Se em outros anos o sucesso da Black Friday dependia do tamanho dos descontos e do esforço das empresas para desfazer a imagem de Black Fraude, desta vez, a pandemia vai ser um fator decisivo a mais.
Embora diferentes fatores apontem em direções opostas e tornem difícil cravar uma previsão de como o novo coronavírus vai afetar no final das contas essa data de promoções, marcada para a sexta-feira (27/11).
Por um lado, o país atravessa uma crise,
com desemprego recorde de 14% no terceiro trimestre deste ano, segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Por outro, as classes A e B foram
menos afetadas economicamente pela pandemia e, com as quarentenas, consumiram
menos ao longo do ano e têm mais dinheiro para gastar agora.
Ao mesmo tempo, mais de 65 milhões de
brasileiros receberam o auxílio emergencial. Mas o valor caiu pela metade em
setembro e só vai ser pago até dezembro.
Mas o comércio tradicional ainda
funciona com restrições, que limitam a quantidade de gente que pode entrar nos
shoppings e lojas.
E muita gente ainda tem receio de se
aglomerar para fazer compras por aí, com razão: os números da pandemia, que
estavam em queda desde setembro, voltaram a subir às vésperas da Black
Friday. Para alguns, o
país já enfrenta uma segunda onda de covid-19. Isso pode fazer mais
gente ficar em casa.
Ou levar mais pessoas a adiantar as
compras de Natal, pensando que em breve podem ser adotadas por aqui novas
medidas de distanciamento social, como aconteceu na Europa e nos Estados
Unidos.
Em meio a esse cabo de guerra de
tendências, os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil se dividem quanto ao
que pode acontecer nesta Black Friday.
Dependendo de por onde se olhe, a
pandemia deve ao menos frear o crescimento ininterrupto de uma década nas
vendas da Black Friday, que chegou ao Brasil em 2010 e é atualmente uma das
principais datas do comércio brasileiro.
Mas também há quem acredite que,
noves fora, a conta final pode ser positiva para as marcas e lojistas.
Emprego,
renda e confiança estão em baixa
Maurício Morgado, coordenador do
Centro de Excelência em Varejo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), não está
otimista.
"Há três fatores que mandam no
varejo. Para consumir, a pessoa precisa ter emprego, renda e confiança. Os três
estão baixa agora", diz Morgado.
Uma sondagem da FGV feita nas duas
primeiras semanas de novembro mostrou que o índice de confiança do consumidor
caiu 2,2 pontos, para 80,4 pontos.
"Quando o índice está abaixo de
100, é um cenário de pessimismo", afirma Morgado.
A perspectiva da segunda onda de
covid-19 deixa os consumidores estão mais cautelosos, porque isso pode afetar
sua situação financeira em um momento em que a renda média já caiu, diz
Morgado. Muita gente perdeu o emprego ou teve a jornada reduzida. Os
profissionais liberais ficaram sem clientes.
"Se a Black Friday tiver um
crescimento, não deve ser forte. A pandemia pode fazer as vendas pararem de
crescer, porque é uma data muito voltada para eletroeletrônicos, que são
compras que podem ser adiadas e que são normalmente parceladas, e qualquer
coisa que depende de parcelamento é afetada em um cenário de incerteza."
Silvio Laban, professor do Insper,
diz que isso é agravado pela situação da pandemia no país ainda ser muito
volátil.
"Essa conversa seria muito
diferente há 15 dias. O Brasil tinha uma perspectiva de queda de casos, mas
agora estamos vivendo uma aceleração, com uma retomada da primeira onda ou uma
segunda. Isso faz as pessoas ficarem mais contidas", afirma Laban.
Mas a queda nas vendas nos meses
anteriores também pode levar a promoções mais agressivas do que em anos
passados, para tentar recuperar os faturamentos.
"Tenho visto uma ou outra
empresa se preparando para isso, com ofertas interessantes. Mas é difícil prever
o efeito líquido destas forças diferentes", diz o especialista.
Comércio
eletrônico em alta favorece a Black Friday
O contraste pode ser visto nas
próprias previsões de faturamento do setor.
A Confederação Nacional do Comércio
de Bens, Serviços e Turismo estima que a Black Friday terá um faturamento
recorde de R$ 3,67 bilhões, com um crescimento de 6% em relação ao ano
anterior.
