"Vou votar no ex-presidente Lula porque acredito no plano de governo dele em prol da democracia, do diálogo e do respeito pelas divergências", diz o jovem que, além da simpatia pelo programa de Lula, é motivado por uma visão negativa do governo do atual mandatário e aspirante à reeleição, Jair Bolsonaro (PL).
"Além de provocar uma grave crise política e econômica em
nosso país, o atual presidente causou uma grande crise institucional brigando
com os poderes da República e contestando a urna eletrônica", diz ele, que
é de uma família católica que está dividida entre apoiadores do ex-presidente e
eleitores de Jair Bolsonaro.
Conterrânea de Henrico, Julia Braga é natural de Formiga, no
interior de Minas Gerais, e também votará pela primeira vez em 2022. Mas a
jovem de 19 anos se define como parte de um estrato político totalmente oposto.
"Para mim, para que o Brasil chegue na mudança que tanto
almejamos, mais quatro anos de governo do presidente Bolsonaro seriam
essenciais", diz a estudante de Medicina Veterinária.
"A liberdade, no contexto mais amplo da palavra, é uma das
políticas defendidas por ele que mais me agrada, assim como os valores voltados
à família, à fé e a defesa do direito de propriedade, do porte de armas e da
criminalização do aborto", afirma.
Henrico e Julia fazem parte dos quase 53 milhões de eleitores
entre 16 e 34 anos aptos para votar em 2022.
Para cientistas políticos e analistas consultados pela BBC News
Brasil, embora representem pouco mais de um terço do total de eleitores do
país, os jovens podem ter impacto importante no resultado final da votação.
"Essa eleição tende a ser muito apertada, pois os dois
principais candidatos têm alto grau de rejeição. E nesse cenário, grupos e
minorias homogêneas podem fazer a diferença", diz Leonardo Barreto,
diretor da consultoria de risco político Vector Research.
O especialista explica ainda que a percepção dos eleitores mais
novos sobre sua relevância no cenário atual pode motivar maior mobilização em
torno de um objetivo comum.
"A literatura de ciência política diz que quanto mais um
grupo acredita em sua capacidade de fazer a diferença, mais ele se mobiliza. Ao
mesmo tempo, quando indivíduos não acreditam que podem mudar um resultado, a
tendência é de se desmobilizar", explica.
"Os jovens sozinhos, obviamente, não tem condições de
garantir a vitória de um candidato, mas na somatória eles certamente farão a
diferença, especialmente nesse contexto de alta rejeição ao atual presidente na
ala", diz
Maria do Socorro Braga, professora de Ciência Política da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Uma pesquisa Datafolha feita somente com jovens de 16 a 29 anos
entre os dias 20 e 21 de julho em 12 capitais revelou que Bolsonaro tem a
preferência de 20% dos eleitores desse universo, contra 51% do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A rejeição do atual presidente no grupo é significativamente maior
do que a do seu principal adversário: 67% dos jovens entrevistados afirmam que
não votariam nele de jeito nenhum no 1º turno da disputa presidencial.
O nome do ex-presidente Lula, por outro lado, é o segundo mais rejeitado
(32% não votariam de jeito nenhum).
Também do Datafolha, uma pesquisa realizada entre os dias 27 e 28
de julho de 2022 com 2.556 pessoas de diferentes idades em todo o Brasil
mostrou que 52% dos eleitores entre 16 e 24 anos, quando apresentados aos nomes
dos candidatos e pré-candidatos, responderam que pretendem votar em Lula,
contra 24% que citaram Bolsonaro.
Já entre os jovens de 25 a 34 anos o candidato do PT aparece com
43% das intenções de voto, contra 30% do atual presidente.
Em termos gerais, 47% dos entrevistados disseram que pretendem
votar em Lula e 29% em Bolsonaro. Em terceiro lugar está Ciro Gomes (PDT), com
8% das intenções de voto, seguido de Simone Tebet (MDB), com 2%.
Uma outra pesquisa, da Genial/Quaest, mediu a avaliação do atual
governo entre diferentes grupos etários de todo o país. Entre os jovens de 16 e
24 anos, 46% dos entrevistados entre 28 e 31 de julho disseram ter uma visão
negativa da atuação do mandatário, 32% regular e 20% positiva.
Já entre as pessoas de 25 e 34 anos, 42% avaliaram de forma
negativa o governo, 29% regular e 27% positiva.
