Na Califórnia para participar da Cúpula das
Américas, Bolsonaro terá também seu primeiro encontro pessoal com o mandatário
americano Joe Biden. A agenda, vista como positiva tanto para o governo quanto
para a sua pré-campanha de reeleição ao Planalto, deve ser ao menos
parcialmente mobilizada pelo sumiço de Phillips e Pereira.
Na metrópole californiana um caminhão de LED
projeta pelas ruas do centro as fotos dos rostos de Phillips e Pereira e
anuncia, em inglês, que "os esforços do governo do Brasil para
encontrá-los são insuficientes" e que seu desaparecimento teria relação
com a política ambiental adotada pela atual gestão.
O jornalista e o indigenista foram vistos pela
última vez no Vale do Javari, um dos maiores territórios indígenas do Brasil,
no último domingo (5/6), após terem sofrido ameaças de morte em campo. Eles
trabalhavam documentando e denunciando a invasão e a exploração ilegal das
terras indígenas por grileiros, garimpeiros, madeireiros e pescadores.
O desaparecimento dos dois chamou a atenção da
comunidade internacional, que nos últimos anos adotou postura crítica em
relação aos crescentes índices de desmatamento da Floresta Amazônica. Nesta
quarta, cerca de 50 manifestantes, entre lideranças indígenas, ativistas e
artistas, como a atriz de Hollywood Frances Fisher (de Titanic) se reuniram em
frente à Prefeitura de Los Angeles com cartazes em inglês que chamavam
Bolsonaro de "mentiroso" e recomendavam a Biden "não
confiar" em Bolsonaro.
"O desaparecimento de Dom Phillips e seu
colega é extremamente preocupante e eu não acho que teria acontecido se o
governo Bolsonaro tivesse feito seu trabalho, em consonância com as leis
ambientais ao longo destes anos. Existe uma cultura de impunidade no Brasil sob
Bolsonaro que dá a grileiros, madeireiros e garimpeiros a sensação de que eles
podem fazer o que quiserem, com quem quiserem e saírem impunes. A necessidade
de encontrar esses homens é a primeira coisa que Biden deveria dizer a
Bolsonaro, acima de qualquer questão de relação bilateral, porque não se pode
normalizar uma coisa dessas", afirmou Steven Donziger, advogado dos
direitos humanos que atuou em casos históricos na Amazônia equatoriana e esteve
no protesto em Los Angeles.
Força-tarefa democrata
Ao longo de seu mandato, Bolsonaro foi cobrado
tanto em fóruns multilaterais como pela própria gestão Biden a coibir as
práticas criminosas na Amazônia e a proteger o bioma.
O próprio Biden, quando ainda candidato, em 2020,
chegou a dizer que daria dinheiro ao Brasil para que o país parasse de
"queimar" as matas. Já no poder, Biden designou o ex-senador
democrata John Kerry como seu Enviado Especial Climático. A equipe de Kerry e o
então ministro do meio ambiente Ricardo Salles, no entanto, acumularam desgastes
e tensões, que culminaram na interrupção temporária das negociações ambientais
entre os dois países.
Os americanos chegaram ainda a municiar a Polícia
Federal com informações sobre contrabando internacional de madeira que
colocaram Salles como alvo de uma das investigações. Diante do impasse, o
titular da pasta de Meio Ambiente acabou trocado e o relacionamento foi
retomado.
Depois da COP-26, no fim do ano passado, o clima
político mudou. O governo brasileiro se comprometeu com metas consideradas
ambiciosas pelos americanos tanto para a redução de emissão de gases do efeito
estufa, como o metano, como para eliminação do desmatamento ilegal. O próprio
Kerry e a indicada para embaixadora dos EUA no Brasil, Elizabeth Bagley,
elogiaram publicamente os compromissos brasileiros.
Manifestações críticas dos americanos sobre a
questão ambiental se tornaram mais raras e escassas. E até mesmo a
possibilidade de que a gestão Biden abrisse mais espaço de interlocução às
lideranças indígenas amazônicas - algo aventado por Kerry - não se concretizou.
Agora, no entanto, o sumiço de Phillips e Pereira
voltam a jogar luz sobre um tema espinhoso para Bolsonaro, às vésperas de sua
agenda mais importante com o governo americano desde a saída do republicano
Donald Trump da Casa Branca.
Kerry, que foi informado sobre o assunto pela
coordenadora da Articulação para os Povos Indígenas do Brasil, Sonia Guajajara,
em um evento em NY, se comprometeu a acompanhar o caso de perto. Já a equipe do
senador Ed Markey, de Massachussets, se encontrou com Toya Manchineri, membro
da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, a COIAB, em
Washington. Manchineri participou da manifestação em Los Angeles, na qual pediu
que os americanos não celebrem nenhum acordo com o governo do Brasil.
