Passado o susto, políticos e analistas
já começam a avaliar quais os impactos diretos no xadrez eleitoral se a
desistência de Moro se confirmar.
Especialistas ouvidos pela BBC News
Brasil afirmam que a saída do ex-juiz da Operação Lava Jato do páreo
presidencial deverá beneficiar Jair Bolsonaro e uma eventual candidatura
unificada na "terceira via". Em contrapartida, o movimento deverá,
avaliam, prejudicar a candidatura de Lula.
A desistência de Moro foi anunciada por
meio de suas redes sociais e culminou em uma sequência de movimentos que ele
vinha fazendo na tentativa de obter mais estrutura para sua pré-candidatura.
Moro anunciou que disputaria a
Presidência no final de 2021, ao se filiar ao Podemos. De lá para cá, porém,
ele se deparou com as limitações de recursos financeiros e políticos do partido
para alavancar suas pretensões.
Nos últimos dias, ele passou a manter
conversas com o União Brasil, partido resultante da fusão entre o Democratas e
o PSL. O partido é, hoje, o maior do país e tem direito a fundo partidário de
aproximadamente R$ 1 bilhão. Sua ida para a legenda, porém, esbarrou na
resistência de lideranças internas que alegaram que sua filiação não
significaria a adesão automática do partido à sua pré-candidatura.
Com o prazo de filiação partidária
determinado pela Justiça Eleitoral se esgotando, Moro aceitou o convite do
União Brasil e comunicou que, "nesse momento", abria mão de sua
candidatura.
"Para ingressar no novo partido,
abro mão, nesse momento, da pré-candidatura presidencial e serei um soldado da
democracia para recuperar o sonho de um Brasil melhor", diz um trecho da
nota.
A pesquisa mais recente do Datafolha,
divulgada na semana passada, apontava que Moro tinha 8% das intenções de voto.
Lula aparece com 43% e Bolsonaro com 26%.
Beneficiados: Bolsonaro e terceira via
Para os especialistas ouvidos pela BBC
News Brasil, o cenário mais provável é o de que Jair Bolsonaro
"herde" parte significativa desse eleitorado. Isso aconteceria porque
o perfil desses eleitores é parecido com o daqueles que já votam em Bolsonaro.
"Se congelássemos o cenário
político brasileiro no momento presente, certamente o maior beneficiado desta
decisão seria Jair Bolsonaro, dada a maior proximidade político-ideológica dos
eleitores de Bolsonaro e Moro", diz Ariane Roder, cientista política e
professora do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Coppead)
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Ela diz, no entanto, que essa migração
de votos não seria imediata.
"Na verdade, a transferência de
votos de Moro não será automática para Bolsonaro e, além disso, o ex-juiz pode
vir a apoiar algum outro candidato", explica.
A cientista política e professora do
Laboratório de Estudos Eleitorais, de Comunicação Política e de Opinião Pública
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Carolina Botelho, também
avalia que a saída de Moro deverá impactar positivamente a campanha de
Bolsonaro, que vem mostrando uma reação nas pesquisas e diminuindo a distância
entre ele e Lula.
"Preferencialmente, esses votos (de
Moro) devem ir para Bolsonaro. O PT ganharia pouco com essa mudança",
afirma.
A avaliação do cientista político e
presidente do conselho científico do Ipespe, Antonio Lavareda, é semelhante à
de Carolina e Ariane. Ele salienta, ainda, que não é só Bolsonaro que poderá se
beneficiar. Para ele, a saída de Moro facilita a construção de uma candidatura
unificada no campo da chamada "terceira via", termo pelo qual ficou
conhecido o grupo de políticos que não está alinhado a Lula ou a Bolsonaro.
"Essa saída ajuda Jair Bolsonaro,
uma vez que muitas intenções de voto de Moro são situadas à direita do espectro
político-ideológico brasileiro. Agora, sem essa candidatura, vai aumentar a
chance de triangulação da disputa e de que a tal terceira via venha a ser
competitiva", afirmou Lavareda.
Prejudicado: Lula
Os especialistas são cautelosos, mas
avaliam que a candidatura de Lula pode ser prejudicada pela saída de Moro da
corrida presidencial.
Para Ariane Roder, a desistência
momentânea de Moro prejudica a pré-candidatura do petista tanto por
potencialmente fornecer mais votos a Bolsonaro quanto por abrir uma brecha para
uma candidatura competitiva que rompa a disputa entre ele e o atual presidente
ainda no primeiro turno.
"Lula é habilidoso para o embate
com Moro, que no meu entender seria seu principal inimigo político. Ou seja,
acho que Lula estava se preparando para esse momento. A retirada momentânea de
Moro traz uma indefinição sobre se haverá ou não uma candidatura articulada e
potente ao centro", explica Ariane.
O diretor do instituto de pesquisa de
opinião pública Quaest, Felipe Nunes, faz uma avaliação parecida.
"A fragmentação de candidaturas
diminuía as chances de uma alternativa fora da polarização Lula-Bolsonaro. A
saída de Moro pode simplificar esse quadro e aumentar as chances de coordenação
eleitoral entre aqueles que gostariam de uma alternativa", explica.
Carolina Botelho, no entanto, faz uma
ressalva sobre os impactos efetivos da saída de Moro do páreo. Segundo ela, as
pesquisas de intenção de voto já vêm apontando um alto grau de
"adesão" a Lula e Bolsonaro.
"Acho que pode mudar pouca coisa
porque os eleitores já têm mostrado uma forte adesão às candidaturas de Lula e
de Bolsonaro, especialmente nas simulações de segundo turno", afirmou.
Os especialistas também avaliam que é
preciso cautela em relação ao movimento anunciado nesta semana por Moro. Isto
porque o prazo para o registro de candidaturas para as eleições deste ano se
encerra apenas no dia 15 de agosto.
Até lá, há espaço para novas negociações
envolvendo Moro e uma eventual candidatura sua à Presidência.
Na quinta-feira, por exemplo, o
governador de São Paulo, João Doria (PSDB) desmentiu os rumores de que iria
desistir da corrida presidencial, anunciou que deixaria o cargo e manteve sua
pré-candidatura ao Palácio do Planalto.
"Não acho que Moro esteja fora do
jogo. Ele recuou para dialogar com outros pré-candidatos como Doria, e a
senadora Simone Tebet (MDB-MS). Não sejamos inocentes. Não sejamos inocentes. A
política é densa. O que se vê é apenas uma camada superficial do que de fato
está ocorrendo nos bastidores", avalia Ariane Roder. (G1)
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