Considerando todos os entrevistados, independentemente da faixa
etária, a pesquisa mostrou o ex-presidente Lula com 44% das intenções de voto
contra 32% de Jair Bolsonaro no primeiro turno. Depois aparecem Ciro Gomes, com
5%; André Janones e Simone Tebet, com 2%; e Pablo Marçal, com 1%.
Interesse recorde?
Para Carolina Botelho, cientista política do Doxa (Laboratório de
Estudos Eleitorais da Uerj) e do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social
da Universidade Mackenzie, a força dos jovens se torna maior diante do recorde
alcançado em 2022 no número de adolescentes entre 16 e 18 anos que tirou o
título de eleitor.
Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o país ganhou mais de
2 milhões novos eleitores nessa faixa de idade entre janeiro e abril deste ano,
um aumento de 47,2% em relação ao mesmo período em 2018.
Para os jovens de 16 e 17 anos, o voto não é obrigatório. Mas o
alistamento foi fortemente incentivado por campanhas nas redes sociais, que
envolveram artistas brasileiros e até astros hollywoodianos.
"A mobilização para tirar o título de eleitor tende a ter um
impacto mais prejudicial para a campanha de Jair Bolsonaro, pois quem liderou o
movimento foram os setores mais progressistas da sociedade", diz a
cientista política.
"E mais importante: os jovens atenderam na mesma hora."
O que explica a alta rejeição de Bolsonaro entre os jovens?
Segundo analistas consultados pela BBC News Brasil, as políticas
adotadas pelo governo de Jair Bolsonaro para áreas como educação, geração de
emprego e meio ambiente podem estar afastando o voto de eleitores jovens da
candidatura do mandatário à reeleição.
"Especialmente em questões da vida prática, como educação e
emprego, os jovens podem estar se sentido precarizados ou deixados de
lado", diz Carolina Botelho.
A pesquisadora chama atenção para o fato de que os jovens estão
entre os grupos mais atingidos pelo desemprego — segundo dados do IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no primeiro trimestre de
2022, a maior taxa de desemprego, cujo valor atinge 36,4%, está no grupo de 14
a 17 anos, seguido da faixa etária de 18 a 24 anos com 22,8%.
"E não podemos esquecer que a maioria dos jovens brasileiros,
que precisa dos serviços de educação pública, foi totalmente alijado durante a
pandemia por falta de uma estrutura de política pública para atender esse
setor", diz Botelho.
Leonardo Barreto menciona ainda a assinatura pelo presidente da
Medida Provisória 895/19, que criava uma carteirinha estudantil digital e
retirava o monopólio da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da União
Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) para emitir o documento, como
uma ação que pode ter prejudicado sua imagem com grupos de estudantes.
A MP perdeu a validade por não ter sido analisada pelo Congresso
Nacional no prazo regimental de 120 dias, mas pode ter "arrumado um pouco
de briga com as entidades estudantis", para Barreto.
Para o cientista político Francisco Fonseca, professor da
FGV/Eaesp e da PUC-SP, as suspeitas de interferência e censura na produção do
Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), além do adiamentos da prova em 2020 por
conta da covid-19, também podem contribuir para o cenário atual.
"Tudo que diz respeito ao ensino médio, ao acesso à
universidade, bolsas de estudo e oportunidade de trabalho foi negligenciado
pelo governo", diz.
Maria do Socorro Braga cita também a posição da administração de
Bolsonaro na área ambiental e cultural como outro fator que pode estar
afastando os eleitores mais jovens de sua candidatura.
"A atuação do governo na área ecológica tem sido bastante
criticada e esse tema interessa especialmente aos eleitores mais novos. Muitos
ativistas relevantes do setor, inclusive, são bastante jovens", afirma.
Progressistas ou conservadores?
Segundo o cientista político Leonardo Barreto, para além das ações
tomadas durante os quatro anos de mandato de Bolsonaro, a rejeição entre os
jovens pode ser ainda explicada por uma falta de alinhamento ideológico.
"Os jovens tendem a ser mais progressistas e de esquerda do
que os adultos em qualquer lugar do mundo", diz. "E por ser mais
conservador nos costumes, Bolsonaro pode ter um diálogo mais complicado com
esse grupo, especialmente com os mais progressistas."
Barreto pondera, no entanto, que é possível que os eleitores mais
progressistas estejam nas cidades grandes e capitais, enquanto os mais
conservadores morem no interior.
