente os testes com
hidroxicloroquina e azitromicina em uma mulher internada que sofreu
complicações cardíacas após a administração dos dois medicamentos. Além disso,
a Agência Nacional de Saúde investiga três mortes suspeitas, potencialmente
ligadas aos efeitos colaterais da hidroxicloroquina, de doentes que se
automedicaram.
Raoult
publicou uma segunda pesquisa, no final de março, feita com 80 pacientes e
recebeu as mesmas críticas em relação à suposta falta de rigor científico
apontada por alguns no protocolo do primeiro estudo, o que impediria a
validação das conclusões obtidas.
Segundo
Raoult, diretor do Hospital Universitário Méditerranée Infection, de Marselha,
o segundo estudo confirma a eficácia da hidroxicloroquina associada ao
antibiótico azitromicina: 81% dos doentes puderam deixar o hospital em cinco
dias, em média.
A grande
polêmica lançada pelo professor Raoult acabou levando à inclusão, de última
hora, da hidroxicloroquina no programa europeu de estudos clínicos contra a
covid-19, chamado Discovery.
A França e
seis outros países europeus (Reino Unido, Espanha, Alemanha, Luxemburgo,
Bélgica e Holanda) vão testar em 3,2 mil pacientes (cerca de 800 na França) a
hidroxicloroquina e três antivirais usados contra o HIV e o Ebola.
O estudo
visa descobrir se algum dos medicamentos testados é capaz de evitar a
multiplicação do vírus da doença, o Sars-Cov-2. Os pacientes escolhidos estão
em estado grave. Os primeiros resultados, ainda parciais, devem ser anunciados
no final de abril, declarou na quarta-feira a infectologista Florence Ader, que
pilota os testes franceses do Discovery.
Hidroxicloroquina, usada no tratamento da malária, da artrite reumatoide e da lúpus,
ganhou projeção mundial como possível solução contra o novo coronavírus
Ela explica
que a evolução da doença em um paciente infectado é longa e leva duas semanas.
Dessa forma, a análise dos dados de cada paciente do estudo só pode ser
efetuada quando ele ultrapassa o 15° dia da contaminação, diz Ader. Como novas
pessoas infectadas são acrescentadas regularmente aos testes, é preciso
constantemente aguardar esse prazo para coletar os resultados.
Por
enquanto, cerca de 530 do total de 800 pacientes participam dos testes do
Discovery na França. Ader afirma que para avançar no estudo e poder tirar
conclusões sobre a eficácia ou não dos medicamentos analisados é preciso ter um
número significativo de pacientes. Por essa razão, não há ainda data prevista
para as conclusões finais do estudo.
Os dados
coletados nos testes do Discovery serão analisados por laboratórios
especializados em estatísticas e serão avaliados por um comitê independente,
acrescenta a responsável pelo programa. "É a primeira vez na História que
epidemias do tipo pandemias fazem pesquisas em tempo real", diz Ader, se
referindo à mobilização da comunidade científica em meio ao avanço do novo
coronavírus no mundo.
Também na
França, foi lançado no início de abril outro amplo estudo sobre a
hidroxicloroquina, que reúne 1,3 mil pacientes de covid-19 e 33 hospitais do
país. Batizado de Hycovid, ele é dirigido pelo hospital universitário de
Angers, no sudoeste do país. Os resultados devem ser divulgados nas próximas
semanas.
Diferentemente
do Discovery, a situação dos pacientes escolhidos no estudo Hycovid é menos
severa, embora estejam no grupo de risco, com idade de 75 anos ou mais. Eles
não precisam de oxigênio, ainda. A metade receberá um placebo e os outros 650
serão medicados com hidroxicloroquina.
O hospital
de Angers informa que o estudo optou por pacientes com casos menos graves
porque é nessa situação, na avaliação da equipe médica, que o tratamento com
hidroxicloroquina teria mais chances de funcionar.
As
autoridades francesas continuam reticentes em relação ao uso da
hidroxicloroquina. O ministro francês da Saúde, Olivier Véran, declarou na
terça-feira que os dados repassados por hospitais do país que estão
administrando a cloroquina e a hidroxicloroquina não revelam resultados
significativos, em termos estatísticos, dos dois remédios até o momento.
Na China
também foram divulgados alguns estudos sobre a utilização de cloroquina e a
hidroxicloroquina em pacientes infectados, o último deles no final de março.
Mas pesquisadores internacionais têm mostrado reticências aos protocolos dos
testes chineses, feitos com grupos pequenos, além do fato de não ter havido
publicação destes em revista científica.
No Brasil,
há dois estudos grandes sendo tocados. Um deles é coordenado pela Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz)e reúne instituições de várias regiões do país. O outro,
é realizado em parceria pelos hospitais paulistanos Albert Einstein,
Sírio-Libanês e o Hospital do Coração (HCor).
Resultados
preliminares do estudo feito pela Fiocruz e pela Fundação Medicina Tropical com
a cloroquina, divulgados na terça-feira, revelaram que a taxa de mortes de
pacientes com covid-19 que receberam o medicamento é semelhante à dos que não o
tomaram.
Os testes
também mostraram que a dose maior de cloroquina administrada inicialmente nos
pacientes provocou reações indesejadas, como arritmia e outras complicações.
