domingo, 10 de julho de 2022

Coisas da Política: Governo resolveu apelar para o descaramento de tentar aliciar o eleitor pelo bolso

A 85 dias da votação do 1º turno, quando o Brasil pode mudar o seu destino, as cartas já estão virtualmente embaralhadas e viciadas pelas últimas jogadas do presidente Bolsonaro para tentar reverter o jogo eleitoral, até aqui desfavorável nas diversas pesquisas realizadas por vários institutos credenciados pela Justiça Eleitoral. 

O grande eleitor oculto tem sido a inflação, que corrói os orçamentos familiares dos clãs ricos e sobretudo dos mais pobres, com uma massa imensa ainda desempregada ou vivendo de biscates. Orçamentos empresariais também são afetados por uma taxa de inflação que completou 10 meses na faixa acima de dois dígitos e empurrava para baixo os índices de aceitação do presidente contra o ex-presidente Lula.

As canetadas BIC do presidente Bolsonaro visavam romper esse obstáculo para tentar ganhar nas urnas eletrônicas. Mas ela as segue ameaçando com o atiçamento sistemático das Forças Armadas, cuja função no pleito deveria - como sempre foi - ser garantidora, suplementar, da ordem nos grandes centros, onde atuam as forças regulares de segurança, e no auxílio do transporte das urnas a lugares remotos, por via aérea, por terra ou pela navegação, que são de seu domínio natural). No intuito de se isentar da escalada da inflação (dizia que ora a culpa era da Petrobras, ora dos governadores, a quem atacou duplamente). Para obter a redução drástica dos índices de inflação, com ajuda de seus aliados na Câmara dos Deputados, chefiada por Arthur Lira (PP-AL), Bolsonaro não se limitou a fazer caridade com o chapéu alheio. Quer se cacifar com a redução do ICMS sobre energia, telecomunicações e combustíveis, da faixa de 25% a 32% para 17-18%, impostos com os quais estados e municípios arrecadavam recursos para bancar educação, saúde e segurança.

Mas a redução não contentou as hostes bolsonaristas. Como a emenda que promoveu a redução deixou a porta aberta para os governadores comprometidos com a campanha da reeleição, que está nas ruas desde 1º de janeiro de 2022, desrespeitando o calendário eleitoral, para que os estados que zerarem o ICMS venham a ser compensados pela União, as redes sociais que apoiam o presidente da República lançaram uma campanha difamatória contra os governadores que não fecham com Bolsonaro e que, ressabiados com outros calotes da União, limitaram-se a cumprir o que foi reduzido pelo Congresso (por sinal, a matéria ainda está com a legalidade arguida junto ao Supremo Tribunal Federal). As páginas dos blogueiros e apoiadores a serviço do bolsonarismo exibem as fotos dos governadores dos estados que não avançaram na redução da alíquota a zero. Trata-se de medida sensata, pois a redução é temporária, vale até o fim deste ano; não há garantia de que a União, sob comando de um presidente reeleito ou de outro ocupante, vá honrar o compromisso a tempo e volume suficientes para que a obrigatoriedade dos serviços de educação, saúde, segurança e outras atribuições dos governos estaduais e municipais não sofra solução de continuidade. 

Corrida contra o tempo

O intervalo eleitoral é curto até o começo da campanha em rádio e TV, em 16 de agosto. A surpresa negativa da inflação de 0,67% em junho, que elevou a taxa acumulada em 12 meses para 11,89%, colocando 15 dos 16 estados e regiões do Brasil pesquisados pelo IBGE com inflação acima de dois dígitos há 10 meses, deixou o governo inquieto. Na falta de tempo para que as medidas temporárias (válidas até 31 de dezembro de 2022) cumpram seu objetivo eleitoral de conquistar o eleitor arredio, sob o argumento de que a “culpa era dos governadores, da Petrobras ou de quem quer seja, menos de Jair Messias Bolsonaro”, o governo resolveu apelar para o descaramento de tentar aliciar o eleitor pelo bolso (por sinal que é 50% da palavra Bolsonaro a ser confirmada na urna, com o número 22), através de um pacote de bondades que injetará mais de R$ 42 bilhões. É a atualização das práticas dos velhos “coronéis” do Nordeste e dos rincões: nos tempos das cédulas depositadas nas urnas, junto com as cédulas dos candidatos os asseclas dos “coronéis” entregavam um pé do sapato; a entrega do par só seria completada se o candidato fosse eleito.