É o caso de Julia Braga, que mora em Alfenas, no interior de Minas
Gerais, para fazer faculdade. A cidade de cerca de 80 mil habitantes elegeu
Jair Bolsonaro em 2018, com 68% dos votos válidos.
"Gosto da política voltada para o agronegócio defendida pelo
presidente. Essa área sustenta a economia geral do nosso país", diz a
estudante, cuja família tem como principal fonte de renda o agronegócio. A
religião, para ela, também é uma questão importante.
"Eu sou católica, minha fé sempre foi muito importante para
mim e eu não deixo decisões passarem por cima dela de forma alguma",
afirma.
"O governo do atual presidente me representa como jovem.
Mesmo sendo nova, tenho comigo as virtudes e valores que vieram da minha
família e eu acredito que um governo que compartilha disso e é voltado para o
bem-estar social já começa na frente"
Henrico Barboza vê em um governo Lula a realização de medidas mais
próximas das prioridades dos jovens. "A juventude brasileira não quer a
legalização do porte de armas, a juventude quer livros, a volta do ProUni, a
retomada do povo nas universidades e mais políticas sociais", afirma
O que mudou desde 2018?
Nem sempre o candidato petista teve a maioria da preferência dos
jovens. Em novembro de 2017, cerca de um ano antes das eleições presidenciais
que elegeram Bolsonaro, 60% dos eleitores que diziam pretender votar no atual
presidente tinham entre 16 e 34 anos, segundo levantamento do Datafolha.
No mesmo período, 45% dos jovens na mesma faixa etária tinham
intenção de escolher Lula nas urnas; a pesquisa foi realizada antes do registro
da candidatura do ex-presidente ser rejeitado pelo Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) e Fernando Haddad ser anunciado oficialmente como adversário de
Bolsonaro.
Para Leonardo Barreto, da Vector Research, a eleição de 2018 foi
precedida por uma mobilização forte da juventude contra o governo do PT e a
elite política do país em 2013, que culminou nas manifestações que ficaram
conhecidas como 'Jornadas de Junho'.
Segundo ele, esse movimento impulsionou o apoio dos setores mais
jovens ao atual presidente.
"Pairava a ideia de que Bolsonaro era uma figura anti-sistema
e muitos eleitores votaram em sua candidatura quase que como um protesto",
diz Barreto.
De lá para cá, principalmente na segunda metade do mandato, o
analista diz que muitos passaram a acreditar que o presidente se associou
"ao sistema", principalmente ao se aliar ao presidente da Câmara dos
Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para manter sua agenda e evitar processos de
impeachment.
De acordo com o especialista, a candidatura atual de Bolsonaro,
por meio de uma aliança "de centro-direita conservadora e tradicional da
política brasileira" também pode estar contribuindo para a ideia de que
ele não é mais um candidato antissistema.
O professor Francisco Fonseca cita ainda a influência da Operação
Lava Jato como mais um fator que pode ter contribuído para a popularidade de
Bolsonaro nas eleições de 2018. "A eleição 2018 foi muito atípica",
diz.
Segundo os cientistas políticos, os jovens que já declararam voto
em Jair Bolsonaro tendem a cultivar uma identificação com o atual presidente
que é, em grande parte, movida por ideologia.
"Assim como muitos jovens rejeitam Bolsonaro por se
identificarem mais com uma ideologia mais progressistas, os que votam no atual
presidente tendem a se identificar com o conservadorismo", afirma Leonardo
Barreto.
"E nesse caso o conservadorismo entre esses jovens tende a
estar muito associado à família, aos círculos sociais, à região onde eles moram
e à intensidade da prática religiosa.
"Além da questão religiosa, questões de cunho comportamental
e de valores também associam alguns jovens ao Bolsonaro. Vejo que há uma
ligação de alguns dos eleitores mais novos com a visão de mundo que ele
pretende oferecer", diz ainda Carolina Barreto.
Além disso, segundo os especialistas, o fator renda pode
influenciar no momento da escolha do candidato. "De forma geral, o atual
presidente tende a ter mais apoio entre os jovens de famílias conservadoras e
mais religiosas, mas também de classe média ou alta", analisa Maria do
Socorro Braga.
Visões "lulista" e "bolsonarista"
Para Maria do Socorro Braga, da UFSCar, há na atual divisão entre
os dois primeiros candidatos nas pesquisas eleitorais "uma visão de dois
'Brasils'".
Entre os mais jovens, o antagonismo está visível também quando
considerados o sexo dos eleitores.
