A reforma trabalhista está na agenda das eleições de 2022. Ao menos dois candidatos à Presidência — Lula e Ciro Gomes — falam na possibilidade de revogar ou revisar a mudança da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), sancionada em 2017, durante o governo de Michel Temer.
Com 11,9 milhões de desempregados
ao fim do primeiro trimestre, 40% da população ocupada na informalidade e queda
de quase 9% da renda no ano, os brasileiros têm uma dúvida: qual foi o efeito
da reforma trabalhista sobre o emprego?
Antes da implementação, as
promessas da equipe econômica de Temer eram de que a reforma — que, entre
outras mudanças, instituiu novas modalidades de contratação — criaria entre 2 e
6 milhões de empregos nos anos seguintes à sua aprovação.
Mesmo considerando a pandemia e
crises institucionais desde então, há frustração da população com uma taxa de
desemprego que se mantém em dois dígitos há seis anos — ainda que a reforma
esteja em vigor há mais de quatro deles.
No entanto, avaliar os impactos
da reforma não é tarefa simples. Isso porque não basta olhar para dados como a
taxa de desemprego e a renda, antes e depois da reforma, para chegar a alguma
conclusão, pois diversos fatores influenciam essas variáveis e não é possível
saber como a economia teria se comportado caso a reforma não estivesse em
vigor.
Dois estudos recentes tentam
contornar essas dificuldades.
Mas ainda restam muito mais
dúvidas do que certezas sobre como a reforma mudou a economia brasileira e como
ela poderia ser alterada para beneficiar trabalhadores e empresas.
Novo estudo da USP
Gustavo Pereira Serra,
pesquisador do Made-USP (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades
da Universidade de São Paulo), destaca a dificuldade de se avaliar os efeitos
da reforma trabalhista sobre o mercado de trabalho brasileiro.
"Desde que a reforma foi
aprovada, ao final de 2017, muita coisa aconteceu na economia brasileira. A
gente teve questões políticas, uma troca de governo, também a crise econômica
causada pela pandemia de covid-19. Então é importante tentar isolar quais foram
os impactos especificamente dessa reforma", diz Serra.
Por ser difícil, olhando somente
para o Brasil, separar o que é efeito direto da reforma, o grupo de
pesquisadores formado por Serra, Ana Bottega e Marina da Silva Sanches
selecionou uma amostra de 12 países da América Latina e Caribe que não passaram
por mudanças em suas leis trabalhistas no período analisado — que vai de 2003 a
2020.
Por esse critério, Paraguai,
Uruguai, Argentina e Costa Rica ficaram fora da amostra, por terem passado por
algum tipo de mudança nas relações de trabalho no período. Restaram Bahamas,
Bolívia, Chile, Colômbia, República Dominicana, Guiana, México, Nicarágua,
Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas e Trinidade e Tobago.
A partir do comportamento da taxa
de desemprego nesses países, os economistas constroem um "Brasil
sintético". Isto é, uma projeção de como teria se comportado a taxa de
desemprego brasileira, caso não tivesse sido aprovada por aqui a reforma
trabalhista.
Esse modelo é controlado para uma
série de outras variáveis, como crescimento do PIB, inflação, câmbio e taxa de
juros, já que todos esses indicadores influenciam a taxa de desemprego.
Usando essa tática, os
economistas encontram que a reforma trabalhista teria reduzido a taxa de
desemprego no país entre 2018 e 2020 em 1 ponto percentual, na média dos três
anos.
Em seguida, os economistas
realizam um teste, para saber se essa variação encontrada é significativa do
ponto de vista estatístico.
E aí vem o banho de água fria.
Aplicando a mesma metodologia
para países onde não houve reforma, como Chile, Guiana e Trinidade e Tobago, os
economistas encontram diferenças ainda maiores entre o modelo sintético e a
taxa de desemprego efetiva desses países, o que indica que não se pode concluir
que a diferença observada nos dados brasileiros seja resultado da reforma
trabalhista.
"A gente não consegue
afirmar que a criação de empregos foi maior com a reforma do que teria sido sem
a reforma", diz Serra.
