Desde tenra idade, fui educado para o sacerdócio. Aliás, minha vocação vem do berço, fruto de um “decreto” de meu pai. E de uma época em que o sacerdócio era a aspiração de muitas famílias sobralenses. Com o decorrer do tempo, amadurecera em mim o ideal de ser padre, o que me levaria a ingressar no Seminário Diocesano São José, de Sobral, em 1963, aos 13 anos de idade, ali permanecendo até 1966.
Às margens do rio Acaraú,
sob os olhares atentos de Nossa Senhora das Dores, em Sobral, nasci em 29 de
dezembro de 1949. Meu pai, Francisco Gomes de Vasconcelos, foi caixeiro
viajante e depois bancário; minha mãe, Lili Nunes de Vasconcelos, era dona de
casa e costurava nas horas vagas para auxiliar na renda da família.
Na minha infância,
convivi num ambiente familiar favorável à minha aspiração vocacional: meus pais
eram muito religiosos, católicos. Toda a família rezava o terço, diariamente,
ia às missas aos domingos e dias santos. Meu pai era Irmão do Santíssimo e
Mariano. Aos nove anos, ele me presenteou com o livro de Gaston Lemesle – Você
gostaria de ser Padre? – Esta obra fortaleceria minha vocação. Tive também
amigos de infância que me proporcionaram uma convivência benéfica e saudável,
como os também “betanistas” Aloísio Ribeiro da Ponte, José Maria Cisne Mesquita
e Antônio Anésio de Aguiar Moura.
Meus primeiros estudos
foram realizados em casa, tendo minha mãe como professora. Estudei a “Carta do
ABC” e, em seguida, a “Cartilha”, acompanhada da tabuada.
Após aprender a ler, a
escrever e a fazer as “quatro operações”, com minha mãe, comecei o então curso
primário no Colégio Estadual Professor Arruda, encerrando-o na Escola São Luiz
de Gonzaga (Pré-Seminário). Em seguida, prestei “exame de admissão” para
ingressar no curso ginasial (hoje, ensino fundamental) do Seminário.
No início de 1963, a
bagagem estava pronta. Destino: Seminário Diocesano de Sobral. Na mala, além
das roupas, um presente de minha mãe: um missal (hoje, ainda o preservo, com
muito carinho). Na alma, uma angústia, um conflito: iria dar um pulo no escuro:
enfrentaria um enigmático futuro.
Em poucos minutos
(residia próximo à nova morada), estava eu ali entre as enormes paredes do
velho Casarão da Betânia. Foram momentos difíceis: era enorme a saudade de
casa, dos pais, dos irmãos, da “liberdade”.
Mas os dias foram
passando, e eu adaptava-me à vida do internato. Durante os quatro anos, levei
uma vida com tranquilidade: aceitava e cumpria a rigorosa disciplina da casa,
as exigências de estudo e de oração. Vivi também agradáveis momentos de lazer.
O futebol de salão era meu entretenimento predileto. Jogava no time dos
“médios” (os jogadores eram classificados em “fundos”, “médios” e “bons”, de
acordo com a habilidade no campo).
Foi marcante sobre mim
a influência de alguns mestres. Lembro-me, com prazer, das aulas de
“Civilidade” e de Inglês do padre Francisco Sadoc de Araújo; das orientações
espirituais do padre Joviniano Loiola Sampaio; das aulas de Português do padre
Osvaldo Carneiro Chaves; das aulas de Latim do padre Francisco Tupinambá Melo,
também nosso coordenador de futebol; das aulas do professor polivalente e
cientista, padre Luizito Dias Rodrigues; das aulas de francês do bem-humorado
padre Moésia Nogueira Borges.
Ao Seminário devo
também o meu ingresso na vida profissional: em 1966, aos 16 anos, fui nomeado
professor da Escola Cura D’Ars pelo então prefeito de Sobral, Cesário Barreto
Lima. A escola, que se localizava dentro dos muros do Casarão da Betânia, fora
idealizada pelos colegas João Ribeiro Paiva e Lourenço Araújo Lima (o “Rei
Mago”) que receberam o apoio do então reitor, padre Francisco Sadoc de Araújo.
A escola que, posteriormente, foi conveniada com a prefeitura, tinha o objetivo
de alfabetizar jovens carentes que moravam nos bairros próximos.
