A pandemia de covid-19 deve desencadear a maior crise no mercado
de trabalho desde a Segunda Guerra Mundial.
Quase 38% da força de trabalho no planeta, o equivalente a 1,25
bilhão de pessoas, está empregada em setores duramente afetados pela
paralisação das atividades em diversos setores, segundo a estimativa mais recente da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), e correm o risco de ficar sem
trabalho nos próximos meses.
São funcionários de setores como turismo e hotelaria, varejo e indústria.
No Brasil, a economia já começa a sentir os efeitos colaterais das
medidas de isolamento social — consideradas necessárias, entretanto, para
evitar que o sistema de saúde entre em colapso e não consiga atender todos
aqueles que serão infectados pelo novo coronavírus.
Mesmo no meio da crise, contudo, alguns setores seguem contratando
— e não apenas o de saúde.
A BBC News Brasil conversou com recrutadores de vagas de
diferentes perfis para entender onde há oportunidades.
Além do setor de saúde
Com tanta gente cozinhando em casa, o setor de supermercados tem
assistido a um aumento significativo da demanda.
Há alguns dias, a rede Carrefour anunciou a abertura de 5 mil
novas vagas para reforçar todas as operações: são operadores de loja,
auxiliares de perecíveis, agentes de prevenção, recepcionistas de caixa,
padeiros, peixeiros, técnicos em manutenção, açougueiros, operadores de centro
de distribuição e vendedores de eletrodomésticos.
A maioria das vagas se distribui entre cidades de 8 Estados, entre
elas Manaus, Brasília, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e São
Paulo.
Eduardo Migliano, cofundador da 99jobs, plataforma em que esse
recrutamnento (totalmente online) está sendo realizado, conta que recebeu cerca
de 150 mil currículos, uma concorrência de 30 candidatos por vaga.
Apesar de ter muita gente procurando emprego no momento, Augusto
Schaffer, fundador do site RioVagas, aconselha os trabalhadores a continuarem
buscando, já que o varejo de alimentos segue aquecido e, nos últimos dias, tem
havido uma oferta consistente de novos postos.
No ar há mais de uma década, o site recebe cerca de 4 milhões de
visitas por mês e anuncia principalmente vagas operacionais em pequenas e
médias empresas no Estado. Recentemente, lançou uma plataforma batizada de
Classirio para aqueles que estão buscando uma fonte alternativa de renda possam
oferecer seus produtos e serviços.
Dentro da oferta de vagas tradicionais, Schaffer diz ter se
surpreendido com o segmento de farmácias, que tem contratado tanto farmacêuticos
quanto atendentes, e destaca ainda a área de logística — motoristas de caminhão
e outras funções ligadas à movimentação de carga —, e as empresas de
contabilidade e do setor financeiro, que podem atuar junto às empresas em um
contexto de recessão.
A 'indústria da pandemia'
O aumento da demanda no setor de saúde, ele acrescenta, tem gerado
ainda postos em áreas indiretamente ligadas à operação de clínicas e hospitais:
manutenção predial, instalação de ar condicionado, vagas para cozinheiros e nutricionistas.
Há ainda parte da indústria que está produzindo mais durante a
pandemia, como os fabricantes de materiais hospitalares e de produtos de
higiene.
A Aeroflex, de Curitiba, que há 14 anos fabrica produtos em
aerossol, resolveu em janeiro adaptar a linha de produção para lançar álcool em
aerossol.
A decisão foi uma tentativa de driblar a falta de matéria-prima
para produção de álcool gel, que a empresa importava de países como EUA, Índia
e China.
Desde o lançamento do produto, há duas semanas, são fabricadas
cerca de 150 mil unidades todos os dias. Márcio Miksza, diretor comercial da
empresa, diz que a produção "dos próximos três ou quatro meses" já
está vendida.
Como reflexo, a empresa aumentou em 30% o número de funcionários.
Foram 60 contratações, elevando o total de empregados a 240.
As medidas de distanciamento social, por sua vez, alimentaram o
mercado de delivery e acabam gerando uma demanda também na área de tecnologia,
de programadores e designers de aplicativos, destaca Migliano.
Ele lembra, por outro lado, que muitos desses profissionais têm
sido demitidos nas últimas semanas de startups de tecnologia. São empresas que
normalmente dependem de captação de recursos de fundos para sobreviver, que não
trabalham com muita folga de caixa e que, por isso, estão cortando onde podem
para fazer frente à queda no faturamento.
Vendedores 'virtuais'
O empreendedor conta ainda que tem visto ainda uma busca por parte
de empresas com pouca ou nenhuma presença na internet por vendedores que possam
anunciar seus produtos nos chamados "market places", sites como Mercado Livre, que têm
se mostrado uma alternativa àquelas que não estão conseguindo operar no
"mundo físico".
Essa percepção aparece nos números levantados pelo site Infojobs
para a BBC News Brasil.
As funções de consultor de vendas, vendedor e representante
comercial estão entre as principais ofertas de vagas para home office — que,
aliás, cresceram de forma geral 387% na comparação de março com janeiro.
