Em todo o ano passado, foram registradas 41,1 mil
mortes violentas intencionais no país - 3 mil a
menos que em 2020. Trata-se do menor
número de toda a série histórica do Fórum Brasileiro
de Segurança Pública, que coleta os dados desde 2007.
Estão contabilizadas no número as vítimas dos seguintes crimes:
- homicídios dolosos (incluindo os feminicídios)
- latrocínios (roubos seguidos de morte)
- lesões corporais seguidas de morte
A diminuição dos assassinatos em 2021 retoma
a tendência de queda registrada no país pelo Monitor
da Violência desde o balanço de 2018. Esta tendência foi interrompida em 2020, ano que teve uma alta de mais
de 5% em plena pandemia, mas voltou a ser registrada em 2021.
Com a redução, o número de
mortes volta ao patamar de 2019, quando foram registradas 41,7 mil
mortes. Naquele ano, houve a maior queda
da série, de 19%.
Segundo especialistas do FBSP e do NEV-USP, o menor número de
mortes é motivado por um conjunto de fatores, incluindo: profissionalização do
mercado de drogas brasileiro; maior controle e influência dos governos sobre os
criminosos; apaziguamento de conflitos entre facções; políticas públicas de
segurança e sociais; e redução do número de jovens na população.
O levantamento faz parte do Monitor da Violência, uma parceria
do g1 com o
Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e o Fórum
Brasileiro de Segurança Pública.
Os dados apontam que:
- o país teve 41.069
assassinatos em 2021, o menor número de toda a série
histórica, iniciada em 2007;
- houve 3.049
mortes a menos na comparação com 2020, uma queda
de 7%;
- 21 estados do país tiveram redução de assassinatos no ano;
- a maior queda foi
registrada no Acre, de
-38%;
- 6 estados tiveram aumento de mortes violentas -
sendo que 4 deles estão na região Norte;
o Norte foi a
única região do país que registrou alta de assassinatos,
de 10%;
- a maior alta foi
registrada no Amazonas,
de 54%.
Menor
número em 14 anos
O número de assassinatos no Brasil em 2021 é o menor se for
levada em conta a série histórica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública,
iniciada em 2007, e os levantamentos realizados pelo Monitor da Violência desde
2018.
O patamar impressiona porque, até 2011, o Fórum contabilizava as
ocorrências (em que é possível ter mais de uma vítima). Já os dados coletados
desde 2012 pelo Fórum e desde 2018 pelo g1 se referem a números de vítimas. Mesmo
assim, os números de 2019, 2020 e 2021 são os menores da série histórica.
O último trimestre de 2021 aponta para uma tendência de queda
ainda maior que nos meses anteriores. A reduçao dos assassinatos entre outubro
e dezembro do ano passado foi de 14,1% em comparação com o mesmo período de
2020.
Causas
para a redução
Os especialistas do Núcleo de Estudos da Violência da USP e do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública elencam alguns pontos para explicar os
números:
- Profissionalização do mercado de drogas
brasileiro: "Mercados criminosos equilibrados, com
competidores que aprenderam a conviver entre si ou que descobriram formas de
regulamentar a relação entre eles, tendem a reduzir o total de conflitos
fatais. (...) A existência de regras e a criação de uma ampla rede de
parceiros, que se expandiu com os contatos com criminosos de outros estados
feitos nos presídios federais, ajudaram (o PCC) a se tornar um importante
distribuidor de drogas e de armas para quadrilhas de outros estados,
transformando o mercado de drogas brasileiro, que passou a replicar o modelo
criminoso paulista, se organizando a partir dos presídios estaduais", diz
Bruno Paes Manso, do NEV-USP.
- Maior controle e influência dos governos sobre
os criminosos: "O próprio modelo de negócio criado
por esses grupos tornou as lideranças das diversas gangues prisionais mais
vulneráveis e sujeitas a pressões dos governos. Como parte delas estava presa,
suas ordens dadas de dentro do sistema penitenciário para os territórios
estavam sendo mais vigiadas e acompanhadas pelas autoridades. Os governos e
sistemas de justiça estaduais vinham acumulando e trocando informações que
permitiram agir para reduzir os conflitos e punir as lideranças mais
truculentas dentro das prisões, que foram levadas a exercer um comando mais
diplomático, racional e lucrativo", diz Bruno.