Com terna recordação,
lembro-me das visitas que recebia de meus parentes. Eram encontros que me davam
ânimo e força para suportar os momentos de ostracismo impostos por aquelas
largas e altas paredes do Casarão. Recordo também, com satisfação, a visita
semanal de meu irmão Alexandre Vasconcelos, que me levava roupas lavadas e
algumas bugigangas. Estabelecia também um elo entre mim e o mundo lá fora.
Nas festas religiosas,
os seminaristas deslocavam-se ao centro da cidade. A batina, já abolida no dia
a dia, era indumento obrigatório nesses eventos: missas solenes, celebradas
pelo bispo; procissões; atos litúrgicos da Semana Santa etc. Naqueles momentos
sentia-me um “pouco padre”...
Mas, ao final do quarto
ano de Seminário, a vida celibatária tornara-se pouco atraente para mim. Nas
férias, senti uma forte atração por uma jovem que morava próximo à minha casa,
surgindo entre nós um relacionamento que extrapolava uma simples amizade. Meu
pai tentou, em vão, afastar-me da jovem adolescente para salvar minha vocação
sacerdotal.
Chegara então o
momento crucial: teria que comunicar à minha família a decisão de “deixar a
batina”. Meu pai era austero e possivelmente iria opor-se à minha resolução.
Com a intermediação de minha mãe, que era meiga e conciliadora, consegui a
anuência dele.
Deixei o Seminário e
fui enfrentar a vida além-muros. A vida
fora, a despeito da liberdade que conseguira, trazia algumas dificuldades.
Exigia adaptação. Mas os ensinamentos lá recebidos eram como que uma bússola
que me mostrava o rumo do bem viver. Bússola que até hoje guia meus
passos.
Continuei meus
estudos, fazendo os dois primeiros anos do Científico (assim era denominado o
ensino médio naquele tempo) no Colégio Sobralense e o terceiro no Colégio Estadual
Professor João Hipólito de Azevedo e Sá, em Fortaleza. Concluído o segundo
grau, ingressei, em 1972, no curso de Farmácia da Universidade Federal do Ceará
(UFC). Em 1976, concluí esta graduação juntamente com especialização em
Análises Clínicas.
Enquanto cursava a
faculdade, lecionei em vários colégios de Fortaleza. Também, nesta época, no ano de 1974,
casei-me com Emília Maria Fernandes Vasconcelos. Inicialmente, nasceram minhas
duas filhas gêmeas, Leila Mara de Vasconcelos, hoje empresária; e Keila Mara de
Vasconcelos, graduada em Administração de Empresas. Juntos, tivemos mais três
filhos: Davi Helder de Vasconcelos Junior, médico; Davis Yuri de Vasconcelos,
odontólogo; e Tales Emanoel de Vasconcelos, farmacêutico-bioquímico.
Em 1977, voltando a
morar em Sobral, comecei a lecionar na faculdade de Enfermagem da Universidade
Estadual Vale do Acaraú (UVA). De certo modo, resgatava os bons momentos do
Seminário, pois o prédio da Betânia passara a sediar esta Universidade. Além
disso, o reitor e vários professores da UVA eram ex- seminaristas.
Atuei como
farmacêutico-bioquímico em vários laboratórios e farmácias. Hoje, ainda
trabalho no Laboratório Regional de Sobral e na Farmácia Aguiar. Paralelamente a estas atividades, instalei,
em 1989, uma empresa de vendas de material médico-hospitalar, a “Equilab
Saúde”, que ainda hoje está em funcionamento.
Em 2012, aposentei-me
como professor da UVA. Logo depois, em 2013, preencheria este tempo editando o
jornal Circular, de periodicidade mensal e que se encontra em sua 16ª edição.
Por tudo isso, ressalto
a importância do Seminário nos sólidos alicerces da minha formação humana,
religiosa, intelectual e profissional. Portanto, expresso minha satisfação em
pertencer à família “betanista” e minha eterna gratidão aos que estiveram
envolvidos naqueles momentos da minha vida: minha família, amigos, mestres e
funcionários do velho Casarão da Betânia.
Texto extraído do
livro SEMINÁRIO DA BETÂNIA – AD VITAM-65 DECLARAÇÕES DE AMOR, de
Leunam Gomes e Aguiar Moura – Edições UVA, 2015 – Sobral – CE
Nenhum comentário:
Postar um comentário