Por isso a oposição, que tinha a inflação como elemento de desgaste para Bolsonaro, tratou de tentar postergar a vigência do pacote de bondades, que ela também aprovou na 1ª rodada de votação; poderá ser votado em definitivo nesta semana. Se demorar muito a regulamentação das medidas, com o aumento de R$ 400 para R$ 600 no Auxílio Brasil, com inclusão de mais 2,6 milhões de famílias, a duplicação do vale gás, o auxílio caminhoneiro de R$ 1 mil e a gratuidade do transporte urbano para maiores de 65 anos (uma medida paliativa ante os reajustes anuais das pesagens que já pipocam em várias capitais na faixa de 12% a 15%), pode não haver tempo para a Caixa Econômica Federal, que trocou de direção após o escândalo das denúncias de assédio sexual pelo ex-presidente, Pedro Guimarães, que era fiel escudeiro de Bolsonaro,  processar o 1º pagamento ainda em julho. Com isso, os eleitores tardariam a sentir o pacote de “bondades”. Trata-se do alto grau de maquiavelismo do jogo eleitoral.

De qualquer forma e mesmo diante das possíveis mudanças de cenário, bancos e consultorias estão fazendo cálculos que apontam até deflação no IPCA de julho (a ser divulgado em 9 de agosto) e pequena alta em agosto (a ser conhecido em 9 de setembro). Já a inflação de setembro, só será conhecida em 11 de outubro, depois do resultado do 1º turno). O que vale é produzir resultados no auge da campanha eleitoral. O Itaú, até a semana passada, esperava que a inflação medida pelo IPCA caísse para 7,5% (antes da redução dos impostos e da baixa dos preços internacionais das commodities energéticas, minerais e agrícolas, que ajudam Bolsonaro, o Itaú previa mais de 9%), pois já reduziu para 7,2%. O mês de julho teria deflação de 0,92%. A medida, auspiciosa, faria a taxa de 12 meses cair dos 11,89% de junho para menos de dois dígitos, ou seja, 9,80%, uma vez que a taxa de julho de 2021 tinha tido alta de 0,96%. Para agosto, o Itaú projeta ligeira alta de 0,14%, o que derrubaria mais a inflação em 12 meses (para 9%, uma vez que a taxa de agosto de 2021 foi de +0,87%). A inflação abaixo de 10% seria um alívio para Bolsonaro.

Mas há riscos, como já dizia Paulinho da Viola, do vendaval que dinheiro na mão causa, com repique da inflação no fim do ano e começo do ano que vem, quando as bondades não seriam mais pagas e os estados venham a buscar as receitas dos impostos que foram reduzidos. Com mais de R$ 42 bilhões em circulação no período eleitoral - se houver 2º turno, em 30 de outubro, uma nova rodada dos auxílios (cujo calendário ainda não foi divulgado) pode ser decisiva na eleição, rodarão na praça de R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões. Recordar é viver: no auge da distribuição do Auxílio Emergencial, de R$ 600, em agosto-setembro de 2020, houve uma disparada dos preços (o arroz subiu mais de 74% em 12 meses e o óleo de soja rompeu alta de 103%, porque com os estoques zerados pela exportação sem cuidado com a garantia do abastecimento interno, o país “celeiro do mundo”, maior exportador de soja, teve de comprar grãos para extrair óleo, num total atestado de incompetência.

Vantagens do parlamentarismo

A renúncia do primeiro-ministro britânico Boris Johnson à chefia do governo no Reino Unido, depois de sucessivos escândalos que abalaram sua credibilidade junto ao próprio partido Conservador, mostra como o regime parlamentarista acomoda melhor as crises políticas do que o presidencialismo para resolver questões que interessam tanto à maioria quando às minorias da população. Pode ser que seja a tradição de monarquias que evoluíram politicamente com a perpetuidade do direito divino à família real, mas a gestão política ao escrutínio da população, mediante a escolha de representantes dentro do parlamento, promove a absorção de crises de modo bem mais suave do que nos outros regimes de governo. A situação do Reino Unido é exemplar. Foi lá, no século XI, que Guilherme I, Rei da Inglaterra, passou a negociar medidas com representantes do clero e senhores feudais. As decisões que mais interessavam a todos diziam respeito à cobrança de impostos, para custear as despesas da Corte, incluindo gastos com a alimentação da família real e seus servos, além das forças de defesa. A sanha arrecadatória do Rei João levou o Conselho, já incorporando a crescente classe dos comerciantes e os pequenos produtores de manufaturas, a criar a Carta Magna, em 1215, para limitar a capacidade do Rei de criar despesas (a serem custeadas pela população). Nascia aí a figura do Parlamento para defender o povo contra os soberanos.