- Apaziguamento de conflitos entre facções:
"Entre 2016 e 2017 vivemos uma guerra entre dois grupos
criminosos, o PCC e o Comando Vermelho, e essa guerra se alastrou por todo o
país, especialmente em estados do Norte e Nordeste. A gente tem um
apaziguamento desse conflito em alguns territórios e, em outro, tem um certo
monopólio de algum grupo. Quando um grupo único vai se consolidando no
território, tende a reduzir o conflito", diz Samira Bueno, do FBSP.
- Criação de programas de focalização e outras
políticas públicas: "Várias unidades da federação
adotaram, ao longo dos anos 2000 e 2010, programas de redução de homicídios
pautados na focalização de ações nos territórios. O Pacto Pela Vida, em
Pernambuco, o Estado Presente, no Espírito Santo, e o Ceará Pacífico, no Ceará,
são exemplos de projetos que buscaram integrar ações policiais e medidas de caráter
preventivo. Ao longo dos anos, muitos governadores titubearam na manutenção de
tais iniciativas, mas houve um aprendizado organizacional das forças de
segurança que mostra que, quando existe planejamento, integração e metas, os
macros objetivos são mais rapidamente alcançados", afirmam Samira Bueno e
Renato Sérgio de Lima, do FBSP. Os especialistas também citam outras políticas
públicas que estão sendo desenvolvidas pelas unidades da federação, focadas na
integração das forças policiais com o fortalecimento dos mecanismos de
inteligência e investigação.
- Redução do número de jovens na
população: "Tem a ver com as mudanças demográficas,
algo que a gente já vem apontando há alguns anos no Atlas da Violência, que é a
redução do número de jovens na população. É sabido que a maior parte da
violência letal atinge jovens do sexo masculino. E o Brasil está diante de uma
grande mudança demográfica", afirma Samira.
- Criação do SUSP e mudanças nas regras de
repasses: "Em 2018, o governo federal conseguiu
aprovar, depois de tramitar por 14 anos, a lei que criou o Sistema Único de
Segurança Pública, responsável por regulamentar a Constituição de 1988 no que
diz respeito à integração e eficiências das instituições de segurança pública.
Ainda em 2018, (...) houve uma mudança nas regras de repasse de recursos
arrecadados pelas Loterias da Caixa que, na prática, fez com que cerca de 80%
de todo o dinheiro da segurança repassado para estados e Distrito Federal de
2019 a 2021 tenha as loterias como origem e, com isso, novos recursos puderam
ser destinados à área", dizem Samira e Renato.
Os pesquisadores destacam que a queda no índice de homicídios
pode acontecer mesmo com a maior introdução de armas no país por conta dos
decretos e mudanças na legislação promovidas pelo governo federal.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública publicado no
ano passado, o Brasil dobrou o número de
armas nas mãos de civis em apenas três anos.
"As armas e munições legais e ilegais – que são desviadas e
ingressam no mercado do crime – não causam, isoladamente, variações nas taxas.
Elas tendem a aumentar os homicídios circunstanciais, em bares, boates e no
trânsito, por exemplo, e os femininídios. Mas não afetam necessariamente as
dinâmicas criminais nos estados", diz Bruno Paes Manso.
"O Rio de Janeiro é um exemplo. Apesar da imensa quantidade
de fuzis nas mãos de traficantes e milicianos, que controlam diversas
comunidades do estado graças a esse poder bélico, a atual força política dos
milicianos tem inibido conflitos por poder e mercado, contribuindo para uma
redução de mortes intencionais violentas que persistiu nos últimos quatro anos
– mesmo com as prisões e impeachment dos seus chefes de executivos."
Acre:
maior queda de mortes do país
Já no Acre, o estado com a maior queda no número de mortes
violentas em todo o país, as autoridades atribuem a melhora dos índices de
violência aos seguintes fatores:
- Integração das forças de segurança do estado (criação da
força-tarefa);
- Intensificação de operações;
- Retomada dos presídios;
- Descapitalização dos grupos criminosos;
- Estabilização de territórios das facções criminosas.
A queda no estado foi expressiva: 38%. Os
números passaram de 292 em 2020 para 181 em 2021.