Nesta quarta, Markey se posicionou via Twitter:
"Estou preocupado com relatos de que Bolsonaro quer evitar discutir o
desmatamento da Amazônia e os esforços para minar a integridade das próximas
eleições do Brasil, na Cúpula das Américas, nesta semana. Os EUA devem pressioná-lo
em ambas as questões", disse o senador da base de Biden, citando ainda o
pleito presidencial de outubro, tema que a diplomacia brasileira gostaria de
evitar.
Nos últimos dias, congressistas da base de Biden na
Câmara dos Representantes lançaram mensagens públicas exortando o governo
brasileiro a intensificar suas buscas pelo jornalista e pelo indigenista e
expressando preocupação com ambos e com a situação de conflagração na região.
A Comissão de Relações Exteriores da Câmara, por
meio de seu presidente, o deputado Gregory Meeks, afirmou que "nos unimos
ao povo brasileiro e à comunidade internacional no apelo por ações que os
encontrem (Phillips e Pereira) o mais rapidamente possível".
Já o deputado pelo Wisconsin Mark Pocan afirmou
estar "profundamente preocupado pela segurança" dos desaparecidos.
"As autoridades brasileiras devem intensificar a busca por eles e ajudar a
trazê-los para casa", disse Pocan.
Raul Grijalva, deputado pelo Arizona, postou em sua
conta que o "governo brasileiro deve imediatamente buscá-los".
E Jim McGovern, representante pelo Massachussets,
afirmou: "Exorto o governo do Brasil a intensificar seus esforços para
encontrar os respeitados jornalista Dom Phillips e o especialista indígena
Bruno Araújo Pereira, desaparecido há vários dias. Por favor, vamos trazê-los
para casa".
Na Cúpula das Américas, está previsto o primeiro
encontro pessoal de Bolsonaro com o presidente americano, Joe Biden
'Aventura'
A resposta do governo federal e do Exército
brasileiro diante do sumiço gerou questionamentos na comunidade internacional e
no Brasil. Segundo a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), que
primeiro deu o alerta para o desaparecimento, nas primeiras 24 horas após a
denúncia, a mobilização para buscas foi insuficiente e não empregou, por
exemplo, helicópteros, considerados fundamentais para varrer a enorme área e
localizar pessoas nas matas.
O Comando Militar da Amazônia, que teria
contingente e equipamentos para a procura, chegou a divulgar nota em que dizia
aguardar por ordens superiores para iniciar operações de resgate. As forças
policiais e militares têm repetido que todo o esforço possível tem sido feito.
Ao comentar o assunto, o presidente Bolsonaro disse em entrevista ao SBT que Phillips e Pereira se lançaram a uma "aventura não recomendável".
Na diplomacia brasileira, há a expectativa de que fossem feitas poucas cobranças sobre o meio ambiente durante a conversa com Biden e a sua presença na Cúpula, além da discussão de medidas sobre o avanço das energias renováveis e combate das mudanças climáticas.
Mas se o presidente americano escutar parte da sua base, não deixará de falar sobre o desaparecimento de Phillips e Pereira, do desmatamento da Amazônia e das sucessivas declarações de descrédito de Bolsonaro sobre o processo eleitoral.
"Apelamos ao presidente Bolsonaro que aumente significativamente os esforços de busca e abstenha-se de minimizar esta grave situação", disseram em comunicado conjunto os deputados Grijalva e Susan Wild, da Pensilvânia. No mesmo documento, os parlamentares ainda pedem que durante o encontro bilateral, Biden pressione Bolsonaro a interromper o desmatamento e o garimpo ilegal na Amazônia e a deixar claro que os EUA não tolerarão ataques à democracia brasileira.
"À medida que as eleições no Brasil se aproximam, o presidente Biden deve enviar uma forte mensagem de que os esforços para semear desconfiança no sistema eleitoral, intimidar eleitores ou endossar a violência são inaceitáveis", escreveram os parlamentares em sua mensagem para Biden.
Diante de eleições parlamentares em cinco meses, Biden costuma ser bastante sensível à pressão política de seus correligionários. Nesta quarta, um dia antes do encontro com Bolsonaro, Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, assegurou que não haverá tópicos proibidos na conversa entre os presidentes, em um recado para a base de Biden.
"Os presidentes vão discutir sobre eleições abertas, livres, transparentes e democráticas. E o clima será um tema importante da conversa, acreditamos que poderá ser uma área de progresso na relação entre Brasil e EUA, especialmente em ações tangíveis para proteger a Amazônia", disse Sullivan.
Não há previsão de que os presidentes acertem acordos ou façam anúncios após a conversa.
As buscas por Phillips e Pereira seguem, segundo as
autoridades, mas o paradeiro de ambos é ainda desconhecido. (BBC)
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