Com o avanço do delivery de alimentos e do comércio eletrônico, além do
maior uso de material hospitalar descartável como máscaras e luvas, o consumo
de plásticos explodiu durante a pandemia do coronavírus.
O aumento do volume de lixo plástico é bastante problemático num país onde apenas 1,28% deste material é reciclado, segundo dados da WWF citados pelo Atlas do Plástico, estudo inédito realizado pela organização sem fins lucrativos alemã Fundação Heinrich Böll.
A título de comparação, o índice de reciclagem de latas de alumínio
chegou a 97,6% em 2019, segundo dados da Abal (Associação Brasileira do
Alumínio) e da Abralatas (Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas).
A fundação alemã chama atenção ainda para as 70 mil a 190 mil toneladas
de lixo despejadas por ano no mar brasileiro pela população que vive na costa,
um problema para a fauna e flora marinha, para a saúde das pessoas, comunidades
tradicionais e o turismo, uma das atividades econômicas mais afetadas pela
pandemia.
Política lançada pelo governo em abril de 2019 para endereçar o
problema, o Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar está paralisado desde
março deste ano devido à pandemia e sem previsão de retorno. Os R$ 40 milhões
destinados para esta finalidade até agora não foram desembolsados.
O Atlas do Plástico, que será lançado nesta segunda-feira (30/11).
Conforme a fundação, os dados foram verificados pela Agência Lupa.
Lixo plástico em números
Segundo o estudo, em 2018, o Brasil produziu cerca de 79 milhões de
toneladas de lixo, com os plásticos representando 13,5% desse volume, ou 11,3
milhões de toneladas. O número faz do país o quarto maior produtor de resíduos
plásticos do mundo.
Da parcela de lixo plástico, apenas 145 mil toneladas são recicladas, ou
1,28% do total, comparado a média global de 9% e índices de 34,6% e 21,9% nos
Estados Unidos e China, respectivamente.
De todos os tipos de plástico produzidos no Brasil, o PET (sigla para
polietileno tereftalato), utilizado nas garrafas de refrigerante e água
mineral, é o que tem a mais alta taxa de reciclagem, chegando a 60%.
Conforme pesquisa Ibope citada pelo levantamento, também em 2018, 75%
dos brasileiros não separam recicláveis. Desses, 39% não separavam o lixo
orgânico dos demais. E 77% sabiam que o plástico é reciclável, mas apenas 40%
de fato reciclavam o material.
Política de resíduos sólidos completa 10 anos sem
efetividade
"Por um lado, temos uma enormidade de plástico sendo produzido e
consumido e, por outro, há uma carência de processos de reciclagem, muito
porque ainda não está efetivada de forma concreta a Política Nacional de
Resíduos Sólidos", avalia Marcelo Montenegro, coordenador do Atlas do
Plástico.
Criada em 2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos determinou uma
série de metas com o objetivo de reduzir o impacto dos resíduos sólidos sobre o
meio ambiente.
Entre elas, estavam a elaboração de planos municipais de resíduos
sólidos, eliminação dos lixões, declarações anuais sobre quantidade de resíduos
produzidas por região, sistemas de coleta seletiva e política de logística
reversa - prática em que os próprios setores produtivos ficam responsáveis pela
destinação dos resíduos produzidos pelas suas cadeias.
Dez anos depois, no entanto, o plano falhou em atingir diversos desses
objetivos.
Larisse Faroni-Perez, presidente do Instituto Geração Oceano X e
coautora de um dos artigos do Atlas, cita ainda como um fator de desincentivo à
reciclagem no país a dupla tributação, pois os produtos plásticos são taxados
no momento da produção e novamente na reciclagem.
Abiplast diz que reciclagem é maior
Questionado, o MMA (Ministério do Meio Ambiente) afirmou que "o
descarte inadequado, a falta de coleta seletiva e a baixa infraestrutura para
reciclagem, somados às dimensões continentais do país, que muitas vezes
comprometem a viabilidade técnica e econômica, podem ser apontados como os
principais motivos para o baixo índice de reciclagem".
Já a Abiplast (Associação Brasileira da Indústria do Plástico) afirma
que o estudo mais atual sobre reciclagem realizado pela consultoria MaxiQuim
mostra que o Brasil reciclou 22% do plástico pós-consumo em 2018. Segundo a
entidade, o índice nos Estados Unidos é de 24,2%, pouco superior à performance
do mercado brasileiro.