Além das razões citadas acima, outras medidas foram tomadas no
estado para controlar a violência desde 2015, ano em que o poder público
assumiu de forma oficial que o estado estava lidando com a presença de
organizações criminosas.'
O promotor Bernardo Fiterman Albano, coordenador do Grupo de
Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público
do Acre, diz ainda que a estabilização de territórios dominados por grupos criminosos
no estado também influenciou a redução de mortes violentas em 2021, já que
grande parte dos assassinatos acontece devido à guerra entre as facções por
território.
“Mas tem que se perguntar por que as facções criminosas
resolveram fazer, digamos, ‘esse acordo’. No nosso entendimento, todas elas
estavam pressionadas pela atuação do estado e do Gaeco também, então foi um
fator preponderante para a redução dessas mortes no Acre”, diz.
Região
Norte na contramão do país
A redução de assassinatos no Acre, porém, é uma exceção na
região Norte do país. A região foi a única do Brasil a ter alta de mortes
violentas: 10%.
"Ao contrário do resto do estados, onde essa curva de
homicídios vem diminuindo, mostrando uma maior estabilidade nessas cenas
criminais, no Norte, os estados da Amazônia Legal vivem um desequilíbrio em
decorrência da fragilização das instituições de fiscalização e de polícia para
controlar os comportamentos criminosos na invasão de terra indígena, de
grilagem, de madeira e mesmo da droga", diz Bruno Paes Manso.
O Amazonas foi o estado com a maior alta da região e do país:
54% a mais de mortes foram registradas em 2021 que em 2020 no estado - o número
passou de 1.019 para 1.571.
Um desses casos foi o do indígena Melquisedeque Santos, de 20
anos. Ele era aprendiz e foi morto no dia 17 de dezembro,
durante um assalto a ônibus do transporte coletivo de Manaus. O menino voltava
para casa, após um dia de trabalho, com uma cesta de natal para a família.
"Estamos há dois meses esperando alguma resposta das
autoridades sobre o caso do Melque. A vida dele foi ceifada de forma brutal.
Ele perdeu a vida no transporte coletivo. Agora, esperamos celeridade da
justiça", diz Rucian Vilacio, tio do jovem morto.
"Eu continuo usando o transporte coletivo, mas não me sinto
seguro. A cidade está cada vez mais violenta. A gente vê isso no rosto das
pessoas, elas andam com medo. A gente precisa ir trabalhar, se sentir seguro,
voltar para casa em segurança. Deixamos gente em casa, nossos filhos, pai, mãe,
e não sabemos se vamos voltar. Todo dia é uma luta, e a gente continua aqui
pedindo justiça pelo Melquisedeque."
No dia 18 de dezembro, um dia após a morte do indígena, a
Polícia Civil chegou a prender um dos envolvidos no latrocínio. No entanto, até
agora, ninguém mais foi detido.
O g1 questionou a PC sobre o avanço das
investigações. Em nota, o órgão informou que o caso está sob responsabilidade
da Delegacia Especializada em Roubos, Furtos e Defraudações (DERFD). O delegado
Adriano Félix ressalta que as investigações em torno do ato criminoso estão em
andamento, mas outras informações não podem ser repassadas no momento.
Índice
nacional de homicídios
A ferramenta criada pelo g1 permite o acompanhamento dos dados
de vítimas de crimes violentos mês a mês no país. Estão contabilizadas as
vítimas de homicídios dolosos (incluindo os feminicídios), latrocínios e lesões
corporais seguidas de morte. Juntos, estes casos compõem os chamados crimes
violentos letais e intencionais.
Jornalistas do g1 espalhados pelo país solicitam os dados,
via assessoria de imprensa e via Lei de Acesso à Informação, seguindo o padrão
metodológico utilizado pelo fórum no Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
O governo federal anunciou a criação de um sistema similar ainda
na gestão do ex-ministro Sergio Moro. Os dados, no entanto, não estão
atualizados como os da ferramenta do g1.
Os dados coletados mês a mês pelo g1 não incluem as mortes em decorrência de intervenção
policial. Isso porque há uma dificuldade maior em obter esses dados em tempo
real e de forma sistemática com os governos estaduais. O balanço de 2020 foi realizado
dentro do Monitor da Violência, separadamente, e foi publicado em
abril. O levantamento do ano de 2021 ainda será divulgado.
(G1)
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