Quando se pesquisa a existência de regimes parlamentaristas pelo mundo, chama atenção o fato de que nas Américas predomine o presidencialismo, o que indica a reação libertária aos regimes colonialistas que surgiram em toda a região. Além do Brasil, colonizado pela Coroa Portuguesa de 1500, a 7 de setembro de 1822, quando o filho de D. João VI (que fugindo da invasão das tropas francesas de Napoleão Bonaparte transferiu a Corte para a colônia, primeiro para Salvador, Bahia, e depois para o Rio de Janeiro) declarou a Independência do Brasil ao Reino de Portugal, Brasil e Algarves, a partir da descoberta da América (1º as ilhas do Caribe, em 1492, e depois a América Central e o México, com destruição das civilizações Maia, Asteca e Tolteca), houve a colonização pela Espanha de toda a América do Sul (com destruição do Império Inca), a Oeste do Tratado de Tordesilhas. Vale recordar que pelo Oceano Atlântico os acessos dos espanhóis a seu território se davam, ao norte, pelo rio Amazonas, que tinha na foz, a cidade de Belém como cidadela portuguesa, e ao sul, pelo rio da Prata. A partir da circo navegação de Fernão de Magalhães, cujo objetivo era certificar onde terminava o domínio espanhol (nas ilhas Molucas, no Oceano Índico, entre a Indonésia e as Filipinas) e acabou confirmando que a Terra era redonda, ficou mais fácil aos espanhóis explorarem seus territórios pelo Oceano Pacífico. Mas o acesso dos reinos europeus que dominavam a navegação ao Oceano Atlântico selou a sorte de várias regiões. As antigas guianas foram colonizadas pelos reinos da França (que mantém a soberania), da Holanda (atual Suriname, que se tornou independente em 1975), e da Guiana (emancipada do Reino Unido em 1966).

Sem esquecer dos donos históricos das terras - as diversas tribos indígenas -, a maior parte do atual território dos Estados Unidos, cuja colonização inicial nas 13 colônias foi feita por famílias de súditos britânicos, já passou pelo domínio de reinos da Espanha (caso da Flórida e do México), da França (que tinha parte do Canadá, ao Norte, e a Luisiana, ao Sul das 13 Colônias). Vale lembrar que o Alasca, o maior dos 50 estados americanos, foi comprado em 1867 do Império Russo, que estava com as finanças debilitadas após a Guerra da Criméia (1853-1856), quando os exércitos dos impérios Britânico, da França, do Reino da Sardenha (que viria a formar a Itália), unidos ao Império Otomano, derrotaram o exército do Czar Nicolau I, que se unira às tropas curdas para tentar submeter as regiões da Criméia e conquistar a saída para o mar Mediterrâneo, sob o pretexto de proteger as peregrinações (e o comércio) de cristão ortodoxos até Jerusalém. A confusão vem de longe. Há mais de mil anos disputam-se as rotas de comércio do Ocidente com a China e a Índia, que passavam pelo Oriente Médio, origem das Cruzadas do Ocidente para combater o domínio dos pontos chave pelos mouros. Boa parte do imbróglio que hoje pôs o mundo em suspense, desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro, vem do desejo incontido e frustrado até aqui, da Rússia, nação de maior território do mundo (sob o reinado dos czares, o domínio soviético ou o autoritarismo de Vladimir Putin) de encontrar saídas para o mar.

Tirando dos Estados Unidos e o Brasil, o grupo das 20 maiores nações do mundo que integram o G-20 (as de economia mais desenvolvidas) são parlamentaristas. Na Europa, Alemanha, França e Itália lideram as nações republicanas com regime parlamentarista de governo. Quem conduz o governo é o primeiro-ministro, que negocia alianças de governabilidade no Parlamento. Nas monarquias europeias mais importantes dá-se o mesmo: quem conduz administrativamente as nações são os primeiros ministros, no Reino Unido, na Espanha, da Bélgica, na Holanda, na Dinamarca, na Noruega, na Suécia, na Grécia. Na Ásia, o parlamentarismo é adotado pela populosa Índia (a maior democracia do mundo, com 1,38 bilhão de habitantes, comandada pelo primeiro-ministro Narendra Modi), a Austrália e o Japão, que ganhou as manchetes esta semana pelo assassinato, a tiros, do ex-primeiro-ministro Shinzo Abe, em discurso de campanha para voltar ao cargo (vale notar que o Japão, com regime monárquico, tem severas restrições à venda e porte de armas, razão pelas quais não se registrava crime desta ordem desde os anos 60 - o atirador, preso em seguida, tinha feito a arma de modo artesanal). Assim como a Austrália e a Índia, inspiradas no regime britânico, o Canadá, que era antiga colônia britânica, também adotou o parlamentarismo. A China, do partido único (comunista), é um caso à parte.