Quanto à baixa efetividade da Política de Resíduos Sólidos após dez anos
de sua implementação, o MMA diz que, apenas a partir de 2019, os principais
instrumentos da política saíram do papel, citando como exemplos o SINIR
(Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos), medidas
de apoio a municípios e consórcios, além de sistemas de logística reversa para
os setores de eletroeletrônicos, baterias automotivas de chumbo e medicamentos.
"A partir do momento que o assunto é priorizado pela gestão, como
está sendo feito agora, os resultados começam a surgir", diz a pasta.
A Abiplast, por sua vez, afirma que, apesar da existência de um acordo
setorial de embalagens, que prevê a implementação do sistema de logística
reversa desses itens, ainda há muito a ser feito.
"É preciso que sejam cumpridas as metas do Ministério do Meio
Ambiente, é necessária uma integração das lideranças executivas de União, estados
e municípios. Além disso, é necessário que essa responsabilidade seja de fato
compartilhada entre todos os elos da cadeia, passando pela indústria,
Executivo, Ministério Público, Estado, consumidores etc."
Lixo no mar
Conforme o Atlas do Plástico, estudos realizados sobre a quantidade de
lixo em 170 praias brasileiras mostram que a maior parte desses locais (54%)
está suja ou extremamente suja.
Ainda segundo o levantamento, no ranking dos maiores poluidores do
oceano por plástico, o Brasil ocupa a 16ª posição.
No entanto, destacam os autores do estudo, assim como a Política
Nacional de Resíduos Sólidos, o Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar,
criado em 2019 pelo governo para endereçar esse problema, também tem se
mostrado nada efetivo.
"As ações do plano foram resumidas à instalação de coletores
metálicos de resíduos em formatos de peixes em algumas praias e ao apoio a
mutirões de limpeza. Essas ações chamam a atenção da mídia e da população, mas
são extremamente ineficientes no combate ao lixo no mar", consideram os
pesquisadores.
Os autores lembram ainda que, logo após o lançamento do plano, o governo
brasileiro deu um sinal contraditório, ao não assinar, em maio de 2019, acordo
internacional para combater o lixo plástico no contexto da COP-14 (14ª Conferência
das Partes da Convenção de Diversidade Biológica), realizada pelas Nações
Unidas em Genebra, na Suíça.
Questionado sobre a paralisação do Plano Nacional de Combate ao Lixo no
Mar desde março, devido à pandemia, o MMA informou que "as atividades, em
especial as que envolvem alguma aglomeração, como os mutirões de limpeza, serão
retomadas tão logo as condições sanitárias permitam".
Quanto ao fato de os R$ 40 milhões destinados à ação ainda não terem
sido desembolsados, a pasta disse que "o projeto está pronto, aprovado e
orçado, porém sua implantação teve de ser postergada devido às restrições da
pandemia".
Com relação à não assinatura do acordo internacional para combate ao
lixo plástico, o ministério argumenta que seu Plano Nacional de Combate ao Lixo
no Mar "vai muito além" do acordo e "busca resultados concretos,
o que muitas vezes não consta de propostas de acordos e coalizões
internacionais, que muitas vezes representam apenas carta de boas
intenções".
'Era para ser um sucesso'
"O Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar era para ser um
sucesso", lamenta Faroni-Perez, do Instituto Geração Oceano X.
"Ele foi desenvolvido de modo participativo, aberto para a
população e com a contribuição de diversos setores. Mas ele prevê uma série de
ações e medidas que precisam ser coordenadas e orquestradas. O que que foi
feito até o momento não ataca o problema na raiz, o que depende da
conscientização das pessoas e de políticas públicas efetivas."
Entre essas políticas, Faroni-Perez e Montenegro destacam medidas de
incentivo à redução da produção e do consumo de plásticos, como o banimento de
plásticos de uso único e o incentivo do consumo através de granéis, com o uso
de embalagens reaproveitáveis levadas de casa pelos consumidores.
"O problema não é o plástico em si, ele tem usos nobres. Mas o que
precisa ser feito é reduzir o consumo do que não é potencialmente reciclável e
manter na cadeia de valor o que é", diz Faroni-Perez. (BBC)
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