Ele destaca que uma dificuldade
para a análise do caso brasileiro é o curto tempo da reforma em vigor.
Isso porque estudos utilizando
metodologia semelhante, analisando reformas trabalhistas realizadas na
Argentina, Austrália e Alemanha, encontraram reduções na taxa de desemprego
desses países entre 1,19 e 3,44 pontos percentuais em 12 anos.
"Por um lado, as grandes
expectativas que o governo Temer tinha para a reforma definitivamente não foram
correspondidas", observam Serra, Bottega e Sanches no estudo.
"Por outro lado, nossos
resultados também sugerem cautela para concluirmos algo sobre a reforma tão
cedo, já que não podemos dizer que ela foi a causa dos aumentos na taxa de
desemprego nos últimos anos e nem podemos prever os efeitos que terá a longo
prazo."
Estudo sobre ponto específico da
reforma
Uma outra análise sobre a reforma
trabalhista repercutiu bastante nas últimas semanas, embora o estudo ainda não
esteja publicado e não seja possível, por ora, avaliar a metodologia utilizada
pelos pesquisadores.
O estudo analisa apenas um ponto
da reforma: a regra que transfere ao trabalhador os custos com o advogado da
empresa, caso ele perca uma ação trabalhista na Justiça.
"Criamos um modelo
matemático para replicar o que era o Brasil exatamente antes da reforma, no ano
de 2017", diz Danilo Paula de Souza, pesquisador de pós-doutorado no
Insper e um dos autores do estudo ao lado dos professores Raphael Corbi, Rafael
Xavier Ferreira e Renata Narita, da FEA-USP (Faculdade de Economia,
Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo).
"Então fazemos um exercício
contrafactual, que é analisar como seria esse Brasil pós-reforma, sem olhar
para os dados [da economia real], por que o emprego pode ter subido ou caído
[na economia real] por motivos diversos, como questões de política externa,
etc.", acrescenta Souza.
Os pesquisadores então alteram
esse modelo matemático para incluir a possibilidade de que o trabalhador tenha
de arcar com parte do custo do processo judicial, caso venha a perdê-lo.
"Então refazemos todos os
cálculos e vemos como as firmas e trabalhadores se comportariam nesse mundo
'contrafactual', em que simulamos a implementação desse ponto da reforma dentro
do modelo", diz Corbi, também autor do estudo.
"Dentro do modelo, essa mudança
resulta numa queda no número de processos trabalhistas de 30%, ou de 800 mil
processos — muito parecida com o que foi observado de fato na Justiça do
Trabalho. E uma redução de 1,7 ponto percentual no desemprego, que representa
1,7 milhão de empregos a mais", acrescenta o pesquisador.
Segundo ele, isso significa que
as firmas, antes da reforma, antecipavam o potencial custo de demissão elevado
e contratavam menos gente. Com a reforma, as empresas teriam maior segurança na
contratação e quanto aos custos de demissão e, por isso, contratariam mais, na
visão dos pesquisadores.
Adriana Marcolino, socióloga e
técnica do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos), vê os resultados desse estudo com cautela.
"Não conheço a metodologia
do estudo, já que ele não está publicado, mas acredito ser pouco efetivo pegar
uma medida que reduziu o número de processos trabalhistas e avaliar que houve
mais contratações no mercado de trabalho por conta disso", diz Marcolino.
A socióloga avalia que é negativo
ter havido uma redução no número de processos trabalhistas, não porque as
relações de trabalho tenham se tornado mais eficientes, mas porque, na sua
visão, foi criado um obstáculo para que os trabalhadores possam reivindicar
seus direitos na Justiça.
"Sabemos que no Brasil há um
descumprimento muito grande das questões básicas relacionadas ao trabalho —
pagamento de salário, realização de jornada, condições de saúde. Ao invés de
criar uma regulação que resolvesse esses problemas de forma mais efetiva,
criamos mecanismos para inibir o trabalhador de reclamar esses direitos",
afirma.
