Naquele dia, houve o discurso do presidente Epitácio Pessoa e as ondas chegaram até a Niterói, a Petrópolis e a São Paulo. Mas, a história do rádio pode ter começado bem antes deste que é considerado por muitos o marco inicial do veículo no Brasil. E em uma cidade que fica a mais de dois mil quilômetros da antiga capital do país.
Recife era uma cidade de 230 mil pessoas no ano de 1919 e respirava a brisa da modernidade daquelas primeiras décadas do século 20. Três anos antes da transmissão carioca, apontada como a primeira transmissão radiofônica do Brasil, a Rádio Clube de Pernambuco teve papel indiscutível e pioneiro para o desenvolvimento do rádio como veículo de comunicação de massa.
Para pesquisadores
ouvidos pela Agência Brasil,
não deve haver uma polêmica sobre onde afinal começou o rádio porque os
processos eram concomitantes. Professores explicam que em 1919, a Rádio Clube
de Pernambuco passou a ter os próprios estatutos e ganhou visibilidade da
mídia. A Rádio Sociedade do Rio de Janeiro seria fundada em 20 de abril do
ano seguinte.
A emissora no
Recife, formada por estudantes radioamadores, foi inaugurada em 6 de abril de
1919, e depois reinaugurada em 1923 - o que lhe garantiu pioneirismo técnico.
“Foi como um berço para a transmissão radiofônica”, diz o professor Pedro Vaz,
pesquisador da história da rádio e professor universitário em São Paulo.
“Consoante
convocação anterior, realizou-se hontem na Escola Superior de Eletricidade, a
fundação do Rádio Club, sob os auspícios de uma plêiade de moços que se dedicam
ao estudo da eletricidade e da telegraphia sem fio (...) a primeira no gênero
fundada no país” (trecho do documento
de fundação da Rádio Clube)
A pesquisadora
Adriana Santana, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), explica que a
rádio no Recife era formada por pesquisadores muito entusiasmados pelas
possibilidades tecnológicas da transmissão sem fio. “Há pesquisas relevantes
sobre o registro histórico no Recife, mas eu acho que o mais interessante não é
requerer a paternidade ou a maternidade da rádio no Brasil, mas a gente
constatar que, no Brasil, havia esse espírito da descoberta que marca esse
tempo”.
A pesquisadora
contextualiza que, naquelas primeiras décadas do século 20, havia uma
efervescência cultural e científica e que ganhou novo estímulo com o final da
Primeira Guerra Mundial (1914-1918). “Eram pessoas com recursos e que investiam
em equipamentos e testes. Em geral, homens de diferentes profissões e ligados
pela paixão por aquela inventividade”, afirma.
Mas, conforme
pontua o professor Luiz Artur Ferraretto, da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS), as primeiras transmissões de rádio no Brasil devem ser vistas
como frutos de um processo e que há um inquestionável pioneirismo de ações em
Pernambuco, inclusive antes de 1919. Na década de 1910, já existem experimentos
e Recife, por ser uma cidade portuária, recebeu equipamentos. Em 1914, as
transmissões experimentais passam a ser proibidas por causa do início da
guerra.
O documento Carta aberta sobre o pioneirismo no rádio
brasileiro, publicada por estudiosos do rádio em setembro do ano
passado, cita amadores operando estações ainda na década de 1910, em uma
prática que evoluiu da radiotelegrafia e da radiotelefonia. “Com o surgimento
da KDKA, emissora pioneira dos Estados Unidos, intensifica-se o interesse deles
em relação à transmissão sonora. No Brasil, tais irradiações seguiam sendo
consideradas clandestinas. Há registros, inclusive, de perseguição das
autoridades em relação aos que operavam essas estações”, detalha a carta.
Não há registros
dessas transmissões em função das proibições no Brasil, “o que se resolve
somente após a fundação da Rádio Sociedade e por hábil intermediação de Edgard
Roquette-Pinto junto ao governo”.
Segundo esse
documento, entende-se que protagonistas foram Oscar Moreira Pinto
(radiotelegrafista da Marinha Mercante) e Oscar Dubeux Pinto (eletricista que
trouxe equipamentos para o Brasil). “A primeira transmissão clara de som em
território brasileiro, no entanto, é anterior a tudo isso. Ocorreu, em 17 de
abril de 1911, na costa da Bahia. Trata-se da demonstração do chamado sistema
Telefunken a bordo do SMS von der Tann, cruzador-encouraçado alemão, de onde se
transmitiu música captada pela Estação de Amaralina”, contam os pesquisadores
no texto da carta aberta.
Na avaliação do
professor Ferraretto, rádio como sinônimo de comunicação sem fio, sem ser
telefonia, começa no Recife. “No Rio de Janeiro, ele ganhou força. Ao longo dos
anos 1920, o veículo vai se transformar naquele meio de comunicação que a gente
conhece hoje como rádio”.
O jornalista e
pesquisador Luiz Maranhão Filho também compartilha o entendimento
que Pernambuco foi berço do rádio no Brasil, através de um grupo de
amadores e estudantes de física, integrantes da Escola de Eletricidade do
Recife. “Foi artesanal, com certeza. Os curiosos obtiveram a fonia, utilizando
um transmissor de telegrafia sem fio (...) O grupo adaptou para transmitir
vozes, através de um microfone, feito com uma lata de goiabada com muitos furos
de pregos e carvões magnéticos, estendidos em seu interior”.
Pedro Vaz explica
que tanto a Rádio Clube de Pernambuco como a Rádio Sociedade foram pioneiras.
Ele contextualiza que os organizadores e entusiastas da radiotelegrafia não
pensavam a rádio como conhecemos hoje.
“Ninguém ali
imaginaria que iria se tornar o potente veículo da primeira metade do século
20”. Ele acrescenta que, a partir de fevereiro de 1923, com a instalação
de um pequeno equipamento de dez watts, foi que a emissora passou a ser captada
no centro de Recife.
Experimentação
Aqueles jovens,
que tinham as referências de Landell de Moura e dos
experimentos dos anos 1910, entenderam a possibilidade da transmissão de voz à
distância. “Eles resolveram criar uma rádio clube para experimentação de
transmissão de sons. O que se fez na Rádio Clube de Pernambuco é embrião
para a Sociedade Educadora Paulista, do Roquette-Pinto”, diz Pedro Vaz.
O professor
salienta que, entre Roquette-Pinto e Rádio Clube de Pernambuco, nunca houve uma
polêmica sobre quem seria pioneira. “Ele reconhecia a Rádio Clube de
Pernambuco e a Rádio Clube também reconhecia. Não existiam brigas pra quem
chegou primeiro, pelo contrário”.
Série de
reportagens
Em comemoração aos cem anos do rádio no Brasil, completados em 7 de setembro de 2022, a Agência Brasil publica uma série de dez reportagens sobre as principais curiosidades históricas do rádio brasileiro.
O centenário do rádio no país também será celebrado com ações multiplataforma em outros veículos da EBC, como a Radioagência e a Rádio MEC que transmitirá, diariamente, interprogramas com entrevistas e pesquisas de acervo para abordar diversos aspectos históricos relacionados ao veículo. A ideia é resgatar personalidades, programas e emissoras marcantes presentes na memória afetiva dos ouvintes. (Ag. Brasil)
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