São 2.517 posições para se trabalhar de casa, distribuídas, além
do setor de vendas, nas áreas jurídica (conciliador extrajudicial), de
telecomunicações (desenvolvedor java, programador), de marketing (analista,
designer gráfico e divulgador) e de telemarketing.
Neste momento, a plataforma tem 287.695 vagas, sendo 74.421 novas.
A área com maior número é a de informática/TI, com 6.577 postos,
seguida por saúde (5.114), logística (3.845), segurança (3.636), indústria
(3.122) e transportes (1.453).
Os setores com maior crescimento proporcional de vagas na
plataforma, na comparação entre março e janeiro, foram o de saúde (145%) e
segurança (85%).
Entre os Estados, as maiores altas em termos percentuais foram
observadas no Piauí (1.050%), Ceará (321%), Paraná (166%), Minas Gerais (136%),
Goiás (110%) e Rio de Janeiro (102%).
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vão além de posições para médicos e enfermeiros
Vagas operacionais x administrativas
Schaffer, da RioVagas, conta que, se de um lado ainda há uma
oferta de vagas operacionais, ele tem observado um volume grande de demissões
em áreas administrativas — em muitos casos, diante de uma queda forte de
receitas, as empresas estão mantendo apenas o essencial para se manterem vivas.
De fato, a empresa de recrutamento Robert Half, concentrada no
mercado de vagas com remuneração média entre R$ 5 mil e R$ 30 mil, observou uma
queda no volume de processos seletivos.
Fernando Mantovani, diretor-geral da consultoria, destaca,
contudo, que após um primeiro momento em que a maioria das empresas decidiu
congelar as contratações — o que aconteceu por volta da semana do dia 20 de
março —, algumas têm retomado os processos.
Nesta semana, o volume de vagas já se aproxima de 60% da média
observada pela empresa antes do início da pandemia.
Os setores, segundo ele, são bastante pulverizados, vão de
comércio eletrônico e agronegócio a indústria e serviços.
As contratações estão sendo feitas, em sua grande maioria, de
forma totalmente remota.
"Tem gente que foi contratado, mandou os documentos
digitalizados, recebeu o material pelo correio e já começou a trabalhar — sem
nunca ter apertado a mão de ninguém na empresa."
A empresa tem um banco de cerca de 500 mil currículos no Brasil, e
novas inscrições podem ser feitas no próprio site.
Em outras plataformas também há oportunidades para os jovens,
grupo no qual a taxa de desemprego é estruturalmente mais elevada.
A startup Eureca, focada especificamente em vagas de estágio e
trainee, tem processos abertos para a Klabin, empresa de papel e celulose, com
8 vagas para as áreas administrativa, financeira, produção industrial e
manutenção em quatro Estados (São Paulo, Ceará, Paraná e Amazonas).
Já a Givaudan, de aromas e fragrâncias, tem outras 15 vagas
abertas em São Paulo para universitários nas áreas administrativa, de vendas,
jurídico, criação e avaliação de fragrâncias, produção, inovação e tecnologia.
Os processos também são todos feitos de maneira remota, conta
Carolina Utimura, COO da plataforma.
Além dos sites geridos pela iniciativa privada, também há vagas
anunciadas no Sistema Nacional de Emprego (Sine), que passou por reformulação
recentemente e hoje funciona por meio de um aplicativo.
Em São Paulo, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico informou que,
entre fevereiro e março, 20.247 vagas foram fornecidas no Estado através da
plataforma, já que os Postos de Atendimento ao Trabalhador (PATs) não estão
funcionando com atendimento presencial.
O choque no mercado de trabalho
Apesar de ainda haver setores contratando, a provável recessão
decorrente da pandemia deve elevar o desemprego no Brasil, com impacto
particularmente duro sobre os trabalhadores informais, que não estão assistidos
pelo sistema de proteção social.
O último Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da FGV
(Ibre-FGV), do fim de março, chama atenção para isso.
"Paralelamente, a crise afetará de forma desproporcional as
micro, pequenas e médias empresas, que terão maior dificuldade de lidar com a
dramática queda esperada de receitas. Essas são também as empresas que mais
empregam, inclusive muitos trabalhadores sem carteira. Muitos trabalhadores
terão uma brutal redução de sua renda mensal. E muitos serão demitidos",
diz o relatório.
A equipe de economistas destaca ainda que, por isso, seriam
necessárias medidas emergenciais para evitar que o desemprego subisse forte e
rapidamente e que a crise tivesse um grande impacto sobre a população mais
vulnerável.
O auxílio emergencial de R$ 600 que
o governo pagará por três meses às famílias de baixa renda é uma iniciativa
nesse sentido.
O mais recente boletim da OIT sobre o impacto da crise sobre o
mercado de trabalho, de 7 de abril, também destaca a importância de medidas
para proteger os informais, que correspondem a um percentual relevante da força
de trabalho em países pobres e emergentes.
A organização propõe uma resposta em quatro pilares: estímulos à
economia e ao emprego, apoio às empresas e à manutenção da renda, proteção dos
trabalhadores nos locais de trabalho e a prática constante de diálogo com os
diversos setores da sociedade para a busca e implementação de soluções.
(BBC)
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