"Com isso, o empregador pode
ter tido uma redução de custos com ações judiciais, mas não vejo como isso
diretamente gerou empregos, a não ser num exercício matemático."
Em outubro do ano passado, o STF
(Supremo Tribunal Federal) julgou inconstitucional que trabalhadores com
direito à justiça gratuita paguem os honorários de sucumbência, como são
chamados os valores pagos aos advogados da parte vencedora de um processo
judicial.
Ganhadores e perdedores
Para o economista Claudio Ferraz,
professor da Universidade de British Columbia, no Canadá, e diretor científico
do JPAL (Poverty Action Lab) para a América Latina, são vários os fatores que
explicam por que ainda há tão poucos estudos consistentes quanto aos efeitos da
reforma trabalhista sobre a economia brasileira.
O primeiro problema, na avaliação
de Ferraz, é a falta de dados. Isso porque a principal fonte de estudos sobre o
mercado de trabalho formal no Brasil é a Rais (Relação Anual de Informações
Sociais), cujos microdados eram liberados com atraso de cerca de dois anos em
relação ao ano de referência pelo Ministério da Economia, prazo que
recentemente se tornou ainda mais longo.
Além disso, como a reforma entrou
em vigor de uma vez para todos os trabalhadores brasileiros, não é possível
comparar grupos afetados e não afetados pela mudança da lei, que é uma maneira
bastante usada para avaliar o impacto de políticas públicas, observa o
pesquisador.
O fato de a reforma ser bastante
complexa, tendo mexido ao mesmo temo em diversos pontos das relações de
emprego, também dificulta a análise dos impactos, avalia Ferraz.
Além da mudança da regra com
relação aos honorários advocatícios, a reforma trouxe diversas outras
alterações na lei, como a introdução do trabalho intermitente, a prevalência do
combinado entre trabalhador e empregado sobre a legislação e a não
obrigatoriedade da contribuição sindical.
"É possível olhar para
pedaços da reforma, como faz o estudo recente do Raphael Corbi, Renata Narita e
coautores, que olha para a redução no número de processos na Justiça
trabalhista e como isso pode ter afetado empresas e o custo judiciário das
firmas com processos", diz Ferraz.
"Mas esse é um pedaço muito
pequeno da reforma, cuja grande mudança eu avalio ser a flexibilização do
mercado em termos de contratação", afirma.
Para o economista, defensor de
longa data das políticas públicas baseadas em evidências e do uso de dados para
avaliação de políticas, eventuais mudanças na reforma trabalhista devem levar
em conta que diferentes grupos podem ter sido afetados de formas distintas pela
mudança de regras.
"Normalmente, quando
avaliamos políticas públicas, olhamos para o efeito médio, mas a reforma
trabalhista é um exemplo de como podemos ter 'ganhadores' e 'perdedores'",
diz Ferraz.
Ele cita o exemplo das mulheres
com filhos pequenos, que podem ter sido beneficiadas pela maior flexibilidade
de contratos possibilitada pela reforma.
Por outro lado, o economista
avalia que pode haver muitos "perdedores", com o avanço da
subcontratação, da terceirização de empregos e da perda de qualidade dos postos
de trabalho.
"Dizer que, por definição,
essa é uma reforma que piora a vida de todo mundo, acho que não é verdade. Por
isso fico um pouco assustado quando as pessoas falam que é preciso reverter
tudo, porque na verdade, a gente nem avaliou o que aconteceu e os efeitos são
heterogêneos."
Para o pesquisador, a iniciativa
do PT de olhar para o que foi feito na Espanha, com a revisão da reforma
trabalhista por lá, é um primeiro passo em um processo que demanda um
diagnóstico preciso antes de se falar em mudanças.
"O pontapé inicial é olhar
para as similaridades entre a reforma brasileira e outras. Em segundo lugar, é
preciso entender que essa é uma reforma microeconômica, portanto precisamos
olhar para os diferentes lados da reforma, o que aconteceu com empresas e
trabalhadores. No momento em que soubermos o que aconteceu, então podemos
pensar que políticas podemos implementar." (BBC)
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