Um dos maiores exemplos da flexibilidade que o parlamentarismo oferece no ajuste das forças políticas, sem necessidade de cooptação pela corrupção ou manuseio de orçamentos secretos, como acontece no presidencialismo brasileiro, é a governança do Estado de Israel. Recentemente, ao sentir perder sua liderança no Parlamento (Knesset), o então primeiro-ministro Naftali Bennett anunciou que iria dissolver o Parlamento por falta de consenso entre a coalizão que garantiu sua eleição em 2021, quando derrotou Benjamin Netanyahu, do Likud, que pretende voltar ao posto. Diante da importância das negociações externas, assumiu interinamento o ministro do exterior, Yair Lapid.

Constituição de 1988 é parlamentarista

Tivesse o Brasil um regime parlamentarista, certamente, a tramitação do pacote de bondades teria sido diferente, sem o rolo compressor usado pelos governos majoritários para aprovar medidas, por bem ou por mal. Vale lembrar que o parlamentarismo vigorou na metade do reinado de D. Pedro II, de 1847 até a Proclamação da República, em 1899. O mais recorrente primeiro-ministro foi o pernambucano Pedro de Araújo Lima, que assumiu como Visconde de Olinda (1848-1849). Já na 3ª e última gestão (1865-1866), era conhecido como Marquês de Olinda, rua do bairro de Botafogo, que tem outros nomes de primeiros-ministros do Império, assim como Flamengo e Laranjeiras. Vultos importantes da história do país como o Duque de Caxias e o futuro Barão do Rio Branco exerceram a função de primeiro-ministro no Império.

A curta experiência republicana do parlamentarismo (504 dias, de 1961 a 1963) nasceu claudicante. Diante da resistência militar à posse do vice João Goulart (PTB), após o frustrado golpe da renúncia de Jânio Quadros (UDN), em 25 de agosto de 1961 (o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, leu a carta de renúncia em plenário e o ato, unilateral, deu motivo à vacância do poder), criou-se uma solução híbrida do Parlamentarismo, com a formação do 1º gabinete sob a chefia do mineiro Tancredo Neves (PSD), que durou 307 dias. Foi sucedido pelo gaúcho Brochado da Rocha (PSD), que ficou apenas 68 dias no cargo. A saga terminou com Hermes Lima (PTB), que completou 128 dias. O Plebiscito de fevereiro de 1963, aprovou a volta do presidencialismo. Pouco mais de um ano depois veio o golpe militar de 1964.

O desenho da Constituição de 1988 foi costurado por Ulysses Guimarães para um regime parlamentarista, baseado em compromissos entre as lideranças partidárias menos fragmentadas. A figura da Medida Provisória é uma típica solução de governabilidade (aprovação automática por decurso de prazo, com vigência temporária até a aprovação da medida definitiva sob a forma de projeto de Lei ou Emenda Constitucional - cada qual com quórum mais restritivo). Na hora final, o experiente político achou melhor ouvir a população diretamente, cinco anos após a promulgação da Constituição (5 de outubro de 1988). Em 1993, os brasileiros foram decidir se queriam uma República parlamentarista ou presidencialista, ou ainda um regime monárquico com presidencialismo ou parlamentarismo (à moda europeia). A tradição e o medo do desconhecido falaram mais alto (insufladas por ambições de lideranças políticas personalistas) e três décadas depois o regime foi novamente rejeitado.

As sucessivas crises trazidas pelo nosso presidencialismo de cooptação, num ambiente partidário em que as siglas se multiplicam como seitas evangélicas, novos poderosos currais eleitorais, recomenda que o tema do parlamentarismo seja discutido numa urgente e necessária reforma política no começo da nova legislatura. O atual modelo fracassou por excesso de fisiologismo e corrupção descarada dos que se servem do Estado, em vez de servi-lo. (Jornal do Brasil)

 

  

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