A divulgação de resultados de testes
de vacinas que impediram mais de 90% das pessoas analisadas de contraírem
covid-19 levou a uma onda de compartilhamentos de rumores antivacina nas redes
sociais.
Parte das informações falsas esteve focada na vacina BNT162 (Pfizer/BioNTech), que tem como um de seus diferenciais o fato de que é baseada em RNA.
Nos últimos dias, a comunidade científica recebeu com grande entusiasmo
a notícia de que a vacina atingiu
95% de eficácia, não causou efeitos colaterais preocupantes e ainda
foi capaz de oferecer uma boa proteção para pessoas com mais de 65 anos e de
diferentes raças e etnias.
Também houve outras candidatas à vacina com novos resultados divulgados
recentemente, como a do laboratório Moderna, que também garantiu que o seu
imunizante possui uma taxa de
eficácia de quase 95%.
A equipe de checagem de fatos da BBC (Reality Check) examinou algumas
das falsas alegações mais amplamente compartilhadas: sobre supostos planos para
colocar microchips em pessoas através da aplicação da injeção, a suposta
mudança de nosso código genético e sobre segurança em geral das vacinas.
Bill Gates e alegações sobre
microchip
O nome de Bill Gates foi amplamente compartilhado no Twitter após
anúncios de resultados de vacina. O bilionário fundador da Microsoft foi objeto
de muitos falsos rumores durante a pandemia. Ele virou alvo devido a seu
trabalho filantrópico em saúde pública e desenvolvimento de vacinas.
Uma das alegações mais compartilhadas (e que está circulando desde o
início deste ano) é que a pandemia do coronavírus é uma cobertura para um plano
de implantar microchips rastreáveis em pessoas e que Gates está por trás de
tudo.
Na verdade, não há nenhuma evidência para basear essas afirmações e a
Fundação Bill e Melinda Gates disse à BBC que são totalmente falsas.
Apesar da falta de evidências, uma pesquisa de maio
do YouGov com 1.640 pessoas sugeriu que 28% dos habitantes dos
EUA acreditavam que Gates queria usar vacinas para implantar microchips nas
pessoas (com uma parcela ainda maior, de 44%, entre republicanos).
Alegações de 'DNA alterado'
Uma correspondente da Casa Branca para um site pró-Donald Trump,
Newsmax, disse a seus 264 mil seguidores no Twitter para "tomarem
cuidado" com a vacina Pfizer/BioNTech. Emerald Robinson afirmou no Tweet
que ela "interfere no seu DNA."
O medo de que uma vacina mude de alguma forma o DNA é outra alegação que
vimos em várias postagens no Facebook.
A BBC perguntou a três cientistas independentes sobre isso. Eles
disseram que a vacina contra o coronavírus não alteraria o DNA humano.
As pessoas que divulgam essas afirmações têm um mal-entendido
fundamental sobre genética.
Um dos maiores diferenciais da vacina BNT162 (Pfizer e BioNTech) está no
fato de que ela é baseada em RNA.
"Injetar RNA em uma pessoa não faz nada com o DNA de uma célula
humana", disse o professor Jeffrey Almond, da Universidade de Oxford.
O porta-voz da Pfizer, Andrew Widger, disse que a vacina da empresa
"não altera a sequência de DNA de um corpo humano. Ela apenas apresenta ao
corpo as instruções para construir imunidade".
Esta não é a primeira vez que examinamos as alegações de que uma vacina
contra o coronavírus alteraria o DNA. Investigamos um vídeo popular divulgando
a teoria em maio.
Parte do mal-entendido parece resultar do tipo de vacina que está sendo
desenvolvida.
A vacina Pfizer/BioNTech usa a tecnologia de RNA mensageiro, ou
"mRNA".
Esse produto contém uma pequena sequência genética criada em laboratório
que "ensina" as próprias células do corpo humano a produzirem
proteínas parecidas com o Sars-CoV-2. A partir daí, o sistema imune reconhece a
ameaça e cria uma resposta que protege o organismo de uma futura infecção.
O tuíte de Robinson incluiu a afirmação de que a tecnologia da vacina de
mRNA "nunca foi testada ou aprovada antes".
É verdade que nenhuma vacina de mRNA foi aprovada antes, mas vários
estudos de vacinas de mRNA em humanos foram realizados nos últimos anos.
Almond diz que a vacina Pfizer/BioNTech é a primeira a mostrar a
eficácia que seria necessária para conseguir licenciamento.
Só porque é uma nova tecnologia, diz ele, "não significa que
devamos ter medo dela".
As novas vacinas passam por verificações de segurança rigorosas antes de
serem recomendadas para uso generalizado.
Nos ensaios clínicos de Fase 1 e Fase 2, as vacinas são testadas em um
pequeno número de voluntários para verificar se são seguras e determinar a dose
certa. Nos testes de Fase 3, são testadas em milhares de pessoas para verificar
se são eficazes. O grupo que recebeu a vacina e um grupo de controle que
recebeu o placebo são monitorados de perto para quaisquer reações adversas
(efeitos colaterais). O monitoramento de segurança continua mesmo depois que
uma vacina é licenciada.
Claire Wardle, autora de um relatório
recente sobre os mitos a respeito de vacinas nas redes sociais, diz
que há um "déficit de dados" em torno de tópicos como a tecnologia de
mRNA. Ou seja, é uma situação em que há alta demanda por informações, mas há
pouca oferta de informações confiáveis.
"Isso deixa as pessoas vulneráveis à desinformação, que se
apressa em preencher a lacuna", disse Wardle, diretora executiva da
organização sem fins lucrativos anti-desinformação First Draft.
"Enquanto as informações confiáveis lutam para atender à demanda,
contas individuais não confiáveis e meios de comunicação alternativos
conseguem diminuir a confiança nas vacinas", diz ela.
Efeitos colaterais
Outra afirmação no tuíte de Robinson estava entre os principais temas
antivacina compartilhados nos últimos dias.
Ela afirmou que 75% dos voluntários do ensaio da vacina experimentaram
efeitos colaterais. Mas a Pfizer e a BioNTech não relataram nenhuma preocupação
séria de segurança em seu estudo.
Muitas vacinas têm efeitos colaterais. Mas a grande maioria não é tão
assustadora quanto os ativistas antivacinas querem que a gente acredite.
"Como todas as vacinas, esta pode causar efeitos colaterais de
curta duração, incluindo dor no local da injeção, febre, dores e dores
musculares, dor de cabeça e fadiga", disse Penny Ward, professora
visitante de medicina farmacêutica no King's College London.
Ward apontou que esses tipos de efeitos colaterais também são sentidos
por um grande número de pessoas que recebem a vacinação anual contra a gripe.
Os efeitos colaterais são geralmente leves, desaparecem após alguns dias, no
máximo, e podem ser aliviados com paracetamol ou ibuprofeno.
Não está claro de onde Robinson obteve o número de 75%, mas pode ter
sido escolhido seletivamente a partir da taxa de efeitos colaterais leves
relatados em uma faixa etária em uma fase anterior do estudo.
Dados completos sobre os efeitos colaterais ainda não foram publicados
para a fase mais recente do estudo, mas a Pfizer confirmou que eles não
observaram efeitos colaterais graves.
A BBC contatou Emerald Robinson para comentar, e ela manteve suas
afirmações.
Reportagem adicional de Kris Bramwell, Jack Goodman, Olga Robinson e
Marianna Spring
(BBC)
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