Ele ocupou o
posto entre 1995 e 1999 e foi no último ano da sua gestão que ocorreram os
bombardeios da Otan contra a então Iugoslávia (hoje Sérvia e Montenegro).
Aquele país
era liderado por Slobodan Milosevic, com milhares de refugiados por
perseguições étnicas. A ação da Otan, realizada quando Madeleine Albright, que
faleceu nesta semana, era secretária de Estado dos Estados Unidos, foi
realizada sem o mandato do Conselho de Segurança das Nações Unidas. A Rússia
apoiava a então Iugoslávia.
Anos mais
tarde em visita a Kosovo, já como representante da União Europeia, Javier
Solana foi criticado por apoiadores de Milosevic. "Foi aberta uma nova
história na República Federal de Iugoslávia", disse à época diante das
críticas, segundo a imprensa espanhola.
Nesta
entrevista exclusiva à BBC News Brasil, falando durante uma viagem de trem em
Barcelona, Solana disse que nada justifica os ataques de Vladimir Putin à
Ucrânia.
Ele afirma que
os líderes ocidentais devem fazer de tudo para que seja evitada uma guerra com
a Rússia, que é uma potência nuclear, mas também disse que a aliança ocidental
prevê, no artigo quinto do Tratado de 1949, que constituiu a Otan, o principio
de autodefesa.
Ou seja, que
qualquer ataque a um país membro será respondido, de forma coletiva, por meios
militares. "Nada justifica que a Rússia ataque a Ucrânia com canhões e se
a Otan é atingida deve reagir", diz o ex-secretário da Otan.
A seguir a
entrevista:
BBC News
Brasil - A Otan cometeu erros estratégicos que levaram à situação
atual com a invasão da Rússia na Ucrânia? Em 2008, a Ucrânia foi convidada a
ser parte da Otan...
Javier Solana
- Não participei da reunião
de 2008. Mas uns pediam que se fosse mais longe e outros países, como França e
Alemanha, estavam mais cautelosos a dar esse passo. Porque, vejamos, a aliança
é uma aliança decisiva que, portanto, tem que ter países que sejam estáveis. E
havia quem pensava que a Ucrânia não estava totalmente estabilizada para fazer
algo assim.
BBC News
Brasil - Qual é sua visão hoje? A expansão da Otan para os países do ex-bloco
soviético, não foi um erro estratégico? E mantendo o convite à Ucrânia (após o
conflito de 2014)?
Solana - Eu fui secretário geral da Otan quando ocorreu a
ampliação de outros países, que são Polônia, Hungria, República Checa e
Eslováquia.
BBC News
Brasil - Na sua visão, o que levou a Rússia a invadir a Ucrânia? Não pode estar
ligado ao histórico da Otan...
Solana - Acho que não existe nenhuma razão para a invasão de
um país com o qual não existe nenhum conflito importante. É um erro gravíssimo
e o que Putin está fazendo é uma alteração na lei internacional. Não existe
nenhuma explicação.
BBC News
Brasil - Analistas afirmaram que como a Ucrânia queria ser parte da Otan, Putin
reagiu com a invasão.
Solana - Isso não é justificável. A Ucrânia não é
parte da Otan e esta possibilidade não está prevista sequer em um futuro
próximo. Talvez algum dia possa ser.... Mas os países não podem resolver os
conflitos com canhões. É uma violação das leis internacionais, é inaceitável.
BBC News
Brasil - Na quinta-feira (24/3), líderes ocidentais estão reunidos, em
Bruxelas, em cúpulas da Otan, do G7 e da União Europeia....
Solana - Eu sei, eu sei. Estou acompanhando.
BBC News
Brasil - Foi anunciado o envio de mais armas à Ucrânia e, inclusive, o
primeiro-ministro Boris Johnson falou sobre o envio de mísseis.
Solana - Eu acho que é preciso ajudar a Ucrânia. Mas de uma
forma que não se acabe gerando uma guerra maior ainda.
BBC News
Brasil - Mas de que maneira?
Solana - Os líderes do mundo ocidental devem evitar
uma confrontação entre a Otan e a Rússia. Ninguém quer isso e é preciso fazer
todo o possível para que isto não ocorra. Não podemos entrar numa guerra
mundial e com armas nucleares. Seria um horror.
BBC News
Brasil - Nos últimos dias, ataques russos atingiram área bem próxima da
fronteira com a Polônia. A Otan deve reagir caso haja ações em territórios dos
países do bloco...
Solana - Com certeza. Não tenho a menor dúvida disso.
Devem reagir de acordo com o artigo cinco da aliança. Se um país (da Otan) é
atacado, a aliança deve reagir coletivamente.
BBC News
Brasil - Ou seja, se Putin atacar no território da Polônia, por exemplo, que é
o país que mais está recebendo refugiados ucranianos, a Otan em seu conjunto
deve reagir, na sua opinião...
Solana - Sim, claro que sim. A Otan vai analisar e
tomar a decisão que acredite ser oportuna, mas existe o artigo cinco que
determina que se defenda qualquer país (da aliança ocidental) que seja atacado.
BBC News
Brasil - O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, falou em risco de uma
terceira guerra mundial se houver um enfrentamento entre a Otan e a Rússia. Não
existe este risco...
Solana - Foi o que lhe disse no início. Os líderes
devem fazer todo o possível para evitar um confronto entre a Aliança do
Atlântico e a Rússia.
BBC News
Brasil - A Otan teve seu papel durante a Guerra Fria, antagonizando com o bloco
soviético e o Pacto de Varsóvia. Após o fim da União Soviética (URSS) e do
Pacto de Varsóvia, a Otan não perdeu sua razão de ser?
Solana - Não acho não. A Otan continuou sendo um grupo de
países europeus, onde ocorreram guerras muito grandes entre eles, um grupo de
defesa mútua, e a aliança é e foi importante para que não ocorresse nenhum tipo
de guerra. Não faz sentido se desfazer de algo que funcionou durante a Guerra
Fria.
BBC News
Brasil - A Otan continua importante na sua opinião..
Solana - Sim.
BBC News
Brasil - Existem muitas diferenças entre o potencial armamentista da Otan,
da Rússia e da Ucrânia. Se a Otan entra na guerra, o que poderia ocorrer de
fato?
Solana - Não quero me meter nessa posição.
BBC News
Brasil - Mas a existência da Otan e sua expansão para o Leste Europeu
representa uma ameaça à Rússia e a outros países que rivalizam com os Estados
Unidos, como a China?
Solana - Não, não. Não representa ameaça à Rússia e nem à
China.
BBC News
Brasil - O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenski, cobrou da Otan o
estabelecimento de uma zona de exclusão aérea sobre o país. Seria possível?
Quais as consequências disso?
Solana - O presidente da Ucrânia está sendo atacado
por uma potência nuclear e sem ter feito nada para que seja atacado. Não há
razão para que a Rússia esteja atacando civis e atuar como está atuando contra
um país que não tem, que não representa nenhuma ameaça para a Rússia.
BBC News
Brasil - Mas...
Solana - Não sei porque Putin faz isso.
BBC News
Brasil - Quando o senhor foi secretário geral da Otan viveu momentos
desafiantes como este para o mundo?
Solana - Eu vivi um momento de esperanças que foi exatamente
quando se assinou a ata fundacional entre a Rússia e a Otan criando uma
instituição nova que era Rússia-Otan. E eu achava que esse era o caminho a
seguir.
BBC News
Brasil - Esse acordo foi positivo?
Solana - Claro que sim.
(BBC)
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