Mas enquanto as vendas online devem
aumentar 61,4%, as lojas físicas terão um crescimento de apenas 1,1%.
Por sua vez, a Associação Brasileira
de Shopping Centers espera uma queda de 4% nas vendas da Black Friday de 2020
em comparação com a do ano anterior.
Já a Ebit|Nielsen estima um aumento
de 27% nas vendas online da Black Friday, para cerca de R$ 4 bilhões. Isso é
mais do que o crescimento de 23,6% de 2019.
A consultoria acredita que esse
resultado vai ser puxado em parte pelo aumento da bancarização da população por
causa do pagamento do auxílio emergencial e pela maior confiança nas promoções
oferecidas na data.
Essa previsão otimista reflete o
crescimento do comércio eletrônico neste ano como um todo por causa da
pandemia.
Entre janeiro de 2019 e janeiro de
2020, a internet passou a responder de 4,8% para 5,9% do varejo, no acumulado
dos 12 meses anteriores, segundo a Pesquisa Mensal do Comércio do IBGE.
Nos primeiros nove meses deste ano, o
índice deu um salto para 8,6%, de acordo com os dados mais recentes.
"A pandemia mudou hábitos de
consumo e trouxe novos consumidores para o meio digital", aponta Isabela
Tavares, economista da consultoria Tendências.
Isso favorece a Black Friday, quando
as compras online já têm uma participação relevante no faturamento das
empresas. "Muitas lojas perceberam isso e investiram em canais de venda
online", diz Tavares.
Crescimento
do varejo está desacelerando
Mesmo assim, o varejo brasileiro
chega ao fim do ano em um momento de desaceleração.
A Tendências espera que ainda ocorra
um crescimento nas vendas no quarto trimestre deste ano, em comparação com o
mesmo período de 2019. Mas estima um aumento de 2,8%, abaixo da alta de 6,3% do
terceiro trimestre.
O mesmo ocorre com as projeções
mensais. Houve um aumento de 7,3% quando comparados os meses de setembro de
2019 e 2020. A projeção para outubro é de um crescimento mais tímido, de 4,8%,
e menor ainda para novembro, de 2,6%.
"A desaceleração acompanha
amenor confiança do consumidor, a redução do auxílio emergencial, uma cautela
do consumidor com a proximidade do fim dos programas de crédito e proteção ao
emprego e maiores pressões inflacionárias, que diminuem a renda disponível das
famílias para gasto com bens duráveis", diz Tavares.
Compras
de Natal podem ser antecipadas
Ainda assim, a economista Cristina
Helena Pinto de Mello, pró-reitora de pesquisa da Escola Superior de Propaganda
e Marketing (ESPM), acredita que as tendências positivas devem superar as
negativas nesta Black Friday.
"Tem muitas pessoas esperando
para fazer compras inteligentes neste final de ano, porque sentiu a necessidade
de adaptar sua casa para o home office", diz Mello.
Além disso, embora haja um grande
número de pessoas sem renda e desempregadas, a economista destaca que uma
parcela da população conseguiu manter sua renda e gastou menos com transporte,
viagem e alimentação na rua e tem hoje uma reserva para comprar na Black
Friday.
"Essas pessoas podem entender a
data como uma boa oportunidade, imaginando que o comércio queira de fato
aproveitar para vender e faça promoções significativas", diz Mello.
Embora a tendência atual seja de
aumento de casos de covid-19, a especialista acredita que isso pode contar a
favor da data, porque tanto os consumidores quanto os comerciantes podem
antecipar as compras e promoções de Natal, diante da incerteza de como estará a
pandemia no final de dezembro.
A isso se soma o que ela chama de
"compra de compensação", em que o consumidor pode tentar compensar o
fato de não poder levar uma vida normal e sair por aí comprando produtos para
ter mais prazer em casa, como uma nova TV, por exemplo.
"No começo, as pessoas estavam
comprando de forma mais consciente, querendo ajudar o comércio local, mas, o
longo tempo de pandemia está derretendo essas forças. As pessoas estão
irritadas, exaustas, o que aumenta as chances de haver compras por impulso para
ter alguma satisfação", afirma Mello.
"Estou apostando mais no sucesso
do que no fracasso da Black Friday deste ano."
(BBC)
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