A rápida
disseminação de uma nova variante do coronavírus levou a mais restrições para
tentar combater a pandemia no Reino Unido.
Essa nova variante, surgida após mutações, se tornou a forma mais comum do vírus em algumas partes da Inglaterra em questão de meses — e o governo britânico diz que há motivos para acreditar que ela seja bem mais transmissível que outras variantes. Segundo autoridades britânicas de saúde, a nova variante seria 70% mais transmissível.
O estudo dessa
nova forma do coronavírus ainda está em um estágio inicial, contém grandes
incertezas e uma longa lista de perguntas sem resposta.
Os vírus
sofrem mutações o tempo todo e é vital entender se essas mutações estão ou não
mudando o comportamento do vírus e alterando a doença. Essa variante específica
está causando preocupação por três motivos principais:
• Ela está
substituindo rapidamente outras versões do vírus
• Ela possui
mutações que afetam partes do vírus que são provavelmente importantes
• Já se
verificou em laboratório que algumas dessas mutações podem aumentar a
capacidade do vírus de infectar células do corpo.
Tudo isso
constrói um cenário preocupante, mas ainda não há certeza. Novas cepas podem se
tornar mais comuns simplesmente por estarem no lugar certo na hora certa — como
a cidade de Londres, que tinha poucas restrições até recentemente.
"Experimentos
de laboratório são necessários, mas você quer esperar semanas ou meses para ver
os resultados e tomar medidas para limitar a propagação? Provavelmente não
nessas circunstâncias", diz Nick Loman, professor do Instituto de
Microbiologia e Infecção da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, que defende
as restrições para tentar conter essa versão do vírus.
Quão rápido ela está se espalhando?
Essa versão
foi detectada pela primeira vez em setembro. Em novembro, cerca de um quarto
dos casos em Londres eram causados por essa nova variante, aumentando para quase
dois terços dos casos em meados de dezembro.
Pesquisadores
têm calculado a dispersão de diferentes variantes na tentativa de estabelecer o
quão infecciosas elas são. Mas separar o que é devido ao comportamento das
pessoas e o que é devido ao vírus é difícil.
O dado citado
pelo primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, é que a variante pode ser
até 70% mais transmissível — é um dado que havia aparecido em apresentação do
pesquisador Erik Volz, do Imperial College de Londres, na sexta-feira.
Durante a
palestra, ele disse: "É realmente muito cedo para dizer... Mas pelo que
vimos até agora, está crescendo muito rapidamente, está crescendo mais rápido
do que [uma variante anterior] jamais cresceu, mas é importante ficar de
olho."
Não há um
número "certeiro" de quão mais infecciosa pode ser essa variante.
Números muito mais altos e muito mais baixos do que 70% estão aparecendo em
pesquisas ainda não publicadas.
Inclusive
ainda há dúvidas se essa versão é realmente mais infecciosa.
"A
quantidade de evidências em domínio público é inadequada para chegar à
conclusões firmes sobre se o vírus realmente aumentou sua
transmissibilidade", diz o virologista Jonathan Ball, professor da
Universidade de Nottingham.
Acredita-se
que a variante surgiu em um paciente no Reino Unido ou foi importada de um país
com menor capacidade de monitorar as mutações do coronavírus.
Atualmente ela
pode ser encontrada em todo o Reino Unido, exceto na Irlanda do Norte, mas está
fortemente concentrada em Londres, sudeste e leste da Inglaterra. Os casos em
outras partes do país não parecem ter decolado.
Dados da
Nextstrain, que monitora os códigos genéticos das amostras virais em todo o
mundo, sugerem que casos com essa variante na Dinamarca e na Austrália vieram
do Reino Unido. A Holanda também relatou casos.
Uma variante
semelhante que surgiu na África do Sul compartilha algumas das mesmas mutações,
mas parece não estar relacionada a esta.
Isso já aconteceu antes?
Sim. O vírus
que foi detectado pela primeira vez em Wuhan, China, não é o mesmo que você
encontrará na maioria dos cantos do mundo.
A mutação
D614G surgiu na Europa em fevereiro e se tornou a forma globalmente dominante
do vírus. Outra, chamada A222V, se espalhou pela Europa e estava ligada às
férias de verão das pessoas na Espanha.