Segundo a pesquisa do Datafolha realizada em 12 capitais
brasileiras com eleitores de 16 a 29 anos, entre os homens, a intenção de votos
em Lula está em torno de 44%, com vantagem menor para Bolsonaro, que tem 24%.
Na fatia das mulheres jovens, o petista vai a 58%, com distância
mais ampla para o nome do PL (16%).
O levantamento divulgado em 28 de julho também dividiu os jovens
eleitores entrevistados de acordo com sua religião e perfil socioeconômico.
Entre os adolescentes e jovens evangélicos, Bolsonaro (36%) e Lula
(30%) estão tecnicamente empatados, com vantagem numérica para o atual
presidente, de acordo com o levantamento.
Dentro do grupo de jovens católicos entrevistados, Lula leva
vantagem, com 53% dizendo que pretendem votar no ex-presidente, contra 18% em
Bolsonaro.
Já quando considerado o nível socioeconômico, 53% dos eleitores
entre 16 e 29 anos com renda familiar mensal de até dois salários mínimos dizem
que pretendem votar em Lula, contra 18% em Bolsonaro.
Nas faixas de dois a cinco e cinco a dez salários mínimos a
diferença entre os dois principais candidatos diminui um pouco, com 49% e 48%
das intenções de voto para o petista contra 21% e 24% para o atual presidente,
respectivamente.
Entre os que têm renda familiar de mais de dez salários, 41% dizem
ter intenção de votar em Lula, contra 23% em Bolsonaro.
Contra o aborto e mais liberal
João Pedro Martin tem 20 anos e, além de ter declarado apoio à
candidatura de Jair Bolsonaro, participa e organiza atos em favor do presidente
em sua cidade, Promissão, no interior de São Paulo.
Ele se identifica como espírita e afirma que toda sua família
pretende votar no candidato do PL.
"O presidente é contra o aborto e a legalização das drogas e
favor da redução da maioridade penal, políticas que concordo", diz o jovem,
que também cita os conceitos de "liberdade econômica do atual
governo" como positivos.
"Acredito que o que o presidente não conseguiu fazer durante
esses quatro anos vai colocar em prática em um segundo mandato. A pandemia
atrapalhou muito."
O estudante de Direito afirma já ter apoiado algumas das ideias
defendidas pela campanha do ex-presidente Lula e, inclusive, concorreu e foi
eleito 1° suplente de vereador pelo PT nas eleições municipais de 2020.
"Sou envolvido com a política desde os meus 13 ou 14 anos,
mas sempre fui mais à esquerda, creio que por influência de professores que
admirava. Mas depois da pandemia passei a pesquisar mais e comecei a apoiar o
presidente", afirma João Pedro.
"Muitas pessoas diziam que Bolsonaro não olhava para os mais
pobres, mas agora essas mesmas pessoas estão criticando a PEC Kamikaze",
disse à BBC News Brasil sobre a medida aprovada pelo Congresso que criou o
reconhecimento do estado de emergência e permitiu ao governo turbinar
benefícios sociais em ano eleitoral.
De direita, esquerda ou centro?
A pesquisa Datafolha realizada com jovens de 16 a 29 anos em 12
capitais brasileiras também questionou os entrevistados sobre sua identificação
política e ideológica.
Entre os entrevistados, 32% disseram se considerar de esquerda,
espectro que inclui os segmentos de extrema esquerda, esquerda, ou
centro-esquerda. Já o segmento de centro agrega 30% dos adolescentes e jovens,
e o de direita, incluindo extrema-direita, direita e centro-direita, abrange
33%.
Em relação aos candidatos escolhidos nas eleições, a pesquisa
mostrou que o ex-presidente Lula tem 78% dos votos entre adolescentes e jovens
que se consideram politicamente de esquerda. Bolsonaro tem 4% das intenções de
voto e Ciro, 11%.
Entre os que se posicionam no centro do espectro político, o
petista tem 40% das intenções de voto, e na sequência aparecem Ciro (19%) e
Bolsonaro (14%).
Na parcela que se posiciona à direita no espectro político, o
atual presidente tem 42%, em patamar próximo a Lula (35%), e em seguida aparece
Ciro Gomes (7%).
Segundo Maria do Socorro Braga, os resultados apontam para um
melhor desempenho do ex-presidente não apenas entre os jovens mais
progressistas, mas também entre os de centro.
"A grande disputa nesta eleição vai ser pelos eleitores de
centro ou que ainda estão indecisos", conclui.
(BBC)
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