Eles receberão agora apenas a dose mais baixa prevista. O infectologista Marcos
Lacerda, da Fiocruz, prevê que 440 pacientes sejam testados, o que deve levar
de dois a três meses para obter conclusões científicas.
Nos Estados
Unidos, um vasto estudo com a hidroxicloroquina foi lançado no final de março
em Nova York, epicentro da Covid-19 no país, com mais de 4 mil mortos.
2.
Antivirais contra HIV, esclerose múltipla e ebola
O programa
europeu Discovery realiza dois estudos com antivirais usados por pacientes com
HIV. Entre os infectados com o novo coronavírus, um grupo receberá um coquetel
de lopinavir e ritonavir e outro terá a mesma mistura associada ao interferon
beta, utilizado contra a esclerose múltipla e que atua no sistema imunológico.
O Brasil,
segundo o ministro Mandetta, também está realizando ensaios clínicos de
tratamentos que combinam o lopinavir e o ritonavir. O Interferon Beta-1-b faz
parte da lista.
Um teste
realizado com pacientes chineses, publicado no periódico científico The New
England Journal of Medicine, revelou, no entanto, que o coquetel lopinavir e
ritonavir contra o HIV falhou no combate ao novo coronavírus. Os dois
antivirais não melhoraram a situação de pacientes graves tampouco reduziram o
número de mortes.
Um estudo
realizado in vitro pela Fiocruz com outro medicamento usado no tratamento do
HIV, o atazanavir, fabricado em larga escala no Brasil, mostrou resultados
promissores, superiores ao da cloroquina. A pesquisa constatou que o atazanavir
é capaz de inibir a replicação do novo coronavírus e reduzir a proteção de
proteínas que causam a inflamação nos pulmões.
O antiviral
remdesivir, desenvolvido pelo laboratório americano Gilead para o tratamento do
ebola, está sendo utilizado em ensaios clínicos na Europa (no âmbito do projeto
Discovery), nos EUA, na China e também integra estudos no Brasil, segundo o
governo.
Os
primeiros testes nos EUA com o remdesivir, realizados pela Universidade do
Nebraska, começaram no final de fevereiro, inicialmente com passageiros que
contraíram o vírus em um navio de cruzeiro bloqueado no Japão. Os resultados
são esperados em abril.
3. Plasma
Outra
alternativa na mira de pesquisadores é o plasma sanguíneo de pacientes curados,
que poderia auxiliar pacientes na fase aguda da doença a lutar contra o vírus.
Na França, testes com plasma sanguíneo foram lançados na terça-feira em
hospitais franceses de três regiões: Leste, Paris e sua periferia, que são as
áreas mais afetadas no país, e a Borgonha.
O objetivo
do estudo francês é injetar em 60 pacientes hospitalizados o plasma de cerca de
200 pessoas que se recuperaram da covid-19 há pelo menos duas semanas. Os
resultados preliminares poderão ser divulgados em duas ou três semanas após o
início do estudo.
Na China, o
estado de saúde de doentes que receberam transfusões de plasma teria melhorado
rapidamente, segundo a companhia China National Biotech Group.
Os EUA e o
Brasil anunciaram recentemente que farão estudos com plasma. No Brasil ele será
realizado pelos hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês, em parceria com a
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Pesquisadores
da Bélgica afirmaram ter descoberto, in vitro, um anticorpo do plasma que
impediria o vírus de infectar as células.
4. Cordão
umbilical
O hospital
francês Pitié-Salpêtrière, de Paris, iniciou no domingo testes com células do
cordão umbilical. Elas serão injetadas em pacientes em estado grave e que
necessitam de respiradores. O objetivo é demonstrar que elas permitiriam controlar
a inflamação dos tecidos pulmonares, acelerar sua recuperação e, dessa forma,
reduzir a mortalidade.
"O
cordão umbilical é coberto de vasos sanguíneos envoltos em um tecido
gelatinoso. Ele possui uma grande quantidade de um tipo de células que
apresentam propriedades anti-inflamatórias, antifibróticas (que impedem
fibroses) e moduladoras da imunidade", afirma o comunicado da organização
que reúne os hospitais de Paris, a AP-HP.
A equipe do
estudo informa ainda que essas células já foram usadas em várias patologias
onde há fortes inflamações, como doenças autoimunes e complicações com
transplantes de medula. Além disso, elas podem ser reproduzidas em laboratório
e congeladas (criogenia).
5. Verme
marinho
A França
também iniciou, nesta semana, um teste clínico que administra em pacientes com
covid-19 uma solução à base do sangue de um verme marinho da Bretanha.
A
hemoglobina, molécula presente nos glóbulos vermelhos e que transporta o
oxigênio, desse verme, o arenicola, consegue transportar 40 vezes mais oxigênio
do que a hemoglobina humana.
O sangue do
Arenicola poderia ajudar a aliviar dificuldades respiratórias e reduzir as
internações em unidades de tratamento intensivo. O estudo é realizado com dez
pacientes por um hospital parisiense. A empresa que produz a solução com
hemoglobina do verme marinho foi criada por um ex-pesquisador do Instituto
Nacional de Pesquisa Científica da França.
(BBC)

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