O que sabemos sobre as novas mutações?
Uma análise
inicial da nova variante foi publicada e identifica 17 alterações
potencialmente importantes.
Houve mudanças
na proteína spike — que é a 'chave' que o vírus usa para abrir
a porta de entrada nas células do nosso corpo e sequestrá-las. A mutação N501
altera a parte mais importante do spike, conhecida como "domínio de
ligação ao receptor". É aqui que o spike faz o primeiro contato com a
superfície das células do nosso corpo. Quaisquer alterações que tornem mais
fácil a entrada do vírus provavelmente serão uma vantagem para o patógeno.
Parece ser uma
adaptação importante", disse Loman.
A outra
mutação — batizada de H69/V70 — apareceu algumas vezes antes, incluindo
nos visons infectados na Dinamarca.
A preocupação
era que os anticorpos do sangue daqueles que sobreviveram ao novo coronavírus
fossem menos eficazes na defesa contra a nova variante do vírus.Mais uma vez,
serão necessários mais estudos de laboratório para realmente entender o que
está acontecendo.
O trabalho de
Ravi Gupta, professor da Universidade de Cambridge, sugeriu que em laboratório
essa mutação aumenta em duas vezes a capacidade do vírus de infectar células.
"Estamos
preocupados, a maioria dos cientistas está preocupada", diz Gupta.
De onde veio essa versão?
Essa variante
é excepcionalmente cheia de mutações. A explicação mais provável é que ela
surgiu em um paciente com sistema imunológico enfraquecido, incapaz de vencer o
vírus.
Em vez disso,
seu corpo se tornou um terreno fértil para o vírus sofrer mutações.
Ainda não há
evidências de que a variente seja mais mortal, mas governos e pesquisadores
estão monitorando essa questão
No entanto, no
momento, apenas ser mais transmissível já seria suficiente para causar
problemas nos hospitais. Se pessoas forem infectadas mais rapidamente, mais
pessoas vão precisar de tratamento hospitalar em menos tempo.
As vacinas funcionarão contra a nova variante?
Acredita-se
que sim, pelo menos por enquanto.
Mutações na
proteína spike levam a perguntas sobre a vacina porque as três principais
vacinas — Pfizer, Moderna e Oxford — treinam o sistema imunológico para atacar
a proteína spike.
No entanto, o
corpo aprende a atacar várias partes dessa proteína. É por isso que as
autoridades de saúde continuam convencidas de que a vacina funcionará contra
essa nova variante.
"Mas se
deixarmos essa variante se espalhar e sofrer mais mutações, isso pode se tornar
preocupante", diz Gupta. "Este vírus está potencialmente em vias de
se tornar resistente à vacina, ele deu os primeiros passos nesse sentido."
O vírus
consegue se tornar resistente à vacina quando ao mudar de formato consegue se
esquivar de todo o efeito da vacina e continua a infectar as pessoas.
O coronavírus
evoluiu em animais e passou a infectar os humanos há cerca de um ano. Desde
então, tem passado por quase duas mutações por mês — entre uma amostra colhida
hoje e as primeiras da cidade chinesa de Wuhan há cerca de 25 mutações.
Ao longo de
sua trajetória, o coronavírus ainda está 'testando' diferentes combinações de
mutações para infectar humanos de maneira adequada. Já vimos isso acontecer
antes: o surgimento e o domínio global de outra variante (G614) é visto por
muitos como o momento em que o vírus aprimorou sua capacidade de se espalhar.
Mas logo a
vacinação em massa colocará um tipo diferente de pressão sobre o vírus, porque
ele terá que mudar para infectar as pessoas que foram imunizadas. Se isso
impulsionar a evolução do vírus, talvez tenhamos de atualizar regularmente as
vacinas, como fazemos anualmente com a gripe sazonal, para manter o ritmo.
Segundo
Anderson Brito, virologista do departamento de epidemiologia da Escola de Saúde
Pública da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, "os coronavírus evoluem
principalmente por substituições de nucleotídeos" e "não fazem
rearranjos genômicos como o vírus da gripe".
"Mas, e
as vacinas? Provavelmente serão efetivas por mais de um ano", escreveu em
seu perfil no Twitter. (BBC)
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